O plano, feito segundo as directrizes da Europa, apresenta não só as principais preocupações que a população tem relativamente aos comportamentos aditivos e dependências, mas também aponta indicadores preocupantes para a Câmara da Ribeira Grande, além de indicar possíveis soluções. O documento, o primeiro a ser feito deste género, pretende informar, de uma maneira mais “eficiente”, a população e também agilizar a comunicação entre parceiros para melhorar a eficiência dos tratamentos.
A Câmara Municipal da Ribeira Grande em conjunto com várias entidades, em especial a ARRISCA, apresentou ontem o manual de prevenção e intervenção em comportamentos aditivos e dependências na Ribeira Grande, ou seja, o “Plano municipal de combate às dependências” como referiu o Presidente da Câmara, Alexandre Gaudêncio.
A apresentação do manual esteve a cargo, não só do Presidente da Câmara, mas também de Suzete Frias, da ARRISCA.
O manual assenta em seis princípios basilares: humanismo, pragmatismo, intervenção integrada, territorialidade, proximidade e cooperação. No que concerne aos pilares do manual, Suzete Frias refere que “não há nada de novo. São eles: prevenção, dissuasão, redução de riscos e minimização de danos, tratamento e reinserção. Não estamos só focados no tratamento ou na reabilitação mas também na prevenção, na dissuasão e na diminuição de riscos para os que não conseguem ser tratados,” afirmou. O contexto em que a pessoa está envolvida também é muito importante para se perceber como interage e este enquadramento varia desde “pessoal, familiar, escolar, comunitário, desportivo, cultural, laboral e espaços extremos”, informou a representante da ARRISCA.
Prevenir para não remediar
O manual apresentado tem como um dos objectivos facilitar a comunicação entre as várias associações uma vez que “quando fizemos o mapeamento, percebemos que há muita gente a fazer muito. O problema é que não se conhecem e não se interligam para ficar mais efectivos”, prosseguiu Suzete Frias.
As respostas dadas para prevenção variam consoante o tipo de problema. Estas podem ser “de prevenção universal, para toda a comunidade, selectiva, para grupos com determinados riscos e indicada para pessoas que já têm sintomas ou consumos que precisem de uma prevenção mais focalizada”, afirmou Suzete Frias, concluindo em seguida que, “em termos de tratamento e intervenção, temos a global, a específica e a dirigida para determinados grupos em exclusão social grave”.
Durante a apresentação do manual foram também apresentados alguns dos indicadores que geram grande preocupação no concelho da Ribeira Grande.
O facto de 26% dos utentes do concelho serem seguidos pela ARRISCA, o facto de 16% dos utentes serem seguidos pela Casa de Saúde de São Miguel ou o facto de 18% dos utentes serem seguidos para Alternativa, geram preocupação nos responsáveis do concelho uma vez que “são números já muito significativos para a dimensão” da Ribeira Grande.
Consome-se droga aos 14 anos
Segundo um estudo do projecto Viva+, conclui-se que os jovens começam a consumir numa idade precoce e que os principais incentivadores são os amigos. “A idade média de inicio de consumos na Ribeira Grande é de 14 anos. Os amigos são os grandes incentivadores ao consumo e as festas são o contexto onde o incentivo é maior”, disse Suzete Frias.
O facto da escolaridade ser diminuta no concelho também é um factor de preocupação uma vez que a Ribeira Grande “é o segundo município da Região com menos escolaridade. Nos sensos 2021, 58% da população tinha o segundo ciclo ou abaixo e 75% tinha o terceiro ciclo ou abaixo. Este é um facto de risco para a população que mostra que é fundamental investirmos neste domínio. A taxa de desemprego era de 5,64% e era o concelho com maior número de beneficiários de RSI”, informou a representante da ARRISCA, concluindo que “o número de crimes aumentou em 24,6%, entre 2015 e 2020, o que poderá estar associado ao aumento de furtos, resultado do descontrolo”. Apesar do número de crimes ter aumentado, o número de denúncias tem vindo a diminuir. “Temos que educar as pessoas para a denúncia. Há ainda o receio de se denunciar com medo de represálias”, disse Suzete Frias.
