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Teresa Borges Tiago, docente da Universidade dos Açores: “Temos de procurar investir na diminuição da dependência das importações e aumento da autonomia energética e alimentar da Região”

Correio dos Açores – Como foi o ano de 2023 em termos económicos para as empresas e famílias?
Teresa Borges Tiago (Professora na Faculdade de Economia e Gestão da Universidade dos Açores e na Universidade NOVA-IMS) Para se compreender a realidade económica da Região, temos de refletir sobre o próprio contexto mundial e europeu. Em 2023, assistiu-se a um cenário desafiante em termos económico-financeiros, onde o mundo e a Região continuaram a sentir algumas consequências da pandemia da Covid-19, ao mesmo tempo em que enfrentavam as consequências do conflito na Ucrânia e, mais recentemente, no Médio Oriente. Em paralelo, assistiu-se à implementação de um conjunto de medidas, particularmente restritivas, de política monetária. Foi disso exemplo a decisão do Banco Central Europeu (BCE) de elevar as taxas de juro de referência de forma consecutiva, uma medida que impactou toda a economia e de maneira específica as empresas endividadas e famílias com empréstimos à habitação.
Daí que considero que em 2023, apesar dos constrangimentos, a economia dos Açores apresenta um desempenho positivo, superando as expectativas, de acordo com os valores previstos para este ano, disponíveis à data. Conquanto, prevê-se que o crescimento ronde os 3,5% do PIB, ultrapassando a média nacional que se prevê em 2,9%. Esse desempenho decorre de uma performance favorável de alguns sectores, destacando-se a recuperação do sector turístico aos níveis observados antes da pandemia, com os Açores a atraírem mais de 2,5 milhões de visitantes, impulsionado em grande parte pela retoma do interesse de turistas internacionais, especialmente de países como França, Alemanha e Reino Unido. Esta recuperação também se revelou no aumento significativo da procura por produtos regionais, quer a nível do mercado interno, quer no internacional. As exportações açorianas conheceram um crescimento que se estima de cerca de 15%, graças principalmente à procura crescente de produtos como vinho, queijo e peixe. Por fim, o investimento público registou um aumento de 10%, totalizando 300 milhões de euros, com foco especial em áreas críticas como infra-estruturas, educação e saúde. O investimento público capitalizou os fundos do último quadro comunitário e aproveitou os investimentos do PRR. A dinâmica económica favoreceu a diminuição do desemprego, que em 2023 foi de 6,0%, segundo dados do SREA. Este valor representa uma diminuição de 0,6% em relação ao ano anterior e ligeiramente inferior à média nacional (6,3%).
Neste cenário verificou-se um incremento da actividade empresarial nos Açores, tendo-se constatado um acréscimo de 3,5% no número de empresas a operar, com relação a 2022. Este aumento foi sustentado principalmente pelo surgimento de novas empresas no domínio do turismo (10%) e do comércio (5%). Os números disponíveis levam a que se considere que para as empresas 2023 foi um ano de desafios, mas também de grandes oportunidades.
Porém, segundo dados do SREA, a inflação nos Açores, em Novembro de 2023, era de 5,3%. Os principais factores que contribuíram para o crescimento da inflação derivam do aumento dos preços da energia e dos alimentos, que foram impulsionados pelos cenários de guerra e pelo aumento dos preços dos serviços, que foi impulsionado duplamente pelo contexto internacional e pela procura de recuperação económica. A inflação e o aumento das taxas de juro tiveram um impacto relevante na diminuição do poder de compra pelo que 2023 foi um ano pouco favorável para muitas famílias.

Na sua opinião, quais os momentos mais marcantes da economia açoriana em 2023? Que sectores económicos se destacaram como mais estratégicos para o desenvolvimento dos Açores em 2023?
Não é fácil apontar eventos isolados, atendendo a que a economia regional é um ecossistema complexo que em cada uma das nove ilhas tem contornos específicos. Acredito, porém, que podemos apontar como marcantes todos os contributos que permitam o crescimento do PIB, a criação de emprego e o aumento do bem-estar da população que ocorrem nos sectores principais da economia regional. Em 2023, os Açores testemunharam um reforço económico em vários sectores, com o turismo à frente, estimando-se ter-se alcançado um crescimento de 10% e representando aproximadamente 20% do PIB regional, superando assim definitivamente os obstáculos impostos pela pandemia da Covid-19. O retalho, constituindo cerca de 15% do PIB, seguindo a tendência ascendente com um aumento de 5%, beneficiando da recuperação do turismo e da crescente procura por produtos locais. A construção, que compõe cerca de 10% do PIB, também deverá ter um incremento superior a 4%, graças ao investimento tanto público quanto privado. A agricultura, responsável por mais de 5% do PIB, deverá crescer cerca de 3%, impulsionada pela procura elevada pelos produtos regionais. Por fim, o sector das pescas, não ficou para trás, estimando-se um crescimento de 2%, motivado pelo aumento na procura por peixe dos Açores.

