Correio dos Açores – Descreva os da-dos que o identificam perante os leitores!
Professor Universitário, Investigador, Ensaísta e Escritor. Nasci na ilha Terceira (Santa Cruz, Praia da Vitória, em 1954) e vivo, presentemente, em S. Mateus (Angra do Heroísmo). A minha família paterna é do Faial (Horta e Capelo) e do Pico (S. Mateus). O ramo materno é terceirense (Agualva e Praia da Vitória). Vivi muitos anos na Praia da Vitória, e depois em Braga, Coimbra, Lisboa e Ponta Delgada.
Fale-nos do seu percurso de vida no campo académico, profissional e social?
Estudei em Angra do Heroísmo, nos Estados Unidos e em Lisboa (na Universidade Católica, onde me licenciei em Filosofia). Frequentei também a Faculdade de Filosofia de Braga, a Universidade de Coimbra e a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Pontualmente, frequentei um mestrado de Psicologia Clínica, e completei toda a parte empírica (desenvolvida no Serviço de Oncologia do Hospital de Angra) do doutoramento em Ciências Biomédicas, no Departamento de Ciências do Comportamento do ICBAS (Universidade do Porto), cuja Tese, infelizmente, não pude apresentar devido a um grave problema de saúde que me atingiu a meio desse tão empenhativo e gratificante projecto antropológico-cultural no campo da investigação participante e da prática socio-clínica com doentes oncológicos açorianos.
Que influência tiveram os seus pais na sua formação académica?
Uma influência grande, além de me terem proporcionado todos os meios e acessos a bons professores, óptimas escolas, ambientes e recursos. Mas, como já salientei, talvez tudo tenha começado familiarmente a partir daquelas primeiras lições de iniciação poética, expressiva, comunicacional e profética de palavras, experiências e valores, para já nem falar do mais que no campo das Artes sempre acompanhou essas vivências de iniciação, aprendizagem e criação cultural.
Em primeiro lugar porque leitura e estudo me foram muito afins na existência pessoal e familiar, e nas vivências intelectuais que lhe deram estofo espiritual e cultura literária, académica ou científica. Assim, recordo sempre que os primeiros que fixei me foram maternalmente ensinados como mensagens verbais de alta densidade poética, estilização retórica e timbre moral, através de Contos, Narrativas fabulosas e belíssimas Poesias (Camões, Pessoa, Antero e Nemésio), muito antes de toda a grande Prosa imperativa da Literatura Nacional (Eça, Garrett, Camilo e Saramago) e de outros horizontes e mundos de imaginário afim ou diverso, para descobertas existenciais em todas as áreas e ramos temáticos (desde as prevalecentes Humanidades (Filosofia, Literatura, História, Sociologia, Psicologia e Teologia), até às Ciências aplicadas (como a Medicina e a Psiquiatria, que foram as minhas originárias opções liceais e vocacionais), ou então o Direito e a Sociologia Política (talvez pela recorrente inclinação, ou reincidente tentação, por precoces actividades militantes, talvez um pouco ingenuamente, é certo, mas com firmes ideais íntimos, autênticos e sinceros, no fundo ainda hoje vigentes…).
Como se define a nível profissional?
Desde muito novo, em 1974, comecei a exercer no Ensino e a trabalhar na Educação e na Cultura. E assim leccionei no Preparatório, no Secundário e depois na Universidade (como Assistente de Carreira; director de Curso, Docente e Encarregado da Gestão e Administração do CIFOP em Angra do Heroísmo; orientador de Estágios Científicos; Assistente Convidado na Universidade dos Açores e na Escola Superior de Enfermagem, etc.), até à reforma.
Aliás, vivendo sempre rodeado de livros, leituras, múltiplos estudos e pesquisas interdisciplinares, ainda coordenei a Biblioteca do Pólo da UA na Terceira, dirigi a Biblioteca e Centro de Documentação do Hospital de Santo Espírito e fiz Investigação na Biblioteca Pública de Angra. Noutro domínio, no Serviço Regional de Protecção Civil, iniciei a implementação (lamentavelmente não prosseguida pela tutela…) de um Gabinete de Investigação e da inserção dos Açores na Rede Europeia de Estudos de Risco (cujo protocolo fui assinar, por parte da nossa Região, com o CES (Universidade de Coimbra).
Quais as suas responsabilidades?
