Natural da ilha de Santa Maria, Sandra Sousa é técnica de informação e comunicação aeronáutica e encontrou no artesanato uma forma de terapia. Um gosto que foi crescendo e que levou à criação de bonecas de cerâmica originais e uma marca inspirada na expressão mariense “Beicredo” que significa espanto ou admiração e remonta à lenda do Pirata Bei. A cada boneca atribui um nome e uma personalidade, e a sua preferida tem o nome da sua mãe, a Elena que “tem uma tem uma gargalhada contagiante, é inocente e muito simpática.”
Correio dos Açores – O artesanato não é a sua ocupação principal. Pode falar um pouco sobre o seu percurso e em que momento surge o gosto pelo artesanato?
Sandra Sousa – Sou técnica de informação e comunicação aeronáutica. Para já não tenciono fazer carta de artesã e estou apenas registada nas finanças. Este projecto é uma coisa muito leve e não quero ter a pressão de ter de produzir para mostrar serviço. O artesanato é um pouco como a minha terapia.
O meu percurso começou há cerca de três anos num Workshop da Marina Mendonça, uma ceramista com vasta experiência e que tem peças lindíssimas. Já tinha feito pequenas coisinhas com a artesã a Cristina Ferreira, mas como a roda nunca me cativou, comecei por aprender outras técnicas de moldagem do barro, e a partir daqui foi ficando o bichinho.
Também estava à procura de algo para me complementar. A rotina que temos com o trabalho, o cuidar da casa e da família e todo o resto, levou-me a procurar algo que me fizesse relaxar. Também tinha perdido o meu pai há poucos meses e precisava de uma coisa onde me pudesse distrair e desligar um pouco do dia-a-dia.
Quando é que começa o projecto BeiCredo Cerâmica? Qual a história por detrás do nome?
BeiCredo já é a minha marca há cerca de um ano, altura em que comecei a fazer as bonecas. Mesmo sem saber se algum dia iria avançar com esta ideia, nunca tive dúvidas acerca do nome. É uma expressão típica de Santa Maria que me pareceu adequada à minha brincadeira, e como significa surpresa e espanto também simboliza a reacção das pessoas quando vêem as bonecas e os meus trabalhos.
A expressão vem dos antepassados do Pirata Bei, um pirata que aterrorizava os mares e era muito temido nas nossas ilhas. Quando avistavam o barco em Santa Maria, gritavam “Bei, Bei” como aviso para as pessoas se resguardarem e esconderem os seus pertences. Assim, o Bei ficou muito presente aqui na ilha desde esses tempos, e ainda hoje a expressão “beicredo” é usada regularmente.
Qual foi a inspiração para as suas bonecas?
A inspiração foi surgindo, mas tudo começou quando a Marina Mendonça me desafiou a criar algo diferente daquilo a que estava habituada. Em Julho do ano passado, tivemos uma exposição para montar no museu de Santo Espírito e queríamos misturar a Arte Contemporânea com o Antigo.
Surgiu a oportunidade para fazer peças para incorporar a exposição permanente. E eu já tinha feito uma espécie de vaso com rosto, algo mais virado com a figura humana. A boneca surgiu no sentido de experimentar e de não ser, por exemplo, outra travessa. A Marina, a minha mentora, deu-me todos os conselhos e toda a força.
A verdade é que depois de acabar a primeira boneca fiquei com o bichinho para fazer mais. Dá-me um gozo tremendo fazer bonecas. Não me inspiro em ninguém em especial e não tenho muito a ideia de como vai ser o resultado final. Gosto de as fazer assim redondinhas, todas voluptuosas, aquela figura feminina sem filtros e sem preconceitos. São todas únicas, não há nenhuma repetida.
Cada boneca tem um nome e uma personalidade própria. Pode apresentar algumas das suas bonecas? Tem uma favorita?
Gosto de lhes dar uma personalidade diferente para não ser só a boneca com nome e sem alma. A primeira boneca que fiz é a minha favorita e é a maior que eu tenho até ao momento. Chama-se Elena, o nome da minha mãe, e tem uma gargalhada contagiante, é inocente e muito simpática.
Faço questão de dar nomes que já não são muito usados actualmente, como é o caso da Ermelinda e da Bernardina, os nomes das minhas avós. A Bernardina é uma grande maluca, gosta de sair à noite com as amigas e é a alma da festa. A Ermelinda é uma recriação da mulher do capote, tem uns longos cabelos vermelhos e é misteriosa e sedutora. Estas foram as minhas primeiras três bonecas e são as únicas que tenho comigo, fazem parte da minha colecção.
Também tenho a Emília que é tímida e adora estar sempre em contacto com a natureza, e Antonieta que é uma boneca que seguiu para o Porto e é atrevida e irreverente e que gosta de quebrar as regras. Tenho de tudo um pouco e já são cerca de 16 bonecas. Chega-se a um ponto onde já tenho de ver quem é quem (risos).
Tem bonecas novas a chegar?
Sim. Tenho a Rosalinda, a Acácia e a Palmira. Mais recentemente experimentei um novo tipo de barro que é mais escuro e, embora ainda não estejam totalmente concluídas, estou muito satisfeita com o resultado final. Estão sempre a sair bonecas novas, mas tenho o meu emprego e, por isso, vou fazendo sempre que posso nos meus tempos livres.
Como funciona o processo de criação? Que materiais usa e quanto tempo leva até a boneca estar concluída?
A boneca demora cerca de dois meses, desde o começo ao fim. Tem que ser feita por partes. Leva o seu tempo a secar e a dar os acabamentos necessários. O lixar, o aperfeiçoar e o deixar secar bem, o que devido ao tempo húmido dos Açores demora sempre mais algum tempo. Depois, é a parte de cozer, vidrar as cores por partes, tintas e pormenores todos de novo e cozer outra vez.
Uso barro grés e nos vidreiros uso sempre cores brilhantes, fortes e chamativas. Também começo a incorporar algum tipo de materiais diferentes como os esfregões da loiça para alguns cabelos e vou começar a incorporar tecido. Neste momento estou a explorar materiais diferentes.
Onde podemos encontrar as suas bonecas?
Tenho a pagina de Instagram e Facebook ‘BeiCredo Cerâmica’ onde podem entrar em contacto comigo por mensagem. Para as ver ao vivo e a cores, vão estar disponíveis no ateliê da Marina Mendonça, em Santa Bárbara. Portanto, têm lá a exposição permanente com o barro antigo da ilha de Santa Maria e também com barro da Lagoa, de São Miguel.
Que mensagem quer deixar para aqueles que, tal como você, querem usar o artesanato como terapia?
Na minha opinião, o trabalho feito com as mãos e sem pressões é uma excelente terapia, algo para desligar da corrente e que é feito com tempo, longe do desassossego com que estamos constantemente a ser bombardeados. E isto é valido para qualquer actividade como, por exemplo, a jardinagem. O importante é desligar e percebermos o que nos faz desligar. Perceber o que nos dá prazer e que nos ajuda a desligar dessa correria do dia-a-dia. Não temos que ter medo de experimentar coisas novas, de ir a workshops diferentes sem saber o que nos espera. Pode ser uma surpresa agradável e que vos faça continuar.
Pretende manter a cerâmica como um passatempo?
Sim. Tenho uma profissão bastante exigente e tenho que estar focada. Quando estou nas minhas folgas e quando tenho tempo vou fazendo. É uma terapia que é engraçada e que até as pessoas gostam. É o meu passatempo preferido.
Daniela Canha