Reforma do Estado
A transição de ano é um momento “simbólico” de renovação porque, na realidade, qualquer outro dia pode ser “o primeiro” de uma nova etapa, de um novo tempo. E a história está marcada por tantos “primeiros dias”, como é o caso do dia 25 de abril de 1974, data referência do regime democrático em Portugal e da implementação de uma autonomia democrática nos Açores.
Por isso, o mais importante, quando se fazem desejos para um novo ano, é ter consciência que se forem apenas desejos, nada vai mudar, mas se implicarem atitudes, decisões, escolhas, então sim, podemos esperar transformações, renovações.
O Estado é muito mais que os governos, os quais decidem, orientam e concretizam planos de ação, e são reflexo do país que os escolhe nos atos eleitorais, mas que, também, reivindica e reclama na praça pública, enquanto povo organizado em associações cívicas, sindicatos e movimentos, força motriz da sociedade. Apesar da crise do Estado Providência, o Estado continua a ser o principal garante de um vasto leque de benefícios sociais, que os cidadãos não enjeitam, mas não os impede de exigir melhorias constantes, sobretudo, nos serviços de saúde, na educação, no acesso à habitação, na segurança e outras infraestruturas básicas.
No ano em que se celebra o cinquentésimo aniversário do 25 de Abril é imperioso fazer um balanço destes 50 anos, analisar tudo o que se alcançou e o que ficou por realizar e, ao mesmo tempo, aprofundar a reforma do Estado com enfoque nas áreas mais críticas.
A reforma do Estado não significa a mudança dos políticos responsáveis pela governação, mas a transformação da relação dos cidadãos com o país, a região. Implica uma consciência cívica e a participação nas instituições, no sentido de as tornar eficazes, eficientes e, sobretudo, concretizar os valores que defendem. Temos o direito de reivindicar mais benefícios, por exemplo, para quem é professor, médico, bombeiro ou em qualquer outra área profissional. Mas também temos todos o dever de fazer dessas instituições, a resposta mais adequada às necessidades dos cidadãos; na sala de aula, no gabinete médico, no socorro às populações. Essas pessoas, sejam estudantes ou doentes, carecem de uma resposta de qualidade, querem aprender ou compreender e isso nunca pode ser moeda de troca para justificar as reivindicações dos profissionais: não vou ensinar, enquanto não me pagarem mais! Não vou cuidar dos doentes, enquanto não trabalhar menos horas!
Talvez a grande reforma que falta é sabermos utilizar os fóruns de discussão, as mesas de negociação, as associações profissionais e outros representantes, para que sejam os reais defensores das reivindicações e não falem em nome pessoal, em busca de protagonismo mediático. O Estado somos nós, logo tem de ser uma “pessoa de bem” e deverá ser nesse registo que o diálogo deve acontecer. Entretanto, as instituições têm de cumprir as missões que lhes foram confiadas, seja na educação ou na justiça, na saúde ou na segurança. Não podemos parar e por entre parêntesis o que está a ser feito, sob pena de retrocedermos anos na transformação, nessa “reforma” que tanto desejamos para o Estado.
Assim sendo, as reformas que se revelam necessárias, não são propriamente novidade, mas a sequência do que tem sido estudado, diagnosticado e evidenciado nos últimos anos.
“Mais cuidados de saúde primários”
Na Saúde, e em particular na Região Autónoma dos Açores, é mais do que evidente que urge investir na informatização eficaz dos serviços, promovendo uma interligação, de forma mais operacional, entre diferentes níveis de intervenção, nomeadamente: cuidados de saúde primários e cuidados de saúde diferenciados ou hospitalares, exames auxiliares de diagnóstico, realizadas no setor público ou no privado, quando este coopera em regime de protocolo. Não faz sentido duplicar pedidos de exames, só porque os anteriores foram solicitados no setor privado. É preciso integrar os diferentes agentes da saúde e reduzir o excesso de exames complementares. Ainda no domínio da Saúde regional, a aposta na telemedicina poderia beneficiar das novas tecnologias, que estão para além desse conceito lançado no séc. XX, mas que, certamente, não corresponde ao que poderá ser feito neste tempo. Numa região arquipelágica, um serviço eficiente de acompanhamento por recurso às novas tecnologias de comunicação evitaria demasiadas deslocações de doentes e acompanhantes. Não se trata de minimizar a qualidade do serviço de saúde, mas de utilizar as ferramentas da “telemedicina”, em situações de acompanhamento, consultas de especialidade de rotina, devidamente assessoradas por profissionais.
