1. Foi assinalado no último domingo o “ Dia Mundial dos Pobres “, louvável iniciativa criada há quatro anos pelo Papa Francisco , que passa quase despercebido no nosso calendário tantas são as nossas ocupações e preocupações. O tema da Mensagem do Santo Padre para este ano centra-se na sublime palavra (Sir 7, 32 ) : “ Estende a tua mão ao pobre “.
Sabemos que muitos não gostam de falar de pobreza e de pobres e outros acham enfadonho repetir-se o tema porque entendem que isso é bater no ceguinho ! Mas não é ! Este é o principal problema do mundo e aquele dia serve apenas para nos bater à porta, sacudir a consciência e tocar o coração para fugirmos à tentação de cairmos na terrível doença da anestesia que abala o mundo.
Vou centrar-me na Mensagem do Papa para esta efeméride , que é tão sublime, profunda e carregada de sentido que se torna difícil de sintetizar. O Papa Francisco começa por referir-se à sabedoria antiga espelhada na palavra bíblica “ Estende a tua mão ao pobre “ que não é possível acontecer sem fé e sem humildade . Escreve o Papa que “ toda a pessoa , mesmo a mais indigente e desprezada , traz gravada em si mesma a imagem de Deus “ e acrescenta que “ A opção de prestar atenção aos pobres , às suas muitas e variadas carências, não pode ser condicionada pelo tempo disponível ou por interesses privados , nem por projetos pastorais ou sociais desencarnados “.
2. Curioso e lamentável foi ver no Domingo, por cruel coincidência, um dos muitos pobres desta cidade capital dos Açores em preparação natalícia, a meio da noite invernosa, deitado mesmo em frente à Igreja Matriz, no murete do canteiro florido , quando caía uma chuva persistente e miudinha . E ele para ali jazia ensombrado de abandono e pelo condoído desprezo dos que por lá passavam ! O que fazer neste caso ? Telefonar à PSP que está ali mesmo a escassos metros ? Mas, àquela hora, gritar para onde ? Onde pára o tão propalado Plano de Luta contra a pobreza ? Que fazem de concreto as Instituições que são injetadas de vultuosas verbas pelo Governo para acudir à pobreza desta nossa terra, com prevalência nesta cidade de Ponta Delgada ? Onde está a publicidade alargada e persistente de contactos urgentes e emergentes para se acudir a estes casos mais gritantes ? Sim, já sabemos que são casos complicados e complexos, enriçados de histórias tristes e rocambolescas de abandono, de tristeza e desmazelo, que mesmo assim não podem ser abandonados à sua triste sorte. A função do Estado e dos Serviços subsidiados, neste patamar, é ir para o terreno, para as ruas e esquinas e enfrentar esta desgraça social e ter a coragem de enxotar os técnicos que se aninham às secretárias e aos gabinetes ! Como afirma o Papa “ não podemos sentir-nos tranquilos, quando um membro da família humana é relegado para a retaguarda , reduzindo-se a uma sombra “.
3. Na verdade já muito faz a Igreja e algumas Instituições a ela ligadas e muitos cristãos , na verdade, frequentemente estendem a mão ao pobre, mas o Santo Padre lembra que “ Estender a mão é um sinal : um sinal que apela imediatamente à proximidade , à solidariedade, ao amor “. Nesta sociedade massificada e consumista há necessidade de fugir à pressa e à indiferença , na corrida desenfreada das horas que ultrapassam a nossa consciência. Nem o cristão pode dormir descansado e à luz da fé que o anima não pode nem deve descansar perante os flagelos da pobreza, sendo que este é o principal objetivo evangélico da Igreja, sem o qual tudo se reduz a rituais e liturgias !
Para o Papa “ Estende a mão ao pobre faz ressaltar, por contraste , a atitude de quantos conservam as mãos nos bolsos e não se deixam comover pela pobreza, da qual frequentemente são cúmplices também eles. A indiferença e o cinismo são o seu alimento diário “. E muitos deles são uns bem amanhados!
4. Já todos sabemos que esta questão da pobreza não se resolve apenas com uma sopa e um naco de pão e com uma cama e roupa quentinha , que este problema acarreta um novo paradigma que abala os alicerces do sistema e da sociedade porque tudo começa e acaba na Educação e na Formação, depois no Emprego e na Habitação. Mal do governo que descura estas prioridades porque criará apenas cenários de mitigação e de ficção e anestesia social ! Não nos esqueçamos que a pobreza é um fenómeno que nunca está resolvido, que a luta é diária e que nunca podemos cruzar os braços. Olhos postos neste novo governo dos Açores temos forte esperança que ele saberá enfrentar esta chaga social com políticas realistas com a definição clara de prioridades e de ações concretas que decorram da situação real das famílias açorianas, rua a rua, porta a porta. A este propósito lemos ontem com inusitada estupefação e até revolta , a notícia que informava que a taxa de execução nacional do Programa Operacional de Apoio às Pessoas mais carenciadas , de combate à Pobreza, foi de apenas 32 por cento em 2019, uma denúncia do Tribunal de Contas , resultado de uma Auditoria àquele Programa financiado por fundos Europeus . No meio deste desgraçado cenário, o próprio Tribunal até aproveita para sugerir algumas ações integradas naquele importante Programa de luta contra a Pobreza. Pobres e mal amanhados!
Mas voltando à efeméride , o Papa Francisco termina esta sua empolgante Mensagem com uma breve referência à “ globalização da indiferença “ e repetindo a palavra bíblica do Ben-Sirá : “ Em todas as tuas obras, lembra-te do teu fim “, porque o objetivo de cada ação nossa só pode ser o amor . E que a nossa primeira resposta a quem nos estende a mão seja “ o sorriso que partilhamos com o pobre “.
A 17 de Novembro de 2020
Eduardo de Medeiros