“Porque é que tenho de sair da ilha para ver a ilha ou sair da ilha para a ilha me ver?”. É com esta dicotomia que Hugo Freitas questiona a falta de oportunidades na Região para aqueles que querem seguir a área de maquilhagem. Com coragem e apoio por parte dos seus familiares e amigos mais próximos, Hugo decidiu abandonar o conforto do lar para seguir o sonho. No próximo ano, vai trabalhar com a actriz Mariana Monteiro. Pelas suas mãos já passaram nomes conhecidos da televisão nacional como Manuel Luís Goucha, a actriz Melânia Gomes, a actriz Filipa Nascimento e Marisa, a voz dos The Code. Nesta sua primeira entrevista, conta o seu percurso como educador e fala sobre o que teve que enfrentar ao seguir a rota para o sucesso.
Correio dos Açores – Pode dizer qual foi o seu percurso até ao dia de hoje?
Hugo Freitas (Maquilhador profissional) – É um longo percurso. Desde pequeno que sempre fui uma criança diferente das demais. Sempre estive mais interessado na parte artística das brincadeiras. Não gostava muito de jogar à bola. Gostava mais de representar, e dinamizar situações e brincadeiras. A parte artística sempre foi algo que sobressaiu em mim. Fiz parte de grupos de teatro e de grupos corais. Fiz, ainda, parte da Tuna Masculina da Universidade dos Açores e da ‘Ciência Divertida’.
Na escola tive um percurso normal e fui um bom aluno. Tirei a licenciatura em Educação Básica porque era uma das referências na minha vida. O meu irmão mais velho é professor e decidi que este era o caminho que queria seguir. A par da universidade, comecei a maquilhar e a pentear pessoas de forma amadora. Primeiramente, maquilhava as minhas colegas da universidade e as minhas vizinhas, ou seja, pessoas que me eram próximas.
Recordo-me que sempre tive este gosto desde criança. Lembro-me, por exemplo, de fazer tranças no cabelo das auxiliares da escola onde a minha mãe trabalhava. Nesta altura não passava de um passatempo, uma brincadeira que eu gostava e que normalmente fazia ao fim-de-semana. Nunca pensei que pudesse ser algo sério. As pessoas, ao início, diziam que eu tinha jeito e que gostavam das maquilhagens e dos penteados que eu lhes fazia.
Quando comecei a leccionar num colégio privado em São Miguel, depois de ter tirado o mestrado em Educação, apercebi-me que o meu gosto pela maquilhagem e cabelo começava a ser maior do que o gosto de leccionar. Era algo que eu adorava fazer e que fazia de uma forma natural, mas nunca pensei que fosse algo para o meu futuro. Não somos, efectivamente, educados para seguir estes caminhos, mas para seguir um caminho seguro.
A mudança na minha vida aconteceu na pandemia, altura em que comecei a lançar alguns projectos nas redes sociais. Antes, não tinha redes sociais. Passei do “8 ao 80”, se queria que isto se transformasse em algo mais do que um passatempo. Foi nesta altura que fiz o ‘Rise & Shine’ e comecei a ganhar algum “à vontade”, que não tinha antes, para falar diante de uma câmara.
O ‘Rise & Shine’ foi o seu primeiro projecto. Como escolheu quem iria participar?
Este projecto foi criado com duas finalidades: mostrar o meu trabalho e de onde venho. É uma mistura de beleza natural e de beleza física da pessoa que está presente. Acima de tudo, o mais importante, para mim, é a pessoa, em detrimento do objectivo final. Se conseguir transmitir a sua história, tanto melhor. O meu objectivo não é deixar a pessoa extremamente transformada, mas sim tornar a beleza ainda maior e se conseguir criar uma conexão com quem estou a cuidar, ainda melhor.
A minha primeira convidada neste projecto, em plena pandemia, foi uma colega que era enfermeira. Queria transmitir a história pela qual ela estava a passar, numa altura complicada, bem como poder proporcionar-lhe uma experiência mais profissional. Era importante transmitir ao público a história de quem estava na linha da frente. A partir daí, comecei a pensar nas histórias seguintes e que partes da ilha iria mostrar a seguir. Preparava as coisas por videochamada com os meus melhores amigos, que sempre me deram apoio.