Actualmente, a nível institucional público, nenhumas (com excepção da representação da SHIP – Sociedade Histórica na RAA. Pessoal, social e familiarmente, todas as que resultam de ter uma família grande e amada! E, naturalmente e também as que decorrem de viver na minha terra, com a nossa gente e onde, como dizia um poeta nosso, nasci e tenho ossos de pai e mãe. Às responsabilidades profissionais (como professor, investigador e assessor cultural) creio tê-las cumprido com competência e lealdade, tal como às outras de leccionação e demais responsabilidades na Universidade e nos Institutos onde colaborei ou dirigi, e bem assim como representante dos Açores no Conselho Nacional de Educação, encargo para o qual fui eleito pela Assembleia Legislativa Regional dos Açores.
Como descreve o sentido de família?
No contexto da sociedade e dos valores e contravalores de meados do século passado, senti sempre um forte sentido de preservação de heranças e valores do nosso passado colectivo, com um latente sentido do futuro possível, conquanto nem sempre alcançável numa comunidade pequena, cultural e societariamente amiúde fechada, desincentivada ou conformista, como a nossa era (e, de certo modo, ainda é), para mal de todos nós e dos nossos filhos e netos, perdendo-se assim ou esbanjando-se o que, ao longo de muitas gerações, sacrifícios e sonhos, foi esperançosa e trabalhosamente sendo construído. Todavia, tive a sorte e o privilégio de poder acompanhar, conviver e aprender, a todos os níveis, com uma geração açoriana mais antiga, distintamente empenhada e bem formada, em meados e finais do século XX (onde sobressaíram muitas das personalidades fundadoras, criadoras e marcantes, por exemplo, como já tematizei, nos Institutos açorianos de Cultura e de História, no Pensamento das Semanas de Estudos, no Planeamento Regional, na Igreja e nos seus Cursos de Cristandade, no experimentalismo artístico e teatral vanguardista, na etnografia e na literatura, nas tentativas ou iniciativas regionais de Progresso e empreendedorismo industrial e comercial, nas tentadas aberturas e renovações políticas, ideológicas, jornalísticas e associativas, etc., e desse modo até àquela referencial geração que foi capaz de conquistar, credibilizar e (re)lançar, a seguir ao 25 de Abril, a Autonomia Constitucional que formalmente vivemos, embora muitas vezes, hoje, já à beira de impasses efectivos e mesmo de um perigoso precipício histórico-institucional, económico-financeiro, jurídico-político, intelectual e culturalmente decadente e menorizante, amiúde por culpa própria!
Que importância têm os amigos na sua vida?
Uma importância significativa, tal como a de todos os meus antepassados, companheiros de infância e juventude, familiares e saudosos mestres escolares, intelectuais e espirituais, cuja viva presença e exemplo povoam a minha memória e a minha gratidão, a par de todos esses conhecidos ou referenciais rostos da minha idade ou da minha existência, que já vi desaparecerem desta vida espácio-temporalmente contingente e finita…
Para além da profissão, que actividades gosta de desenvolver no seu dia-a-dia?
Sempre as mesmas, afinal! Isto é, a trabalhosa e activa procura da leitura, da compreensão do sentido dos “sinais dos tempos” e da intencional transformação das realidades do mundo, naquilo que este pode ainda e sempre evoluir e ser melhorado…
Que sonhos alimentou em criança?
Ser médico, padre ou músico… Quanto à primeira escolha, agora, ao menos, vou revendo esse ideal nas acções e nas palavras do meu filho, a trabalhar aí numa bela equipa do HDES, quando ele me garante estar “a ajudar a salvar vidas e corações”! E, assim, posso continuar, através dele ainda, a sonhar com o que, na realidade e a esse nobre nível, também tinha gostado de ajudar a fazer, quando era novo.
Quanto às outras escolhas ou sonhos, talvez analogamente, ainda as posso assumir, ouvindo a “música das esferas”, respeitando e fixando aquela lei moral e aquele mesmo estrelado céu (como Kant propunha na sua filosófica conclusão da Crítica da Razão Prática), não muito longe aliás da nossa universal determinação destinal àquele Futuro Absoluto que o meu preferido teólogo Karl Rahner tão profundamente teorizou, e do qual, noutra simples mas sugestiva figuração catequética, ouvia falar em criança na minha Matriz da Praia, ou quando, no serminário e na homilética solene e festiva, mais ou menos eruditamente, eram citados ou evocados Santo Agostinho ou S. Tomás…
O que mais o incomoda nos outros?