Falta segurança na Ribeira Grande
Segundo alguns estudos feitos em todas as freguesias, as principais preocupações da população prendem-se com a segurança, consumo e droga ‘em cena aberta’, saúde, emprego e falta de programas ocupacionais, absentismo escolar, falta de prevenção em contexto escolar, ocupação dos tempos livres, falta de espaços para os jovens se reunirem e falta de transportes e mobilidade.
“Um dos objectivos do manual foi mapear tudo o que existe no concelho para, de forma articulada, dizer às pessoas como podem aceder à resposta. Fomos colocando as várias referenciações aos nossos parceiros para que as pessoas soubessem a resposta”, disse Suzete Frias.
Outro dos objectivos “é integrar as diversas políticas, ver o que existe em termos de saúde, emprego e questões sociais e se houver um bloqueio fazermos propostas de alteração”, prosseguiu Suzete Frias, apresentando de seguida outros objectivos: “Introduzir mecanismos de acompanhamento e avaliação. Vamos estudar o impacto que essas alterações podem ter. A CRESAÇOR ofereceu-se, de forma gratuita, para fazer esse estudo. Articular em rede os serviços existentes para podermos comunicar e trocar informação de uma forma mais célere”.
Um dos grandes objectivos deste manual prende-se também em dar a mesma acessibilidade a todos na ocupação dos seus tempos livres. “Vamos mapear os interesses dos jovens por freguesia em actividades curriculares e contrapô-las com actividades existentes e ver. Vamos concorrer a um stakeholder privado para criarmos uma bolsa para financiamento dos jovens que possuírem poucos recursos. O levantamento será feito através de quem trabalha com os jovens”, informou a representante da ARRISCA.
Neste manual, estão ainda enumerados os factores de risco e protecção. Esses factores são: o pessoal, o escolar, a comunidade, o empobrecimento e a discriminação.
“A abstinência é a única forma de não ter risco. Não há nenhum consumo que não traga riscos, existem é consumos de diferentes níveis de risco”, indicou Suzete Frias.
Lidar com o vício do jogo
No documento, também vêm referenciadas novas substâncias psicoactivas e como se deve lidar com o facto de os jovens, cada vez mais, encomendarem essas substâncias através da internet: “Temos quem compra pela internet de um modo anónimo e que permite a ‘ubarização’ das drogas, uma vez que são trazidas à porta. É importante que os pais tenham essa noção e existem acções a falar dos cyber perigosos que existem”, informou a representante da ARRISCA, para depois informar que, pela primeira vez, tem presente no documento maneiras de lidar com dependências não químicas “como por exemplo o vicio do jogo”.
“Já existe o papel do compromisso de cada parceiro desde a prevenção, passando por todos os pilares, e onde cada um assuma o seu papel e se criar grupos dentro dos vários pilares. Pensar o nosso bem-estar é o propósito da ARRISCA para criação de um manual universal. Foi entregue ao Sr. Presidente a proposta do espaço jovem para ser feita no concelho. Esta proposta conta com dois candidatos: a Junta de Freguesia da Matriz e a Casa do Povo dos Fenais da Ajuda”, informou.
No fim da sua apresentação, Suzete Frias apresentou o propósito do manual: “Reduzir sinistrados, principalmente na altura das festas. Reduzir as incidências nos crimes estradais. Reduzir gravidezes indesejadas e reduzir infecções sexualmente transmitidas”.
O propósito é de criar um sistema informação para monitorizar o impacto e os indicadores, sendo que a CRESAÇOR já aceitou fazê-lo. Criar um campo na plataforma da Câmara da Ribeira Grande onde estejam os vários documentos e informações. Criar uma aplicação móvel para os jovens. Criar uma equipa concelhia de informação”, conclui a Doutora Suzete Frias.
Frederico Figueiredo