O objectivo final do projecto, que felizmente conseguimos fazer, era conhecer mais a pessoa e não apenas mostrar um ‘videoclipe’ da mesma. Conseguimos chegar a este caminho, que foi sendo trilhado paulatinamente, passo a passo, sem nunca nos apressarmos. Além disso, conseguimos ter alguma notoriedade junto das pessoas, o que é algo sempre bom.
“Havia a dúvida de trocar
o certo pelo incerto”
Já sofreu de preconceito?
Partindo do princípio que a opinião dos outros não me vai definir, não diria que tenha sofrido de preconceito. Talvez nas redes sociais, de pessoas que seguem a minha página e que comentam os meus vídeos.
Havia sobretudo a dúvida, mesmo na minha casa, se este seria o melhor caminho a seguir. Se deveria trocar um trabalho, onde estava bem e efectivo, e mudar completamente a minha vida. Estava a trocar o seguro pelo inseguro e incerto. Com os meus pais, teve que ser passo a passo. Embora já maquilhasse e fizesse penteados como passatempo, ia passar a ser mais frequente. No entanto, como já era algo que ia fazendo, ajudou a que não houvesse grande surpresa por parte das pessoas. Nunca existiu preconceito de quem me é próximo, pelo menos, nunca o senti assim directamente.
O preconceito vem mais do facto de verem um homem a maquilhar-se ou a arranjar o seu cabelo. Parece que o cuidado do homem é negligenciado. Felizmente não o senti muito, mas sei que é um caminho que tem que se desbravar por São Miguel.
Tenciona desenvolver mais algum projecto, além do ‘Rise & Shine’?
Na ilha tenho, além do ‘Rise & Shine’, o ‘Amanha-te Comigo’ e gostava de ter mais, apesar de ser muito difícil.
Fazer algo diferente, no meio de uma mentalidade que ainda está por crescer, não é fácil. Senti sempre que não tinha espaço e, por isso, decidi criar o meu próprio espaço e a minha oportunidade. Investi nos meus projectos. Nunca tive ninguém que me abordasse no sentido de investir e criar um projecto. Gostava de continuar a produzir conteúdo e a criar projectos desta dimensão e com essas características. Quero, essencialmente, mostrar histórias de pessoas, no entanto, não sei se será em São Miguel ou em Lisboa.
Os projectos envolviam lojas de roupa, outros colegas de maquilhagem, equipa de vídeo e acaba-se por dar protagonismo a essas pessoas. O projecto não se desenvolve só comigo, é importante também dar visibilidade a toda a equipa que me ajuda nos projectos. Todas as lojas contactadas e todas as pessoas envolvidas são locais. O meu objectivo era dinamizar o que é regional, uma vez que um dos objectivos era mostrar a ilha e de onde venho. É importante dar protagonismo a todas essas pessoas que têm vontade de fazer coisas diferentes mas que não têm palco, oportunidade e dinheiro para isso. Na altura, sendo professor, faltava-me um pouco essa parte artística e tive que criar eu mesmo os meus projectos. Apresentei os meus projectos a alguns sítios e não obtive um feedback positivo, pelo decidi criar e financiar os meus projectos mesmo sem ajuda. Trabalhava quase apenas com a finalidade de poder financiar os meus projectos. Senti que estava mais feliz com a ideia de sair para Lisboa e seguir o sonho do que ficar nos Açores.
Muda-se para Lisboa devido à falta de oportunidades que existem na sua área?
Durante a época da Covid leccionava à distância e é por esta altura que decido mudar de área profissional. Foi através de uma conversa com uma pessoa muito próxima que se deu o clique que eu precisava. Esta pessoa perguntou-me se eu, apesar do gosto que tinha, iria ser amador para sempre e se iria ser ‘apenas’ o Hugo que tem jeito. Foi no dia a seguir a esta conversa que eu decidi marcar passagens e inscrever-me em cursos de maquilhagem em Lisboa porque, infelizmente, cá não existem essas formações.
“Não é fácil seguirmos
os nossos sonhos…”
A sua adaptação a Lisboa foi difícil?
Na parte inicial nem tanto. Quando tirei a primeira formação ainda estava a dar aulas. Então, eu só ia a Lisboa ao fim-de-semana que era a altura da formação. Durante a semana estava em São Miguel a dar aulas. Isso aconteceu durante 5 meses. Claro que isto implicou um custo elevado, especialmente em pleno Covid, com todas as particularidades que existiam para viajar, mas nada disso me demoveu.
