O Almirante Silva Ribeiro vai ser distinguido hoje como membro honorário da Associação para o Desenvolvimento e Formação do Mar dos Açores. No âmbito desta homenagem, Silva Ribeiro vai proferir uma conferência intitulada ‘Estratégia de Apropriação dos Oceanos’, na qual falará sobre a futura ampliação da plataforma continental portuguesa, e a sua importância para os Açores e para o país, no seu conjunto. O Almirante Silva Ribeiro, enquanto Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, teve um papel crucial na solidariedade dos Açores para com alguns países africanos, no transporte de livros e outros bens para crianças e jovens da Guiné, São Tomé e Príncipe e República Centro Africana.
Qual é a importância estratégica dos oceanos e de que forma essa estratégia pode influenciar o desenvolvimento dos Açores?
Almirante Silva Ribeiro – Os oceanos são absolutamente essenciais para a humanidade, tanto do ponto de vista económico mas, desde logo, do ponto de vista ambiental, porque o clima da Terra é muito dependente da interacção entre os oceanos e a atmosfera. Estamos a viver um período, desde o início da década de 70, de profundas alterações climáticas que têm condicionado a vida no planeta. Desde logo, o incremento das chuvas torrenciais, os temporais no mar, o deslocamento de fenómenos meteorológicos que não eram comuns como, por exemplo, a grande tempestade que se fez sentir e que causou muitos danos no porto das Flores.
O grande desafio que se coloca hoje a Portugal no mar tem a ver com o processo de extensão da plataforma continental e com o que têm sido as diligências feitas por todos os países que têm mar, no sentido de verem reconhecido pelas Nações Unidas o exercício de soberania em vastas zonas marítimas, sobretudo com acesso aos recursos que estão no fundo do mar.
No contexto de Portugal, os Açores, pela sua posição geográfica, permitem uma extensão da plataforma continental e possibilitam que o país desfrute de recursos que se encontram no solo e subsolos marinhos, que são absolutamente essenciais ao desenvolvimento do país.
Por isso, no contexto da conferência de amanhã (hoje), decidi escolher este tema, que não é muito debatido, para despertar um pouco a curiosidade das pessoas em relação à importância relevantíssima do processo de delimitação destes espaços marítimos que estão em curso nas Nações Unidas, em Nova Iorque.
Que desafios e oportunidades podem surgir com a apropriação sustentável dos oceanos?
Os desafios são grandes e de várias naturezas. Desde logo, o principal desafio é de natureza diplomática no quadro do que são os processos negociais na Comissão dos Limites [da Plataforma Continental] das Nações Unidas.
Em 2009, Portugal apresentou a sua proposta, aprofundada em dados científicos que foram recolhidos durante vários anos por uma organização criada para esse efeito. Desde então, tem vindo a discutir esses processos nas Nações Unidas e a aperfeiçoar a sua proposta, que estará em análise para decisão na Comissão dos Limites da Plataforma Continental das Nações Unidas.
É um desafio político, ao qual estão associados desafios económicos, porque todos estes movimentos que os estados costeiros fazem para reivindicar espaços marítimos têm subjacente o interesse económico que existe nos recursos que estão no fundo do mar. São recursos minerais de extrema mais-valia. Por exemplo, o cobre é escasso à superfície, mas é abundante no fundo do mar.
Os países podem ter acesso a esses minérios, ao acederem aos espaços onde vão exercer jurisdição, da forma que está estabelecida na convenção das Nações Unidas.
Vou partilhar com as pessoas as minhas reflexões sobre os desafios económicos, políticos, ambientais e culturais que este processo da extensão da plataforma continental vai colocar ao país e, evidentemente, que tem uma incidência particular na Região Autónoma dos Açores devido à sua configuração geográfica que permite que Portugal estenda a sua soberania sobre o fundo do mar numa extensão de muitos milhões de quilómetros quadrados. É esta posição geográfica, esta valia estratégica que os Açores têm e que proporcionam a Portugal esse benefício extraordinário da extensão da plataforma continental.
Quais são os próximos passos necessários para concretizar efectivamente a estratégia da apropriação dos oceanos na Região?
Os passos que estão a ser dados são os que estão estabelecidos e são iguais para todos os países. Portugal apresentou a sua proposta na Comissão de Limites, que está a ser analisada. O país tem sido questionado sobre determinados aspectos técnicos e tem apresentado as suas justificações.
Esta é uma questão eminentemente técnica, neste momento até que a Comissão se pronuncie sobre a proposta de reivindicação que Portugal e outros países apresentaram sobre esses espaços.
Que perspectiva tem da gestão partilhada do mar dos Açores pelos Governos da República e Regional?
Na gestão partilhada, há aspectos da soberania que são uma responsabilidade do Estado e há os aspectos de natureza económica que têm projecção evidentemente regional. Mas sobre isso não me quero pronunciar, porque não tenho interesse nestas questões. Relativamente às questões que têm a ver com a soberania e a garantia que os portugueses têm acesso a esses recursos, é sobre isso que eu vou falar. Sobre o grande desafio que se coloca ao país de garantir que, ao abrigo das convenções das Nações Unidas, os portugueses e Portugal possam ter acesso a recursos valiosíssimos que se encontram na extensão da plataforma continental portuguesa, onde os Açores pela sua posição geográfica e configuração geomorfológica do território do fundo têm, evidentemente, a possibilidade de aceder a recursos muito importantes.
Quais são as suas perspectivas para o futuro do desenvolvimento da economia do mar nos Açores?
