O montanhista Manuel Goulart foi o primeiro açoriano a subir a montanha Himlung Himal a 7.135 metros de altitude, no Nepal, e o terceiro português a alcançar tal proeza. Nascido no Pico, desde os 11 anos que Manuel sobe à montanha do Pico, contando já quase 500 subidas ao ponto mais alto de Portugal. É guia da montanha há sete. A sua ambição é “levar os Açores aos picos do mundo.” Já subiu a montanha Toubkal, com 4.167m, a Kilimanjaro, com 5.895, e este Novembro a Himlung Himal, com 7.135m. Em 2024 desafiou-se a vai subir a 8.º montanha mais alta do mundo: o Manaslau, com 8.156m de altitude.
Subir uma montanha com milhares de metros de altitude nunca foi uma proeza impossível para o montanhista e guia açoriano Manuel Goulart. “Não sou colecionador de subidas, sou colecionador de experiências. Acho que isso é mais importante,” deixa claro, mas a verdade é que já subiu a montanha do Pico 493 vezes, e foi o primeiro açoriano (e terceiro português) a chegar ao cume do Himlung Himal, com 7.135 metros de altitude, no Nepal.
Há dois anos subiu o pico Jbel Toubkal, em Marrocos, com 4.167m. No ano passado, o Kilimanjaro, na Tanzânia, com 5.895m. Em 2024, o objectivo é a colossal Manaslu, com 8.156m, a oitava maior montanha do mundo. “Tento sempre superar o desafio do ano anterior e ir um pouco mais alto todos os anos. Normalmente quem gosta de subir montanhas procura sempre um desafio cada vez maior,” conta Manuel Goulart, guia da montanha do Pico há sete anos.
O picoense começou a subir a montanha açoriana com apenas 11 anos, inspirado pelo pai e avô que já tinham um gosto pelo montanhismo. “Esta paixão por subir montanhas já vem desde muito cedo. Comecei a subir a montanha do Pico aos 11 anos. Comecei a subir montanhas mais altas, em 2020, em Marrocos. Tive sempre este interesse em conhecer o mundo e as montanhas e levar sempre a bandeira açoriana. É levar um pouco de todos os açorianos comigo.” A sua maior ambição é “levar os Açores aos picos do mundo.”
A viagem e subida ao Himlung Himal aconteceu no passado mês de Novembro, durante 15 dias, apesar de a média ser de 27: “Levamos 15 dias a subir ao Himlung. Eram para ser 27, mas conseguimos encurtar para menos dias, com algum esforço.”
A montanha, localizada na cordilheira dos Himalaias, entre o Manaslu e o Annapurna, foi recentemente aberto ao público. A experiência leva a vilas remotas até a fronteira com o Tibete. É uma região pouco explorada pelo turismo onde ainda são preservadas as tradições e costumes tradicionais do Nepal.
“A montanha do Pico é um bom
treino para subir outras montanhas”
Para subir tantos metros de altitude, é preciso alguma preparação física, mas a montanha do Pico, com 2.351m foi um bom campo de treino para Manuel Goulart. “Preparei-me fisicamente. Aqui a montanha do Pico é um bom treino para subir outras montanhas. Também faço corrida, ginásio, muita resistência. Também estudo um pouco a montanha, para saber para onde vou e as dificuldades que posso encontrar.”
Apesar de não ser obrigatório, apenas fortemente recomendado, o açoriano recorreu a um guia. Até certa altitude, contou com uma equipa de quatro pessoas, conta: “Foram mais quatro pessoas: um guia da montanha, um guia assistente, um cozinheiro e um ajudante de cozinheiro. Eles ficam alojados num acampamento na montanha, que fica a 4.800 metros. Lá preparam as refeições, chás, mas a partir daí, quando começamos a subir para os 5.000m, já só vou eu e o guia. É aqui que se torna mais desafiante, porque também envolve escalada em gelo, cordas, piolets. Há muita neve, muito frio, e temperaturas a 17 graus negativos.”
O montanhista picoense comprovou que ter prudência foi uma boa escolha, porque na subida encontrou “algumas pessoas que estavam sem guia e depois desistiam a um dia do topo, e começavam a descer, porque já não conseguiam subir sozinhas. É sempre importante levar um guia para estas experiências.”
Subir esta montanha foi um tanto mais desafiante do que subir o Pico, não só pela sua altitude, mas também pela sua dificuldade. Foi preciso fazer escalada, nomeadamente em gelo, tendo sido a primeira experiência de Manuel, e um dos desafios nesta viagem, lembra: “Já tinha feito escalada, mas não em gelo. Acabou por ser divertido, e desafiante também.”
À medida que se sobre, a vegetação torna-se inexistente e a vida animal, aparentemente também, mas no acampamento três, o grupo do açoriano encontrou pegadas de lince do Himalaias, um animal que vive nas montanhas geladas, conta o montanhista.
