Escrevo-te sob a memória da sombra de uma árvore florida, vermelha, do Japão Escrevo-te sob o choro de emoção de uma noite mágica inesquecível em que as estrelas se misturaram com os boques de fogo de artifício um arco-íris de todas as cores iluminando o céu da ilha Escrevo-te na manhã do dia primeiro: as gaivotas valsejam no céu azul e no mar tranquilo coberto com um lençol de orquídeas Escrevo-te para dizer, deste lado do atlântico, que a amizade é “o amor sem asas” e onde a beleza te retiver há um deus que te conduzirá ao caminho da felicidade.
(2) A Sombra da Visão
Os madeirenses, como todos os ilhéus que conheço estão sempre apaixonados, talvez porque envolvidos pelas belezas esmagadoras das paisagens e por um clima típico, especial, os ajude a criarem uma situação poética de vivência que os atira das realidades diárias para as outras imaginadas, atenuando, de certo modo, os problemas que vão surgindo. Às vezes deixam-se arrastar por uma saudade que só eles sabem definir. Os seus sonhos são levados até ao fim, o que os carateriza. São destemidos e amam perdidamente a sua ilha. Onde eles estão, está a ilha.
Com a autonomia, os Açores e a Madeira exaltaram-se, libertaram-se, demonstrando que eram tão capazes como os outros povos livres e construíram, com amor, universos de progresso. Dignificaram-se como povo antes secundarizado. Mesmo que se diga que não éramos colónias, éramos com o rótulo de ilhas adjacentes. A liberdade de se discutir e discordar, não existia, isso roubava-nos a criatividade. Hoje provamos que somos criativos, decididos e construtores daquilo que sonhamos.
Passaram-se cinquenta anos da Revolução de abril, nós continuamos na senda do progresso e a levar os nossos sonhos até ao fim…
(3) Natal das Sombras
É Natal, mãe! As searas cresceram! Os sinos estão a tocar É Natal na Cidade: há pessoas que se beijam É Natal! É Natal! Ele é feito de saudade.
O Natal na Madeira é feito de um espírito familiar fortíssimo que se insere numa tradição secular. Reúnem-se as famílias, às vezes com mais de trinta membros, jantam, ceiam nas casas uns dos outros. Mas o Natal inicia-se com as missas do parto. São novenas celebradas, em todas as igrejas, pela madrugada. Têm tanto de religioso como de pagão. Mas antes, numa azafama que marca os encontros das famílias e amigos para a feitura e cozedura dos bolos de mel, sem esquecer os licores caseiros, de todos os sabores.
O menu das Festas (assim se diz na Madeira) é feito à base de carne vinho e alhos, canja, peru ou galinha recheada, cebolas de escabeche, pickles, cacau, bolos de mel e de família, bem como as tradicionais broas. Com um mês e mais de antecedência (depende do tamanho da construção) os madeirenses fazem a sua “lapinha” ou “escadinha”. São os presépios das famílias de todas as condições sociais que se chamam também “rochinhas”, onde se colocam para além dos pastores em barro, as searas, as cabrinhas, as tangerinas e castanhas. No fundo é uma réplica, em miniatura, de uma vila com todas as suas caraterísticas de vivência.
Na Madeira a Festa vai até ao dia de Reis. No dia 15 de janeiro, dia de Santo Amaro, é dia de limpar os armários. O que é curioso verificar é que os jovens com a alegria aderem a estes dias festivos, prevendo-se assim que estas tradições não se perderão no tempo.
Nesta data, tão querida, os madeirenses vivem excitados e contam os dias para o Fim do Ano. Espreitam-no com muita expetativa à espera de assistirem a um dos melhores espetáculos do mundo. É a baía do Funchal que na sua configuração deslumbrante permite a realização de um espetáculo único: 28 postos de fogo de artifício lançado ao mesmo tempo, durante dez e mais minutos. Qualquer coisa de fabuloso que este ano fascinou não só os madeirenses que sempre se comovem perante a beleza estonteante de um céu colorido com todas as cores, mas também 90 mil turistas que vieram propositadamente para se deslumbrarem com um Fim do Ano inesquecível: um céu iluminado; um mar tranquilo adornado com paquetes de cruzeiros; uma cidade feericamente iluminada, nas suas ruas e os caminhos ziguezagueando no anfiteatro da baía com milhares e milhares de lâmpadas, oferecendo a sensação de pérolas brilhando. Uma descrição onde não cabem as palavras. É necessário vivê-lo porque há todo um ambiente tocante e caloroso. Porque nesta noite a Madeira transforma-se num enorme patamar do mundo, envolvido num verdadeiro abraço ecuménico.
Assim nascem os novos anos na Madeira, entre luzes, fogos de artificio, um repicar de todos os sinos e as lagrimas de emoção de um povo que sonha com o fim de cada ano, sempre por ele enfeitiçado.
