No final de um ano de mudança para o sector da construção civil, Alexandra Bragança, Presidente da AICOPA, salienta o impacto positivo resultante do aumento do investimento público na construção civil em 2023. No entanto, apesar do crescimento, afirma que a falta de mão-de-obra persiste. Quanto ao PRR e ao Construir 2030, entende que é necessário incluir as médias e grandes empresas no sistema de incentivos. No que toca à carência habitacional da Região, aponta a necessidade de um levantamento sistematizado, concelho a concelho.
Correio dos Açores- Em relação ao sector da construção civil, que balanço faz de 2023 e quais são as perspectivas para 2024?
Alexandra Bragança (Presidente da Associação dos Industriais de Construção Civil e Obras Públicas dos Açores-AICOPA)- O balanço que o sector faz deste ano, que está quase a terminar, é muito interessante. Podemos dizer que 2023 foi um ano muito diferente dos outros que estávamos a viver até ao final do ano anterior. Este foi um ano em que se viu que o investimento público acelerou de uma forma bastante acentuada, o que permitiu aos empreiteiros não só compensar o decréscimo e o abrandamento do investimento privado, que se fez sentir este ano, como também preparar a carteira de obras para o futuro, nomeadamente para o ano de 2024.
Foi um ano fortemente intensivo em termos do lançamento de processos concursais de contratação pública, o que permitiu aos empreiteiros fazer a sua carteira de obras para o ano 2023 e, ainda, preparar o ano de 2024.
Como evoluiu a construção civil ao longo deste ano?
Em relação ao consumo de cimento, se compararmos dados de Outubro, que são os últimos de que disponho, não podemos dizer que tenha havido qualquer alteração. A diferença não chega a 1%, no sentido positivo, em termos de consumo dessa importante matéria-prima para o sector, em relação a Outubro do ano anterior.
Por outro lado, o investimento privado decresceu fortemente. Verifica-se ao nível das licenças camarárias para construção particular um decréscimo de quase 7%, por referência ao mês de Setembro.
No entanto, o número de trabalhadores aumentou consideravelmente face ao ano anterior. Em Setembro do ano anterior, estávamos com 8.300 trabalhadores e este ano, face ao mesmo período, já estamos com 9.700, o que significa um aumento de quase 17%.
Ainda assim o problema da falta de mão-de-obra persiste…
A falta de mão-de-obra veio fazer com que muitas das obras, poderiam ter ainda avançado este ano, não avançassem porque não existe mão-de-obra. As empresas não têm capacidade para dar resposta a todos os serviços que têm tido. Verificou-se também algum constrangimento nos prazos de término das obras em curso.
No entanto, o grande constrangimento verificou-se ao nível de obras particulares que poderiam ter tido um ritmo mais acelerado e cujo calendário do plano de trabalho não foi cumprido. Tem havido uns ajustamentos com os donos de obra, precisamente porque não existe capacidade de imprimir uma maior celeridade na execução dos trabalhos.
No fundo, estes foram os constrangimentos. Mais mão-de-obra houvesse, mais obras teriam sido iniciadas, o que teria sido bom para todos, tanto investidores como empresas de construção, mas infelizmente a conjuntura a este nível não permitiu.
Qual será o impacto do PRR e do Construir 2030 na construção civil? Na sua opinião, justifica-se alocar montantes mais substanciais para o sector?
O sector foi contemplado no sistema de incentivos ao nível das pequenas empresas, não das médias e grandes empresas. Essas empresas estão igualmente a defrontar-se com problemas ao nível do financiamento da sua actividade. Seria importante que estas empresas pudessem contar com a ajuda do sistema de incentivos, para que conseguissem investir no negócio, nos equipamentos e nos recursos que têm neste momento disponíveis, até porque o desafio da transição digital e energética a isso vai obrigar. As empresas devem ter noção de que têm de procurar recursos mais eficientes, mais amigos do ambiente, que tenham menos pegada ecológica e que sejam mais sustentáveis. Estas são as palavras que estão na ordem do dia em todos os sectores de actividade e o sector da construção civil não é alheio a isso, nem vai conseguir fugir.
Efectivamente, as empresas estavam a contar com uma aposta de um novo Construir 2030 para fazer esse investimento. De facto, não é mau as empresas pequenas terem sido contempladas, mas esperamos que o Governo Regional esteja atento a esta possibilidade e que haja uma possibilidade de redenção do próprio sistema, até porque não sabemos se as empresas de pequena dimensão terão capacidade para investir e usufruir deste sistema de incentivos. Teria sido muito útil que as grandes tivessem sido contempladas.
Considera que ainda será possível incluir as médias e grandes empresas no sistema de incentivos?
Foi-me dito pelo Sr. Secretário Regional das Finanças que sim. A questão é ver como é que o sistema se vai desenrolar, qual a capacidade de candidaturas que vão surgir e face às análises que, entretanto, forem feitas, poder-se-á fazer uma revisão do sistema para contemplar as grandes empresas. Estamos a contar que, de facto, estas empresas sejam enquadradas no futuro neste 2030.
Que medidas devem ser tomadas para fazer face à carência de habitação nos Açores?
Em primeiro lugar, é preciso saber quantas habitações e de que tipologia são necessárias nos Açores. Parece-me que ainda não está feito o levantamento desta forma sistemática. Todos nós sabemos que existe carência de habitação, é um facto. Mas, em que medida, em que concelhos e de que tipologias? Isso é que é muito importante apurar. Ou seja, perceber, concelho a concelho, que tipologias de casas é que estamos a precisar e prever também a médio prazo para, posteriormente, se fazer uma aposta, de modo a satisfazer as reais necessidades do mercado.
Depois do levantamento efectuado, resta pôr mãos-à-obra e construir, e reabilitar as existentes que tenham capacidade para serem adaptadas às verdadeiras necessidades do mercado. Sabemos que há uma grande aposta do PRR na habitação. Vamos ver se todas as necessidades vão conseguir ser colmatadas e se as empresas terão capacidade de resposta no mercado nestes dois anos que se avizinham. Embora seja difícil, com toda a certeza, não considero que seja impossível. É preciso que esses procedimentos sejam agilizados e que as coisas corram agora de forma polida.
Até ao momento, o Governo só tinha de se preocupar em resolver problemas administrativos e burocráticos que se prendiam com alguns imóveis devolutos que existiam na Região e que era necessário resolver antes de lançar a concurso a obra pública.
Agora que estamos a entrar a velocidade cruzeiro, deparamo-nos com a crise política, a nível nacional e regional, o que vai atrasar, embora o poder político tenha tendência em dizer que os investimentos do PRR não serão afectados com esta situação.
Porém, sabemos que a transição de um Governo implica sempre algum abrandamento. Algumas decisões que têm de ser tomadas e que não serão enquanto o novo Governo não tomar posse e isto atrasa todos os procedimentos. Apesar de ser normal e de sabermos que acontece, não vem muito a calhar nesta altura, em que de facto bastava pôr o pé no acelerador e avançar rapidamente, para que se consiga cumprir o calendário e o investimento que está previsto no PRR.
Veremos se estes constrangimentos conseguem ser ultrapassados, para que não haja constrangimento na execução do PRR, ao nível da habitação. A esperança é sempre a última a morrer. Ainda nada está perdido. Tudo vai depender da forma como o processo de transição decorrer.
Carlota Pimentel