O ano de 2024 traz-nos o culminar de inúmeros processos eleitorais, nos quais seremos chamados a fazer escolhas decisivas para o nosso futuro, à escala regional, nacional e europeia. Não obstante a determinação individual e a ideologia mais ou menos vincada que cada um possa ter, é inevitável que as mensagens que nos chegam diariamente dos diferentes quadrantes político-partidários condicionem as nossas decisões.
Dos mais extremados aos mais moderados, dos mais tradicionais aos mais progressistas, todos os partidos e figuras políticas vêm recorrendo cada vez mais à internet para atingir os seus objetivos. Sejam os seus orçamentos de campanha mais ou menos ambiciosos, disponham ou não de recursos técnicos sofisticados, de uma maneira ou de outra, todos procuram fazem notar a sua presença nos meios digitais.
E faz todo o sentido que assim seja. Afinal de contas, a esmagadora maioria da população tem acesso à internet, dedicando várias horas por dia a consumir conteúdos em plataformas de social medial. Particularmente em Portugal, passamos mais de 7h30m por dia a utilizar a internet. E a Região Autónoma dos Açores distingue-se, ainda, por ser uma das regiões do país com maior percentagem de cidadãos com acesso à internet, encontrando-se acima da média nacional neste indicador.
Mas mais utilizadores não significam necessariamente uma melhor utilização da internet. A verdade é que os dados apontam simultaneamente para uma enorme escassez de literacia digital, sendo os Açores uma das regiões do país com competências digitais mais baixas. E uma das variáveis considerada neste estudo diz precisamente respeito à capacidade dos utilizadores para avaliar a veracidade dos conteúdos encontrados na internet. Ora, no âmbito político e particularmente no contexto de campanhas (e pré-campanhas) eleitorais, poderá ser preocupante termos uma população que não consegue fazer um uso adequado das ferramentas nas quais consome a maior parte da informação.
O conceito de fakenews (notícias falsas) que já vem sendo comumente referido, contempla a criação e disseminação de conteúdos falsos, muitas vezes intencionalmente desenvolvidos no âmbito de propaganda política e de manobras de contrainformação. Surgiu, mais recentemente, o conceito de deepfake, associado ao desenvolvimento de tecnologias mais sofisticadas e suportadas em inteligência artificial. Com estas ferramentas, é possível criar conteúdos em vídeo e áudio com um elevado realismo, desafiando ainda mais a nossa capacidade de avaliar se os conteúdos que estamos a ver são ou não reais.
Mas as vantagens são vastas para quem escolhe investir nestas plataformas digitais para promover as suas mensagens. É possível direcionar os conteúdos para targets (públicos-alvo) específicos, garantindo uma maior eficiência dos esforços de comunicação, chegando facilmente às audiências considerada mais relevantes. Quando comparadas com os meios tradicionais, as campanhas de publicidade em plataformas digitais são mais facilmente monitorizáveis e ajustáveis, sendo possível avaliar de forma mais rigorosa o seu retorno em função dos objetivos estabelecidos.
Mesmo quem não tenha recursos elevados para investir em publicidade, ao fazer um bom trabalho criativo nestes meios poderá conseguir criar conteúdos relevantes que cheguem organicamente a muitas pessoas. Ao mesmo tempo, grandes orçamentos para investir em publicidade não são garantia de eficácia, uma vez que se requer competências específicas para uma adequada gestão de campanhas nestes meios. Daí que, em muitos casos, seja recomendável recorrer a profissionais ou a agências especializadas que assumem um papel determinante no sentido de ajudar a maximizar a eficiência e a eficácia dos recursos investidos.
Também do ponto de vista dos utilizadores, a proliferação da internet vem trazer enormes vantagens. Estes meios permitem-nos aceder rápida e comodamente aos conteúdos que queremos. E possibilitam que quando somos impactados por determinados conteúdos consigamos ver detalhadamente quem está a pagar para chegar até nós. Em prol da transparência, as diferentes plataformas de social media, como o Facebook (uma das redes sociais do grupo Meta), implementaram uma série de regras quanto à promoção de conteúdos políticos, em parte como consequência de utilizações abusivas destas plataformas no passado.
Para além de conseguirmos identificar os conteúdos promovidos (identificados como “patrocinado”), conseguimos ainda verificar o motivo pelo qual estamos a ser impactados por determinado anúncio (verificando nos detalhes da publicação “Porque é que estou a ver este anúncio”). É ainda possível, a qualquer momento, consultar todas as páginas que estão a investir em publicidade nesta rede social, através da Biblioteca de Anúncios Meta. E em caso de práticas irregulares por parte de quem anuncia nestas plataformas, é agora mais fácil auditar e rastrear todos os investimentos feitos.
Como em qualquer outra plataforma de comunicação, é desejável que quem veicula conteúdos na internet o faça de uma forma ética e em conformidade com a lei. Não basta advogar a democracia, se não se comunicar de forma clara e se não se dotar os eleitores de instrumentos para compreender o mundo à sua volta. Cidadãos mais informados e com maior literacia, terão maior capacidade de entender e avaliar as mensagens com que são impactados. Também nesse sentido, cada um de nós deverá investir na sua autoformação, exercendo um esforço acrescido para entender aquilo que vemos, não nos limitando a consumir os conteúdos de uma forma passiva e conformada.
Sejamos críticos quanto ao que lemos e tiremos partido dos instrumentos que estão ao nosso alcance para tomar decisões mais informadas, tanto na política como em qualquer outro aspeto determinante das nossas vidas. Ferramentas de fact-checking (verificação de factos), bem como a funcionalidade de denúncia de conteúdos, estão ao dispor de qualquer um e a sua utilização é fortemente recomendada.
Requer-se mais literacia digital, sendo para tal necessário promover mais e melhor informação (e formação, se necessário). Urge, para isso, definir uma estratégia concertada, de modo a termos uma população mais capacitada e habilitada a fazer escolhas conscientes.
A tecnologia, per se, não traz qualquer ameaça. É o mau uso dos meios, sejam digitais ou tradicionais, que ameaça a democracia. Temos, hoje em dia, mais acesso a diferentes fontes de informação e a ferramentas que nos permitirem validar a veracidade do que nos é dito. A internet aproxima-nos dos diferentes agentes políticos e tornou a comunicação bidirecional. Temos, agora, a capacidade, o direito, e até mesmo o dever, de confrontar os emissores das mensagens que nos chegam diariamente.
Que saibamos todos tirar partido da tecnologia, mas que o façamos sempre com foco num bem maior, que supere o mero interesse individual e que sirva efetivamente a sociedade.
Carlos Farinha