(4) A Sombra dos Ditadores
Neste primeiro dia do ano, como Ser humano que vivo ao abrigo dos outros, tinha por obrigação refletir no que se passa no mundo e que muito me preocupa apesar de saber, dada à minha idade, que já não assistirei às “tempestades” que vêm aí em consequência dos ódios, raivas e prepotências dos grandes ditadores, nas mãos dos quais está suspenso o mundo.
Evidentemente que os meus votos não se concretizarão infelizmente:
uni mundo menos irracional uni mundo menos feito de guerras um mundo menos mortífero
não é utópico, bastava que os governos, fossem dirigidos por gente bem formada, gente com valores, não tirânica, não selvagem, como Putin, os ditadores do Irão, da Síria, da Coreia do Norte, da Turquia e tantos outros cujo espírito é o de mandar matar e roubar a liberdade às populações. E, ainda, permitir a presença de terroristas nos seus países.
Por muito otimista que possa pensar que a esperança é a última a morrer, mediante o que, através dos noticiários televisivos, conhecemos, da maneira como se comportam os responsáveis por todas estas tragédias e enormidades, mortíferas, não dou tanta ênfase ao referido provérbio. Oxalá fosse verdade e viveríamos todos em paz. Se a estes se juntar o Trump, em consonância com o seu amigo Putin, então a Europa tem que se preparar convenientemente pois vai passar uma fase tumultuosa. Queira Deus que a China adormecida não se levante…
Todos sabemos as consequências que advirão destas guerras que estamos a viver; os efeitos que já se refletem nas economias. Infelizmente, vejo sobre nós uma nuvem muito negra.
No que respeita ao nosso país ver-se-á ser em março o que acontecerá. Com os políticos a se “metralharem” todos os dias com palavras, não vamos longe. O que necessitamos é de estabilidade para se desenvolver ao país.
(5) “A Amizade é o Amor sem Asas”
Felizmente iniciei o ano recebendo amigos que amo e admiro muito, a minha querida Nini Andrade Silva, de quem já tanto escrevi, com justiça. Ela é uma espécie de pássaro voador que atravessa os céus do mundo para levar, a alguns países, onde o seu nome está gravado, em tantos hotéis, a sua arte, o bom gosto e talento. Vencedora de muitos galardões. Ela continua com a humildade e o amor pelos outros que a caracteriza. Com ela veio a grande Jornalista, bonita, elegante, inteligente, portadora de uma cultura universal, Fátima Campos Ferreira. É uma pessoa generosa, uma profissional competente. Ela entra nas nossas casas com programas de qualidade e de interesse. É das poucas jornalistas, que conheço, que deixa que os seus entrevistados mostrem o seu valor. Trouxe-me, de presente, o seu magnífico livro «O infinito está nos olhos do outro» (7a edição). Uma obra prefaciada pelo General Ramalho Eanes, que conhecendo bem a Fátima Campos Ferreira, põe em ressalto, não só o talento da sua escrita, mas também os aspetos profissionais, humanos e os valores que fazem de Fátima Campos Ferreira (licenciada em História e Jornalismo), a grande mulher que ela é, que tanto prestigia as televisões portuguesas e o país. Ela erradia uma simpatia espantosa.
Tornou-se, através dos seus programas e entrevistas, uma pessoa muito querida e admirada por milhares de telespetadores. Conheço-a há muitos anos e sempre a considerei por todas as inúmeras qualidades, já referidas. Connosco, no fim de tarde, na minha casa, com música de Natal em fundo, na voz de Pavarotti. Pusemos o telemóvel em alta voz e falamos com um nosso amigo comum (dos três) muito querido e que muito admiramos: Filipe La Féria, foi uma festa ouvi-lo. Falou-nos dos seus espetáculos em Lisboa e no Porto e do sucesso que está a ter o musical «Laura Alves». Desfrutamos de momentos de muita alegria. Celebramos a amizade “o amor sem asas” que tanto fortalece a alma. À Nini e à Fátima agradeço a visita. Foi o melhor presente para iniciar o ano 2024.
Recebi neste fim do ano uma obra que muito me agradou: a tradução para língua eslava da obra de Fernando Pessoa. Penso que é a primeira vez que Pessoa é traduzido em eslavo. É uma tradução excelente segundo a crítica. O autor é o Embaixador Péter Zsoldos. Domina muito bem a língua portuguesa e espanhola. Foi Embaixador da Eslováquia em Portugal; país que muito admira e tem inúmeros amigos. Tem participado nos nossos Encontros Internacionais de Poesia na Macaronésia (EIPOEMA), mais recentemente em Cabo Verde. Ali ele falou-me desta sua obra com entusiasmo. É um excelente livro de capa dura editado por «Uybral a Prelozil».
Um dos projetos do Embaixador Péter Zsoldos é de traduzir para eslovaco, alguns poetas madeirenses, uma vez que já vez os das Canárias e dos Açores.
João Carlos Abreu