12 anos na escola deve ser
uma necessidade
e não uma obrigação
Na Educação, é mais do que evidente que temos de apostar na permanência das crianças e jovens no sistema de ensino, pelo menos, até ao limite dos 12 anos de escolaridade, transformando este processo de aprendizagem não numa “escolaridade obrigatória”, mas numa “necessidade”, desejada. A escola é necessária, e está longe de cumprir a sua missão quando apenas ensina a ler, escrever e a contar. Mais do que nunca, é fundamental uma Escola que ensine a pensar, refletir e criticar, a ter opinião e a argumentar. Para isso, a escola tem de ser um lugar de desenvolvimento pessoal, que invista nos talentos das crianças e dos jovens; um tempo de descoberta e de motivação para que, após esses 12 anos de aprendizagem, haja vontade de continuar a procurar mais saberes, mais competências. Precisamos de cidadãos competentes, em muitas áreas, desde os ofícios à investigação, da carpintaria à arquitetura, da canalização à energia verde. Por isso, o ensino profissional não pode ser pensado apenas para fazer “números” nas estatísticas, mas como verdadeiras oportunidades de formação, em áreas vocacionais que não são “menores” ou de “refugo”, mas necessárias ao desenvolvimento económico da Região.
A Cultura é vista muitas vezes como o “parente pobre” das políticas governamentais e, no caso da Região Autónoma dos Açores, os últimos anos tem sido disso exemplo.
Se há sector em que as iniciativas não devem ser dirigistas é na Cultura. As iniciativas devem vir da base para o topo, há que apoiar e incentivar as propostas locais. É fundamental que os artistas locais se sintam acarinhados nos seus projetos, sejam na música, no teatro ou na dança. Uma região que não oferece eventos culturais locais a quem nos visita, está a fazer do turismo um mero consumo de “paisagens” e “gastronomia”, como se as pessoas e a vida cultural da região não existissem. Para além disso, há que apoiar o artesanato genuíno, aquele que utiliza técnicas ancestrais de produção, seja no vime ou na cerâmica, no tear ou no aproveitamento de recursos materiais (escamas, retalhos, pedras…), de forma tradicional ou inovadora, porque há artesãos incríveis que estão a criar novas formas, novos produtos. Temos um passado cultural que retrata a forma como os povoadores se adaptaram a estas ilhas e isso não pode ser esquecido, tem de ser contado, de diferentes formas, na gastronomia como no artesanato, nos trilhos pedestres como nas visitas guiadas.
“Ética” e “Cuidado” na Justiça
Na Justiça, as palavras de ordem são acesso, equidade, celeridade e eficiência, mas também “ética” e “cuidado”. A justiça não se resume a um sistema punitivo, representa a defesa dos direitos de todos os cidadãos, por isso, depende da confiança que nela se deposita. Quando os cidadãos deixam de confiar no sistema judicial, porque os seus processos circulam na praça pública antes mesmo de serem ouvidos; o seu bom-nome é destruído, antes de poderem ser absolvidos; as suas vidas ficam em “stand by” durante meses, o sistema judicial torna-se injusto e, ao invés de promover a equidade, acaba por favorecer quem é “mais esperto”, e conhece “as manhas do sistema” para “não ser apanhado”.