De que forma as mudanças globais, como crises geopolíticas, afectaram a economia dos Açores em 2023? Qual é a sua perspectiva sobre como esses factores podem continuar a influenciar a Região no próximo ano?
Uma das mudanças globais menos equacionada são as mudanças climáticas que estão na origem de eventos climáticos extremos, como tempestades e inundações, e que causam danos às infra-estruturas e aos meios de subsistência. Em 2023, os Açores apesar de não terem tido eventos com elevados impactos, testemunharam diversos fenómenos que originaram deslizamento de terras e danos em infra-estruturas e culturas e que exigiram o reforço de investimentos e comprometeram algumas actividades agrícolas. Atendendo à sua imprevisibilidade, estes eventos deverão continuar a afectar a Região. Porém, existem várias medidas que podem ser tomadas para mitigar as mudanças climáticas, quer a nível individual, quer pelo Governo e pelas empresas e essas podem e devem ser reforçadas em 2024.
É sabido que as pequenas economias, como é o caso da açoriana, são tendencialmente mais vulneráveis às mudanças globais do que as grandes economias, reflectindo a existência de menos recursos para lidar com as crises, bem como a forte dependência dos mercados externos. As crises geopolíticas, como a guerra na Ucrânia, levaram a um aumento dos custos da energia e das matérias-primas, o que teve um impacto negativo na economia açoriana. Os custos de produção aumentaram para as empresas açorianas, o que levou a um aumento dos preços dos produtos e serviços, o que, por sua vez, reduziu o poder de compra dos consumidores. O mesmo efeito decorreu do aumento das taxas de juro, tal como referi anteriormente. Mas, em ambos os casos, os efeitos destas variáveis também se fizeram sentir nos mercados com quem a Região se relaciona, encarecendo o valor das importações, afectando tanto as empresas como as famílias da Região. Não se prevê que em 2024 venhamos a ter um cenário mais positivo neste domínio, pelo menos nos primeiros meses, pelo que para diminuirmos estes efeitos temos de procurar investir na Região a dois níveis: diminuição da dependência das importações e aumento da autonomia energética e alimentar da Região.

Quais as expectativas para 2024?
No actual contexto global, fazer previsões é um empreendimento arriscado, como se viu no ano passado, mas há alguns factores que podem influenciar decisivamente o cenário económico e político global e, consequentemente, a economia regional. No domínio económico, espera-se que a inflação continue a ser um desafio a ultrapassar. Porém, a guerra na Ucrânia e as crescentes tensões no Médio Oriente continuarão a ter um impacto negativo na economia global, levando a um aumento dos preços da energia e das matérias-primas. No entanto, espera-se que a economia mundial continue a crescer, mas a um ritmo mais reduzido, impulsionada pela recuperação dos EUA e da China. No campo político, as eleições regionais, europeias e nacionais podem trazer novos desafios à economia regional. Porém, as presidenciais dos EUA, em Novembro de 2024, serão efectivamente o evento mais relevante pelo potencial impacto significativo no cenário global. Se o actual Presidente for reeleito, é provável que a política externa dos EUA continue a ser orientada para a cooperação com os aliados e em oposição à Rússia e à China, mas se não for eleito é provável que a política externa dos EUA volte a ser mais orientada para dentro, reduzindo o seu papel tradicional na geopolítica global.

Vamos ter menos leite e mais turismo?
Nos últimos anos, a indústria leiteira dos Açores apresentou uma descida progressiva da produção, que culminou com a diminuição da produção em 2023. Esse decréscimo reflecte múltiplos desafios que a indústria tem sofrido: aumento significativo nos custos de produção, em consequência do aumento dos preços dos alimentos para os animais, combustíveis e materiais; envelhecimento demográfico da Região, que gera dificuldades no recrutamento de mão-de-obra para as explorações; até a transformação nos padrões de consumo. Caberá a esta indústria compreender como continuar a incorporar tecnologia para diminuir custos e inovar, bem como apostar no desenvolvimento de novos produtos com maior valor acrescentado.
O turismo é, neste momento, um dos pilares mais importante para a dinâmica da economia dos Açores, e é esperado que continue a crescer em 2024. Os números do turismo nos Açores têm crescido nos últimos anos e ainda têm espaço para crescer mais. Mas, quando falo em crescer mais, tal como no caso da indústria leiteira, a ênfase não deve ser no crescimento em termos de unidades vendidas, mas sim no crescimento do valor criado com base neste sector. Por exemplo, tem-se registado um crescente interesse por turistas que valorizam a sustentabilidade, tendência na qual os Açores se enquadram perfeitamente, e que tendencialmente estão dispostos a pagar mais por experiências únicas, genuínas e memoráveis.