Das suas viagens, o montanhista açoriano traz consigo para o Pico as histórias e as pessoas que conheceu. Para Manuel Goulart, Himlung Himal “é uma montanha muito interessante, no que toca à cultura e a tradição das pessoas. A forma como vivem e fazem as coisas é muito diferente do que já tinha visto antes. Torna a experiencia cada vez mais agradável. As pessoas são muito humildes, trabalhadoras, simpáticas também. A maior parte das pessoas vive a partir dos 3.000m e vão até aos 4.500. Onde fiquei, até antes do acampamento 4, ficamos em aldeias, que são compostas por famílias. As aldeias têm pequenos hostels com quartos, e fazem as refeições para os hóspedes e as pessoas que vão continuar a subir a montanha. Há crianças a viver a 4.000m., já lhes vem no sangue. Viver a esta altitude é diferente.”
Ao alcançar o cume “sentimo-nos no topo do mundo”
A tantos metros de altitude, o ambiente é fica cada vez mais inóspito, e a subida não é linear, obrigando os montanhistas, por vezes, a descer novamente, para o corpo se acostumar às características das altas altitudes. “Há dias que é quase a mesma coisa. Há dias em que temos de subir e no outro dia temos de retomar ao ponto de partida. Há quatro acampamentos. Começamos no acampamento base, e vamos para o um. Depois no outro dia temos de retomar ao acampamento base. No dia a seguir vamos para o dois. Vamos em escada, para cima e para baixo, para o corpo se acostumar à falta de oxigénio.”
Não admira que ao alcançar o topo da montanha a sensação seja de grande satisfação. “Depois de 14 dias a subir foi muito gratificante. Sentimo-nos no topo do mundo. Olhamos para as outras montanhas à nossa volta. A cordilheira dos Himalaias tem centenas de montanhas. É uma experiência que fica para o resto da vida,” sente Manuel Goulart, sobre quando alcançou o derradeiro objectivo.
Mas a permanência no topo a 7.135m é breve, e é preciso descer, pelo menos, umas centenas de metros. “ Não podemos ficar muito tempo. Não. É questão de tirar uma foto e começamos a descida. Nem podemos tirar as luvas. Há tanto vento que se tirássemos as luvas corríamos o perigo de sofrer uma frostbite, e de os dedos começaram a congelar. Chegamos ao topo e o guia recomendou descermos 300 metros para uma zona mais abrigada e aí tiramos as fotos e ficamos lá um pouco.” Seguiu-se a descida, que levou cerca de um dia, perfazendo 15 dias de aventura. Em 2024, segue-se a oitava montanha mais alta do mundo: o Manaslu, a 8.156m, também localizada na cordilheira dos Himalaias.
Manuel Goulart já levou ao topo do Pico crianças de 6 anos e um sénior de 80
Entretanto, o montanhista já regressou à sua ilha e retomou o seu trabalho como guia da montanha que desenvolve na sua empresa PicoMEup (realiza subidas diurnas, nocturnas e pernoitas, bem como voltas à ilha.) Manuel apela a todas as pessoas que ainda não subiram o Pico ou que estão para subir: “: não deixem para a última da hora e não deixem passar os anos. Aproveitem agora. Devemos subir montanhas e fazer actividades ao ar livre.”
Para o guia, é cada vez mais importante incluir as crianças em actividades ao ar livre, porque “estão a ficar cada vez mais agarradas ao telemóvel, às redes sociais. No outro dia subi com um casal de portugueses com cinco filhos. Tinham duas meninas de seis anos. Passaram lá a noite na montanha do Pico. Quando vejo estas coisas fico feliz, de ver crianças envolvidas nestas actividades. Acho que é muito importante submeter as crianças a esta experiência. As crianças ficam mais dependentes de si próprias e pode ajudá-las no seu futuro.”
Já no caso de pessoas mais velhas ou com dificuldades de locomoção, é também possível subirem a montanha do Pico, com algum esforço e determinação. “Se não fizer em três ou quatro horas faz em cinco. Já fui com um senhor de oitenta anos, mas estava muito bem preparado fisicamente e subiu montanhas toda a sua vida, mas aos 80 anos é de louvar.” O guia recomenda alguma preparação prévia, nomeadamente fazer corrida, treinar a resistência ou até frequentar o ginásio, mas que para subir a montanha é preciso haver força de vontade: “Já tive pessoas que não tinham preparação nenhuma para subir, mas subiram a montanha, com algum esforço e dificuldade. Tinham muita força de vontade de lá chegar. A atitude das pessoas conta muito.”
“A montanha é mais céu do que terra”
Qual é o simbolismo de uma montanha para um montanhista que é apaixonado em subi-las? Para Manuel Goulart “Acho que as pessoas fazem a montanha; a conexão que levamos destas experiências nas montanhas, em ouvir as histórias das pessoas, como acontece comigo, como guia, que levo muitos grupos à montanha do Pico. Conheço pessoas que já passaram por tanto na vida. As pessoas, mesmo sem subir montanhas, sobem outras montanhas na vida mais altas do que qualquer outra. Então é sempre gratificante conhecer as outras pessoas e as suas histórias. Em grupo, há aquela conexão entre todos, de entreajuda.”
“Também é um desafio pessoal. A montanha do Pico é a minha zona de conforto, por isso tento sempre procurar outros confortos e superar-me a mim mesmo. Costumamos dizer que a montanha é mais céu do que terra. Ou seja, estamos mais perto de Deus do que da terra.”
Mariana Rovoredo