“Valorizar medidas
de combate à pobreza”
No Sector Social, há que fazer a reforma da Lei de Bases da Segurança Social, que data de 2007 e que, na prática, nunca se mexeu, apesar da criação permanente de novos apoios e medidas. É urgente integrar medidas paralelas, cujo propósito é o mesmo, apoiar idosos ou cuidadores informais, crianças portadoras de deficiência ou grávidas de risco. É fundamental definir grandes eixos na área da proteção social e integrar os apoios e as formas de acesso. É também fundamental valorizar as medidas de combate à pobreza, necessárias quando aumentam as dificuldades, nomeadamente o desemprego ou as dificuldades habitacionais. Para tal, importa interligar os serviços da segurança social com os departamentos governamentais ligados à promoção do emprego, da educação e da saúde. Está mais do que provado, que as famílias, em situação de carência, não precisam apenas de apoio monetário ou de alimentos, carecem de uma melhoria integrada no acesso aos meios que as podem autonomizar e permitir uma vida com qualidade.
Na política de impostos, há que concretizar, de forma clara, a justiça contributiva, evitando que aqueles que mais têm, incluindo empresas muito lucrativas, possam “fugir” aos impostos, enquanto o cidadão que vive do seu trabalho, seja o primeiro a contribuir. Para além disso, é fundamental que todos os cidadãos percebam a relevância dos impostos para os benefícios que recebem, sejam na saúde ou nas estradas que percorrem todos os dias. Quando se destrói um bem público, é o dinheiro de nós todos que é desperdiçado. Talvez esteja a faltar esta consciência de que pagar impostos é contribuir para o “bem comum”. Importa criar uma pedagogia em torno da fiscalidade, a exemplo do que há muito se faz nos países nórdicos, por forma a que todos os cidadãos se sintam irmanados no dever coletivo do serviço público.
“Fomentar a responsabilidade
Social das empresas”
Na valorização do sector económico, importa fomentar a responsabilidade social dos empresários e das empresas. Não basta o lucro para fazer avançar uma economia, é fundamental garantir a participação consciente e voluntária dos trabalhadores, numa produção de qualidade, na inovação e na melhor relação com o ambiente e com a comunidade envolvente. Hoje, mais do que nunca, temos de eliminar as empresas “poluidoras”, o abuso de exploração dos recursos naturais, a destruição dos habitats. E isso não passa apenas pelas grandes indústrias, nem é um problema de países altamente tecnológicos. Todos nós, damos conta da poluição das águas, da falta de iniciativas comunitárias por parte das empresas, da ausência de medidas de conciliação entre trabalho e família e o desrespeito pela legislação que protege a parentalidade. Se as empresas não cuidarem dos seus trabalhadores, estarão promovendo a precariedade, a falta de assiduidade, os problemas de saúde mental e, no limite, a sua própria sobrevivência.
Na Investigação temos de potenciar o trabalho que é feito diariamente nas universidades e laboratórios. A investigação não é um entretenimento ou obrigação de docentes ou investigadores, é uma mais valia para uma região que se quer inovadora e procura melhores respostas para os problemas sociais. Mas, não podemos estar a duplicar estudos, só porque as conclusões não agradam. Uma investigação é um processo isento, que parte de factos e análises científicas. Não compete aos investigadores decidir, mas mostrar a realidade estudada. Infelizmente, há quem prefira “fatos à medida” e, quando um relatório não agrada, mandar fazer “um novo estudo”, como se a realidade assim pudesse mudar.
A par da parceria com a Universidade a investigação no sector empresarial privado deve ser acarinhada e apoiada como forma de aumentar a criação de valor nos vários sectores económicos e permitir a autossustentabilidade e independência dos operadores privados regionais.
