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Natal tardio: o Estatuto dos Açores e a reforma da Autonomia

O Estatuto dos Açores é criado por uma lei de valor reforçado da Assembleia da República através da iniciativa aprovada pela Assembleia Legislativa dos Açores; foi o caso da 3.ª revisão em 2009 e que decorria da necessidade de o adaptar aos termos da Constituição na versão de 2004.Qualquer lei é um património importante: desde logo porque é uma lei feita pelos deputados que representam a vontade popular; mas também porque é nas leis que se encontram as principais marcas duma sociedade. Desse valor não se retira apenas o da legitimidade legislativa; retiram-se outros como a qualidade da democracia. Todas as leis são boas porque são as que temos; mas lei há que é boa e há lei que não é tão boa, e outras até que de lei são tão más que de lei apenas têm o nome e pouco mais. O caso do Estatuto não é assim tão mau; mas é mau o suficiente para apelidar-lhe de lei fraca e tem erros colossais porque foi uma deliberação sem nenhuma consequência válida para a Região. Vejamos como em três pontos.
O historial do Estatuto dos Açores. A reforma da Constituição de 2004, e no sistema legislativo, tinha tudo para não dar certo, porque se destruía a fundamentação política da construção do direito regional (âmbito regional no lugar de interesse específico), porque se desqualificava o historial legislativo da autonomia (a fundamentação da construção do direito regional desceu da Constituição para estar nos Estatutos), porque se imaginava um parlamento regional ter tanto poder constitucional como um parlamento nacional (julgando que a mera palavra serve para desqualificar o regime constitucional, quando os próprios órgãos de soberania estão sujeitos à Constituição, como é apanágio de qualquer Estado de direito). A Região lançou-se a propor o seu novo Estatuto; a Madeira também deu início ao seu projeto, mas vendo bem o logro político para a autonomia dessa revisão constitucional porque parecia que dava tudo quando tudo somado não dava nada e até retirava brilhantismo político, retirou a sua iniciativa. Resultado: a Madeira com o seu antigo e desatualizado Estatuto faz todas as leis que precisa, tal-qualmente os Açores fazem com o seu novo e medíocre Estatuto. Em resumo: a diferença de Estatuto entre os Açores e a Madeira – prova que o dos Açores não tem nenhuma novidade, nem jurídica nem política, que sirva melhor os insulares. Na quantidade parece bom, na qualidade é medíocre. Etecetera.
As barbaridades do Estatuto dos Açores. Já noutro local dissemos que o Preâmbulo do Estatuto foi feito no meio dumas cervejolas na famosíssima festa da cidade d’Angra; isso, em si mesmo, não é relevante. Mas justifica a criminalidade política de no Preâmbulo do Estatuto referir-se apenas a história política dos Açores desde o ano de 1895 e desprezando-se toda a história desde o povoamento: os açorianos hoje são o que são pelos acontecimentos políticos da Terceira: por esse motivo a mais elevada ordem honorífica de Portugal foi atribuída a Angra, e um mês depois ao Porto, e um século depois a Lisboa, e nos Açores Angra é o único caso; por isso a Praia e Angra tornaram-se Praia da Vitória e Angra do Heroísmo. E sendo um erro colossal de dois terceirenses em estado festivo confessado e tendo sido aprovado por unanimidade parlamentar – é uma inteira anedota política. O Preâmbulo é, neste sentido, uma barbaridade e muito ofensivo. Se a Constituição não prevê que a Região faça acordos internacionais; logo, colocar esta matéria no Estatuto – é simplesmente provocar a democracia, brincar com a política. É possível e desejável criar provedores através de leis ordinárias, como acontece com o provedor do animal nos Açores; mas querer colocar provedores no Estatuto é ofensivo porque confunde o órgão constitucional Provedor de Justiça. Não se percebe que as funções de deputado têm de ser conforme a Constituição. Etecetera.
As incongruências do Estatuto dos Açores. O Estatuto, e bem, cria, em termos expressos (porque em muitas matérias já existe a aplicação do princípio geral da gestão partilhada; já vimos isso em estudos publicados) e nas zonas marítimas adjacentes ao arquipélago de soberania nacional a gestão partilhada do Estado com a Região; isto é, limitou-se a fazer idêntica norma que já existe no Estatuto sobre a participação nos benefícios decorrentes dos tratados internacionais. Ou seja, em vez de criar uma norma idêntica à que já existe há muito tempo, e também no Estatuto da Madeira, sobre a continuidade territorial e ultraperiferia, limitou-se a consagrar um princípio e, pior, sem nenhuma indicação de qual o sentido pretendido. Sobre a audição das regiões autónomas, que grande confusão entre I) a Audição que decorre das normas sobre especialmente a legislação com II) a Audição que decorre de poderes políticos, como os do Presidente da República que chamou a si os partidos com assento parlamentar para os auscultar sobre a dissolução do Parlamento Regional. São mundos distintos. E por via dessa confusão queria-se alterar a Constituição: esta distingue o que acima vimos; e o Estatuto dos Açores queria distinguir vários níveis de audição, incluindo esta da audição política; ou seja, o Presidente da República, nos termos da Constituição, pode dissolver o Parlamento Regional ouvindo os partidos, mas o Estatuto queria que ele ouvisse o Parlamento e o Governo Regional; ou seja, a Região queria alterar as regras políticas constitucionais, bem sabendo, porque está na Constituição, que o poder político é de lei constitucional e não lei ordinária. Etecetera.
Nós, os açorianos, estamos à espera, e cansados de esperar, que nas funções políticas os políticos sejam políticos e que levem a sério essa função. A história recente, por si própria – como já o explicamos milhentas vezes e de diversas maneiras e por variados meios– mostra que as revisões constitucionais de 1997 e 2004 foram más para a Autonomia, e que as revisões estatutárias de 1998 e 2009 foram más para os açorianos e a Autonomia, respetivamente. A questão autonómica não é se o Estatuto é bom ou mau; ou se as propostas de reforma são boas ou más. A questão autonómica é saber se o Estatuto e se essas reformas traduzem melhorias à democracia açoriana – e a resposta é um não gigante.
Quem as trabalhou e organizou não deve preocupar-se com este erro colossal, ele aí está para quem quiser fazer o favor de ver; deve é preocupar-se em encontrar o motivo pelo qual se dedicou a brincar à eugenia da democracia e não se dedicou a encontrar soluções para melhorar a vida das pessoas, nomeadamente melhorando a falta de modelo de fiscalização política. O maior erro de ter eleições tão antecipadas em data tão ligeira – é não permitir que o Parlamento regional genuinamente se renove; o resultado é previsível, a mediocridade e a esperteza saloia vão continuar a prevalecer.

Arnaldo Ourique

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