No passado dia 30 de dezembro de 2023,o jornal “Correio dos Açores”, como é seu timbre, recorrendo ao seu rico e histórico património, faz uma louvável homenagem aos 100 anos da então “Fabrica de Moagem da Pranchina”propriedade da empresa “Moagem Micaelense Lda”.
Foi S. Miguel, na segunda metade do século XIX e primeira do século XX, muito rico em homens com “H” grande, “empreendedores” com enorme visão no negócio e no desenvolvimento da ilha e dos Açores. Esta fábrica é um exemplo que chega aos nossos dias!
Deliciei-me ao ler a História da fábrica e dos seus fundadores, as memórias de infância foram ativadas. Não vou entrar na sua História propriamente dita, mas sim na minha ligação à “Fábrica de Moagem da Pranchina”.
Nasci no ano de 1951, em S. Roque, no lugar da Praia dos Santos, talvez a oitocentos metros a nascente da fábrica, ali vivi até aos onze anos de idade. Diria que nasci ao cheiro da “bolacha Maria”! Ainda hoje, tenho registado no meu subconsciente o cheiro da “bolacha Maria” da “Moaçor”, era assim que conhecíamos esta fábrica, a “Moaçor”. O barulho característico do estalar da bolacha ao partir ou trincar, o paladar e o seu cheiro não se esquece! Esta bolacha, pelas suas características, era usada na alimentação dos bebés, das crianças e em festas. Infelizmente, não era acessível a todos!
A “Moaçor” foi e é uma referência em S. Miguel e nos Açores; foi, ainda, um bem maior, quer social, quer económico, para as gentes de S. Roque e não só!
Eram muitos os operários de S. Roque que, assim, garantiam o sustento da sua família. A preocupação da entidade patronal para com o bem-estar e segurança dos seus funcionários era evidente: entregavam-lhes pano para confecionarem a sua farda, calça e camisa, estes por sua vez contratavam as costureiras locais. Todos ganhavam, a economia funcionava!
À entrada da fábrica, à direita, havia uma cantina onde eram vendidos aos operários os produtos da fábrica e outros bens essenciais à alimentação a preços mais económicos. Recordo, pela Páscoa e Natal, as bolachas, as alfarrobas, os chocolates Regina e Aliança. À esquerda era a portaria, com acesso ao escritório, onde a entrada e saída dos operários era controlada por cartões/relógio, o porteiro de serviço tudo controlava à segurança da fábrica.
Sempre que me permitiam, ficava encostado ao portão de entrada, a apreciar a azáfama dos operários, o enorme e impressionante edifício cheio de janelas, a escada exterior que, mais tarde, é que fiquei a saber ser a escada de emergência.Aquela armação em túnel que vinha de um andar superior e encostava à traseira de um camião, e de lá descia a saca de farinha que, guiada no seu movimento, por um operário, até à caixa do camião, a colocava estrategicamente em local escolhido de forma a carregar devidamente o referido camião. Tudo numa cadência à velocidade do surgimento de nova saca.
Entre os operários tinha família de ambos os sexos. O meu padrinho de baptismo o Júlio Frontihan Preciado, engenheiro no controlo da qualidade alimentar (julgo ser esta a sua especialidade) era Espanhol, foi contratado pela empresa para garantir a qualidade do produto.
Talvez por esta razão permitiam-me a visita à fábrica algumas vezes. No edifício central era imponente a série de rodas interligadas por um eixo que eram movidas e faziam distribuição da energia mecânica, por meio de correias, a todo o edifício, subindo numa das paredes até aos andares superiores fazendo funcionar a fábrica. O barulho, o movimento de todo aquele “andarilho” era por si só um espetáculo! Passar nas mesas onde estavam a sair as bolachas do forno era uma tentação para uma criança como eu!
Era muito apreciado, também, o transporte do trigo da EPAC, então conhecida por “Celeiros”, existentes na antiga Estrada da Ribeira Grande para a fábrica, por um trator que puxava um atrelado em caixa de forma hexagonal. Por vezes derramava o conteúdo para felicidade das pombas e passarada que por ali abundavam.
São as recordações de uma criança, atualmente idosa, que viveu e testemunhou o desenvolvimento de S. Miguel por Homens que sabiam o que queriam e o caminho que tinham de trilhar!
É esta a minha singela homenagem a estes Homens, à Moaçor! Felizmente, a “Moaçor” está em boas mãos e continua a ser uma referência da ilha de S. Miguel e dos Açores!
As minhas felicitações!
Carlos A. C. César