Participar nas eleições
2024 é ano de eleições, para três parlamentos: Assembleia Legislativa dos Açores, Assembleia da República e Parlamento Europeu.Logo, o povo vai ser chamado a participar, a escolher os seus representantes nestes órgãos de poder legislativo, onde se discutem e se aprovam os diplomas que regem a vida política em sociedade. Não faltam pessoas que dizem “não saber o que fazer” e que, provavelmente não irão às urnas, porque pesa mais a indefinição do que a decisão. Mas isso pode mudar e deve mudar. Para tal, todos os partidos, nas campanhas eleitorais que se avizinham, têm o dever de informar e esclarecer. Mas não nos iludamos, há muito “marketing” no discurso político, ou como é habitual dizer-se muitos “sound bites” que são pensados para entrar no ouvido, mas que apenas entopem as consciências e reduzem a capacidade de pensar e contra-argumentar. Se queremos, realmente, escolher com consciência e tomar uma posição nas próximas eleições, temos de pensar no que queremos para a região, o país e a Europa; quais são os objetivos que queremos atingir e, sobretudo, quais os valores dos quais não abdicamos, porque são princípios que nos orientam na vida, como sejam por exemplo: a defesa da liberdade, a concretização de direitos iguais para homens e mulheres; a justiça social e a promoção do acesso de todos à saúde e educação; a conciliação entre trabalho e família para que pais e mães possam ter vidas de qualidade; o acesso à habitação, própria ou arrendada, sem ultrapassar a capacidade de esforço das famílias. Quando reconhecemos o que, para cada um de nós, é essencial, urgente e fundamental, mais dificilmente aceitamos discursos de ódio que veem o mal apenas nos outros e não revelam o que fariam para combater, por exemplo problemas sociais, como a pobreza ou a baixa natalidade, a violência doméstica ou a toxicodependência juvenil.
Nas eleições escolhemos pessoas que protagonizam projetos de sociedade diversos. E, ao fazê-lo, não podemos depois baixar a guarda e deixar de exigir ações concretas. Portugal é dos países com melhor legislação em muitos domínios, mas falha muitas vezes na sua concretização. Temos de exigir aos políticos, não apenas o balanço financeiro do cumprimento dos orçamentos, mas avaliem publicamente o grau de execução das políticas sociais, educativas, de saúde, entre tantas outras, que foram aprovadas nos parlamentos.
Em tempo de eleições, cada um de nós é uma peça importante na construção da sociedade que desejamos. Não desperdicemos a oportunidade de contribuir para o edifício político, onde nos apetece viver. Será que queremos um poder que recorre ao “autoritarismo”, alimenta a “desconfiança do outro”, promove a “exclusão” e as “desigualdades”? O que queremos para os Açores, Portugal e para a Europa? O que queremos para a comunidade onde residimos e não apenas para nós, enquanto indivíduos?
O que deve ser feito para
pôr termo em 2024 às guerras
em Israel e na Ucrânia?
As guerras são sinónimo de falta de diálogo e entendimento; são manifestações de poder exacerbado, domínio de uns sobre os outros que, conduz a manifestações de prazer e satisfação mórbida, quanto ao número de baixas, como se não fossem pessoas que morrem, famílias que se desfazem em dor, cidades inteiras que deixam de ser viáveis para a vida em sociedade.
Com a invasão Russa da Ucrânia, em 2022, a Europa viu-se confrontada com o maior conflito desde a II Guerra Mundial a que se veio juntar, já em 2023, o reacender do conflito Israel-Palestina, na sequência dos ataques bárbaros do Hamas de 7 de Outubro e que tem levado a uma resposta de Israel que tem impressionado a comunidade internacional pela sua brutalidade.
A utilização de quantidades impressionantes de armamento, cada vez mais sofisticado, alimenta uma indústria de armamento sem escrúpulos podendo levar à envolvência de países e potências vizinhas às zonas de conflito. É urgente parar esta escalada de morte.
Ortega y Gasset considerava a guerra como “uma invenção dos homens para resolverem determinados conflitos”. Nos casos em apreço é urgente que chegue a hora da diplomacia mesmo que por iniciativa de terceiros, países ou entidades não envolvidos diretamente no conflito, mas que consigam sentar à mesa os que decidem mandar matar, não para discutir argumentos de morte, mas retomar as pontas da vida, os direitos das pessoas à dignidade, a sobrevivência, a identidade dos povos cuja história não se apaga, mas que parece estar a ser interrompida.
Há relatos de outras guerras, noutros séculos, onde se matou em nome de Deus e se aniquilaram comunidades, culturas, hoje recordadas em museus temáticos. Aparentemente, o que alimenta estas guerras, para além das armas e dos soldados, é o ódio, o desprezo e a ânsia de dominar o outro. Se queremos parar a guerra, importa abandonar esses sentimentos e olhar nos olhos as pessoas e dialogar com base nos direitos humanos e no respeito pela dignidade e pela história dos povos.