A pobreza vai diminuir?
De acordo com os dados do INE disponíveis no Inquérito às Condições de Vida e Rendimento de 2023, com relação aos rendimentos de 2022, a taxa de pobreza nos Açores era de 26,1%, o que significa que 26,1% da população viveu neste ano com menos de 60% do rendimento médio. Como tal, este é um problema que afecta uma parte significativa da população e que merece uma reflexão alargada, até porque muito já tem sido investido neste domínio. Existem três pilares incontornáveis desta equação: criação de empregos, apoio social e educação e formação. A criação de empregos é essencial para reduzir a pobreza, dotando os indivíduos de capacidade de geração de rendimento e de melhorarem as suas condições de vida. Por outro lado, o apoio social é importante para garantir que as pessoas que não conseguem trabalhar tenham acesso aos bens e serviços básicos. Mas, para garantir o aumento da primeira e a diminuição da segunda, é fundamental o investimento em educação e formação, dotando as pessoas de novas competências que lhes permitam uma valorização salarial e uma melhoria das condições de vida. Para além destes 26,1% da população, preocupa-me também a estagnação na classe média na Região. Segundo dados da Pordata, o valor do salário médio da classe média nos Açores era, em 2019, de aproximadamente 1.043 euros por mês, sendo inferior ao salário médio nacional. Este valor médio varia por ilha, tendo, por exemplo, em 2019, tido o seu montante mais elevado na Vila do Porto (1.492€) e o mais baixo nas Lajes do Pico (844,2€). Como tal, o salário médio da classe média nos Açores é suficiente para garantir um nível de vida confortável, mas não é suficiente para acumular riqueza e criar um ecossistema de consumo interno que sustente as empresas locais e que permita às famílias uma melhoria contínua da qualidade de vida.

Quais são os principais desafios que as empresas açorianas enfrentam actualmente? E que oportunidades podem ser exploradas para impulsionar o crescimento económico?
As empresas açorianas desde sempre que enfrentam desafios notáveis, sendo a insularidade um dos mais prementes, pois ela impõe obstáculos ao acesso a mercados e recursos, elevando custos e impactando negativamente na competitividade. Porém, existem outros como a falta de mão-de-obra qualificada que são mais notórios apenas nos últimos anos, afectando especialmente as empresas do domínio do turismo, agricultura e da construção civil. A intensificação da concorrência internacional pressiona as empresas locais a se reinventarem na criação de valor e no alcance de vantagens competitivas sustentáveis. Para superar tais desafios, medidas estratégicas podem ser adoptadas, como o investimento em infra-estrutura para diminuir custos de transporte e melhorar as ligações, programas de qualificação de trabalhadores e digitalização de algumas tarefas para suprir a carência de mão-de-obra especializada, e apoio à internacionalização das empresas açorianas, auxiliando-as na expansão dos seus mercados e no fortalecimento da sua posição competitiva.

Que papel podem desempenhar as universidades na dinamização das empresas e na promoção do desenvolvimento?
As universidades têm um papel vital no estímulo ao crescimento empresarial e no avanço do desenvolvimento económico no arquipélago dos Açores, adoptando múltiplas iniciativas. A formação é uma dessas iniciativas, onde as instituições de ensino superior podem capacitar profissionais altamente qualificados e aptos para as exigências actuais do mercado de trabalho. Essa oferta pode ser ao nível da formação graduada e pós-graduação, mas também através de programas de curta duração, que garantam a actualização das competências profissionais dos indivíduos.
No caso da Universidade dos Açores, pela sua missão e implementação tripartida, pode ser um centro nevrálgico de pesquisa e inovação, contribuindo significativamente para o desenvolvimento de novos produtos, serviços e processos inovadores relevantes para as empresas e organizações regionais. Essa investigação, frequentemente realizada em parceria com o sector empresarial, fomenta a transferência de conhecimento e tecnologia entre a academia e a indústria. Além disso, pode também incentivar o espírito empreendedor, por meio de programas de incubação e aceleração de empresas, auxiliando os empreendedores a materializarem ideias e impulsionar negócios.
Houve um aumento na criação de startups e o aparecimento de jovens empreendedores nos Açores em 2023…
Ainda não existem dados oficiais sobre a criação de novos negócios em 2023, sendo os últimos dados disponíveis no SREA de 2021. Contudo, consegue-se aperceber o surgimento de novas iniciativas de negócios, em especial lideradas por jovens abaixo dos 35 anos. O aparecimento de jovens empreendedores é um sinal positivo para o futuro dos Açores. Os jovens empreendedores têm mais formação, são mais inovadores e estão mais dispostos a assumir riscos, o que pode contribuir para o desenvolvimento de novos sectores económicos nos Açores. As dificuldades para os empreendedores na Região são em tudo similares às já referidas para as demais empresas.
Acredito que, nos Açores, os empreendedores encontram um terreno fértil de oportunidades, impulsionadas por diversos factores. O Governo Regional dos Açores tem procurado fomentar o espírito empreendedor através de uma série de medidas, incluindo incentivos fiscais, apoio financeiro e programas de incubação e aceleração de empresas, proporcionando um ambiente propício para o crescimento de novos negócios. Além disso, a melhoria contínua das ligações e conectividade dos Açores tem sido um factor crucial, facilitando o acesso dos empreendedores a mercados e recursos variados, ampliando assim as suas possibilidades de expansão e sucesso. Paralelamente, a evolução para uma economia mais orientada para o conhecimento e inovação tem aberto novos trilhos e criado oportunidades para os empreendedores regionais, incentivando-os a explorar novos nichos e a desenvolver soluções inovadoras, onde a localização geográfica e a dimensão não são um obstáculo.

Carlota Pimentel
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