Decidi mudar-me, efectivamente, para Lisboa quando, depois de tirar o curso de maquilhagem, começaram a surgir as primeiras oportunidades e apercebo-me de que em Lisboa tenho espaço para começar. Ainda estive durante algum tempo como freelancer na ilha, mas depois decidi tirar outro curso, este mais intensivo, de uma semana, com os melhores maquilhadores do país.
Depois de ter tirado dois cursos de maquilhagem, decidi tirar um de cabeleireiro e entrei na Academia de Cabelos. Como era diurno, tive que viver em Lisboa. Nessa altura, a adaptação já foi mais difícil. Às vezes, as pessoas pensam que, por estarmos a seguir os nossos sonhos, é tudo muito fácil, mas não é assim. Vinha de um lugar onde toda a gente se conhece, onde as pessoas têm outra amabilidade e onde tinha a minha família e amigos. E, de repente, estou sozinho, num local novo. Acima de tudo sabia que tinha sido a minha escolha. E fui com a convicção de que tinha que dar certo.
Foi muito difícil gerir a saudade dos amigos e da família. Muitas vezes, chorei com a distância e com a saudade. Foi uma vida nova para mim.
Como passou de amador para profissional?
As coisas foram acontecendo de forma natural, através de pessoas que vamos conhecendo no nosso percurso. Foi a formação que tive com os grandes maquilhadores de Portugal que me permitiu estabelecer contactos. Apercebi-me que, nesta área, as pessoas estão abertas a dar oportunidades a outras pessoas. Comecei por fazer algumas galas, como a da TVI. A primeira pessoa que maquilhei e que é famosa foi o Manuel Luís Goucha.
Tinha receio que corresse mal, porque há sempre esse risco, especialmente quando maquilhamos famosos. Pode-se passar de bestial a besta num instante. É algo que pode ditar o sucesso ou o fracasso.
Foi uma forma também de obter algum reconhecimento pelo meu talento e trabalho. Ainda fico surpreso com a dimensão de alguns trabalhos que me surgem. A partir daí é uma bola de neve e as oportunidades vão surgindo.
Em que eventos ou campanhas já maquilhou pessoas?
Fiz uma publicidade para a ActivoBank como assistente. Tanto se pode ser o maquilhador principal como o assistente. Trabalhei para alguns programas de televisão como a Gala dos Sonhos, a Gala da TVI, os Globos de Ouro e a Moda Lisboa. Agora estou, passo a passo, a entrar nesta área de ‘glam de famosos’. Espero que as coisas possam tomar o rumo que desejo.
Já tem algo em vista para o futuro que nos possa revelar?
A partir do próximo ano vou deixar o salão onde estou a trabalhar. Comecei a perceber que, como freelancer, consigo aceitar muito mais trabalho. Este ano recusei muitos trabalhos porque estava a trabalhar. Vou investir na maquilhagem e no cabelo a 100% como freelancer. Estando mais disponível, acredito que irão surgir mais oportunidades. A partir do próximo ano, vou tratar da maquilhagem da Mariana Monteiro e também vou maquilhar noivas.
Para o ano sei que as coisas vão correr bem. É, mais uma vez, trocar o seguro pelo inseguro.
Que sonhos ainda lhe faltam concretizar?
O meu grande objectivo final é voltar para São Miguel e abrir um espaço meu que seja transversal à formação, ao cabelo e estúdio de maquilhagem. E nunca vou deixar de ser professor. Tenho muita vontade de ensinar. Já o vou fazendo com workshops e masterclasses. Sinto que a ilha precisa deste impulso e de um espaço desses. Tive que sair da minha ilha para procurar formação. Porque não haveremos de ter esta formação na Região ou termos um espaço que seja certificado e do mesmo nível que os restantes? Porque é que tenho de sair da ilha para ver a ilha ou sair da ilha para a ilha me ver?
Quero adquirir experiência para poder, depois, proporcionar às pessoas que querem seguir esta área a oportunidade de terem uma formação sem terem que sair, como eu. Esta experiência não se adquire de um dia para o outro, pelo que sei que ainda vai demorar algum tempo.
Frederico Figueiredo