PROJECTO DE SISTEMA MÉTRICO PORTUGUÊS – Ao longo da década de 1840 intensificam-se os debates na Câmara dos Deputados do Reino sobre a imperiosa reforma de pesos e medidas, da qual depende também a reforma monetária.
Nem todos os deputados se rendem às evidentes vantagens do sistema métrico decimal francês como padrão de medidas. Há os que defendem a manutenção do sistema herdado do século XVI, porque, desde que seja “estabelecida a uniformidade em todo o paiz, é bem facil fixar a sua relação com o systema metrico, ou outro qualquer, para as operações do commercio exterior”. Para estes deputados e para uso interno, o sistema tradicional seria suficiente, como é exposto nas “Considerações das vantagens que resultariam da uniformidade dos pesos e medidas neste Reino,” um extenso texto publicado no Diário do Governo em 1849, a que se contrapõem, passados dois meses, as “Reflexões” que defendem a adopção do sistema francês.
Naquela década são apresentados na Câmara dos Deputados três projectos de reforma, díspares, dos quais o terceiro, de 1849, merece particular atenção. É um projecto de “sistema métrico decimal português”, que desenvolve a reforma operada por D. João VI, em 1814, interrompida pela agitação política das décadas de 1820/30, e de que subsistem os 300 conjuntos de medidas padrão armazenados no arsenal do exército.
Este projecto, que entrou em discussão na generalidade em Fevereiro de 1850, temo articulado que se resume:
–Haverá uniformidade de sistema de pesos e medidas em toda a extensão do Reino; a base do sistema é a décima milionésima parte de ¼ do meridiano terrestre e denominar-se-á “vara”.
–Os pesos e medidas terão as denominações e dimensões constantes do mapa expositivo e, para uso comum, haverá medidas do dobro, metade e quarto das designadas no mapa. A metade da libra será denominada arrátel, e a metade do tonel denominar-se-á pipa.
–Na medição das superfícies e dos volumes usar-se-á do quadrado e cubo da vara; a medição dos secos será feita com rasoura e sem volta.
–Dentro de seis meses a contar da publicação da lei, o governo mandará distribuir gratuitamente a todas as câmaras municipais os padrões do sistema métrico decimal em armazém, juntamente com as instruções; mandará também fabricar os padrões que faltarem para distribuir.
–A lei deverá vigorar em 1 Janeiro de 1853 e nas províncias ultramarinas em 1 de Janeiro de 1860.
Como se verifica, as unidades do sistema conservam as designações de 1819– vara (metro), canada (litro) e libra (kilo)–, e os múltiplos têm designações tradicionais e as grandezas decimalizadas. Nas medidas de capacidade, há designações diferentes (e equivalentes) para os líquidos e os secos.
Os submúltiplos das três unidades contêm os radicais “deci”,“centi” e “mili”,excepto o milésimo de libra (grama) que conserva a designação “escrópulo”.
Este projecto é um decalque do sistema francês, a que faltou romper com as designações e práticas de medir e pesar vinculadas aos rituais, costumes e economias locais, velhos de muitos séculos, no reino de Portugal e domínios. Nem a rasoura foi esquecida, se bem que “sem volta”. Ainda decorrerão quase três anos de discussão parlamentar até que seja finalmente aprovado o sistema métrico tal como foi concebido pela Revolução Francesa.
Ferreira Almeida