São muito positivas. O mar tem oportunidades absolutamente cruciais para o desenvolvimento do país. Os resultados das investigações feitas no fundo do mar dos Açores permitem-nos ter perspectivas muito relevantes e auspiciosas sobre as possibilidades desses recursos contribuírem para o desenvolvimento não só regional, mas também do país como um todo. Isto coloca desafios extremamente relevantes.
Temos utilizado o mar de uma forma geral. A humanidade tem usado o mar com duas finalidades fundamentais: uma de navegação, de transporte de pessoas e bens e a outra tem a ver com a captação de recursos vivos. Aquilo que a extensão da plataforma continental vai proporcionar é a extracção de recursos inertes, que estão no fundo do mar. Este objectivo lança um desafio científico fundamental, que é ter capacidade para saber o que existe no fundo do mar. Este é o primeiro ponto. O segundo tem a ver com a capacidade de aceder a esses recursos e isto exige tecnologias que o país precisa de desenvolver.
Esses recursos estão a grandes profundidades e é preciso que haja capacidades para ter acesso e extrair esses recursos, preservando a qualidade do ambiente. Depois, é preciso ter capacidade para transformar esses recursos e integrá-los na economia. Do ponto de vista científico, económico e tecnológico, há desafios fundamentais a que o país tem de responder.
Há, ainda, um quarto desafio, que é o da autoridade do Estado para que esses recursos sejam extraídos por quem o pode fazer e dentro daquilo que são os parâmetros da exploração, respeitando normas ambientais rigorosas para que não se perturbem os ecossistemas marinhos. Há um conjunto de desafios multidiversificados para os quais o país tem que se preparar de forma muito determinada, desenvolvendo capacidades para que as gerações futuras possam usufruir desses recursos que existem no mar.
A solidariedade das Forças Armadas
e dos Açores em África…
Esteve envolvido em diversas campanhas de solidariedade nos Açores. Quais foram as principais iniciativas em que participou na Região?
Durante o período em que fui Chefe de Estado-Maior das Forças Armadas, os Açores e os açorianos mostraram uma enorme solidariedade com outros povos onde fizemos algumas acções de solidariedade. As Forças Armadas portuguesas e, de uma forma geral, as Forças Armadas da NATO, quando estão em operações noutros países, fazem acções de cooperação civil militar. Esta é uma tradição muito vincada nas nossas Forças Armadas e nós, em países de língua portuguesa, mas também na República Centro Africana, fizemos acções de cooperação civil militar onde os nossos militares interagiram com os civis, contribuindo um pouco para o seu bem-estar. Foi neste aspecto que a sociedade açoriana teve um papel relevantíssimo.
Tivemos o apoio do Governo Regional mas, também, o envolvimento do Comando Operacional dos Açores, com contributos de algumas pessoas da sociedade civil, nomeadamente da D. Mónica Silva que foi, em São Miguel, a mobilizadora de muitas instituições e até de particulares que ofereceram às Forças Armadas um conjunto diversificado de bens, desde logo livros.
Os Açores permitiram que as Forças Armadas portuguesas transportassem e oferecessem às escolas primárias da Guiné-Bissau cerca de 80 toneladas de livros até ao 6º ano de escolaridade. Isto só foi possível devido à generosidade e ao apoio que tivemos.
O Governo Regional também nos apoiou bastante no transporte desse material. Lembro-me de iniciativas que foram feitas em algumas escolas de ensino básico e secundário de São Miguel, onde até participou o Sr. Presidente do Governo Regional.
Houve um envolvimento da sociedade civil e dos responsáveis políticos do Açores para apoiarem as Forças Armadas na sua acção de obter recursos que permitissem realizar essas missões de cooperação civil militar na África Lusófona, nomeadamente em São Tomé e na Guiné-Bissau, e também na República Centro Africana para onde foram transportados vários equipamentos de natureza desportiva, de apoio hospitalar, muito material para as crianças, ou seja, um conjunto de bens que permitiram proporcionar um pouco de mais bem-estar às crianças e aos jovens dos países africanos onde as Forças Armadas portuguesas realizavam operações.
Confirma-se que os açorianos são um povo solidário…
Os açorianos são um povo extraordinário que se distingue por essa solidariedade que resulta das suas circunstâncias de vida porque sujeitos às tempestades que assolam o território, sujeitos aos tremores de terra que são frequentes e, por vezes, causam destruições importantes. Os açorianos, fruto do seu modo de vida, desenvolveram características de solidariedade ímpares. Tivemos contributos de todo o território nacional mas, de facto, tivemos um contributo solidário dos Açores que se distinguiu fruto dessas circunstâncias que serão, por ventura, justificadas pela enorme solidariedade que os açorianos sentem pelo próximo.
Como encara esta distinção de membro honorário da Associação para o Desenvolvimento e Formação do Mar dos Açores?
É uma grande honra. Tive, durante o cargo de Chefe de Estado-Maior das Forças Armadas um relacionamento extraordinário com os Açores e com os açorianos. E esta é uma prova de que as pessoas, sobretudo as ligadas ao mar dos Açores, revelam estima e consideração pelo que eu fiz e têm esperança de que, fruto daquilo que são as competências profissionais e académicas que fui agregando ao longo da minha carreira, possa contribuir para as finalidades dessa associação. Pretendo corresponder a essa honrosa distinção com a minha disponibilidade para colaborar naquilo que são os propósitos da Escola do Mar nos Açores, onde eu posso disponibilizar um conjunto de saberes que fui adquirindo ao longo da minha vida e que podem contribuir para a formação das pessoas que nos Açores usam o mar.
Carlota Pimentel