A cobardia moral e a falsidade de carácter, a tolerância maligna ou a cumplicidade com a injustiça, a futilidade da linguagem, a ignorância presumida e a subcultura da corrupção, todas elas opressoras ou aniquilantes da Verdade, do Bem e da Liberdade!
Que características mais admira no sexo oposto?
A beleza e a bondade de coração, a ternura afectuosa e a inteligência sensível.
Gosta de ler? Diga o nome de um livro de eleição?
Não é fácil seleccionar. Mas estes, certamente, seriam eleitos: As Confissões, a Bíblia, a Crítica da Razão Pura, a Divina Comédia, Os Lusíadas, D. Quixote, O Verbo e a Morte e O Pão e a Culpa…
Como se relaciona com o manancial de informação, nomeadamente as notícias falsas, que inunda as redes sociais?
Contrapondo-as e desmontando-as criticamente com a observação objectiva dos factos concretos, a contraprova alternativa e o contraditório de narrativas credíveis ou, enfim, simplesmente desprezando toda essa viciada retórica alienante.
Como lida com as novas tecnologias e que sectores devem a elas recorrer para melhorarem o respectivo rendimento?
As novas tecnologias (nomeadamente as informáticas) são uma maravilhosa conquista da técnica, da engenhosa tecnologia e da razão humanas, potenciando exponencialmente os procedimentos informacionais e programáticos das sociedades. Por isso mesmo, o seu controlo e aplicações sectoriais devem ser rigorosa e prudentemente exercidos, e acompanhados. Especialmente no campo da Educação, por exemplo, os seus recursos não poderão nunca deixar de ser avaliados do ponto de vista cognitivo, epistemológico, ético, técnico-pedagógico, laboral, socioeconómico, científico e cultural!
A inteligência Artificial está no centro do debate e pode por em risco o ser humano. Até onde deve ir essa inovação?
A chamada “inteligência artificial” constitui e engloba uma complexa multiplicidade de conceitos, campos de processamento e engenharias de aplicação de dados digitais, operações algorítmicas para (re)configuração de quadros linguísticos e de representação imagética ou “conceptual” – que aspiram mimar conceitos, juízos e raciocínios, ou analogar-se ao Pensamento humano-neuronal, conquanto ainda não declarada e propriamente dito racional e intelectual…–, suscitando assim problemáticas críticas e categorias noético-antropológicas e jurídico-axiológicas que estão realmente no centro de um amplo debate planetário, cuja pertinência filosófica e moral, nos últimos dias, chegou mesmo à reflexão religioso-pastoral, ética e doutrinal da Igreja Católica na Mensagem papal de 1 de Janeiro, para o Dia Mundial da Paz.
Aproveito, pois, esta Entrevista para recomendar a atenta leitura das pistas levantadas por esse documento, tal como relembro, ainda a este propósito, entre muitos outros que não posso desenvolver aqui, as avisadas abordagens de um breve mas significativo texto recente do filósofo e linguista Noam Chomsky sobre as mesmas falsas promessas linguístico-cognitivas, falácias pseudo-científicas e ameaças societárias da dita IA…
Costuma ler jornais?
Sim, nacionais e internacionais, acompanhando também, evidentemente, de perto, toda a Comunicação Social regional (onde desde jovem estudante liceal escrevi sempre, como colaborador regular e também como coordenador de vários suplementos de cultura).
Gosta de viajar? Que viagem mais gostou de fazer?
Sempre viajei com gosto, com desejo de descoberta de espaços e de patrimónios humanos, culturais e civilizacionais. Conheço razoavelmente bem todas as nossas nove ilhas, o nosso país, muito da Europa, os Estados Unidos e o Canadá. Em Encontros Internacionais de Universitários, também cheguei lá ao Oriente, revisitando até lugares reais ou míticos das peregrinações e diásporas, conquistas e expansões, brilhos e derrotas ultramarinas e imperiais de Portugal e dos Portugueses.
Quais são os seus gostos gastronómicos? E qual é o seu prato preferido?
Aprecio e prefiro a comida tradicional portuguesa e açoriana, aliás bem cultivada na minha família, pelas minhas avós, pela minha mãe e pela minha esposa.
Que notícia gostaria de encontrar amanhã no jornal?
Não é bem apenas uma simples e única notícia… O que gostaria de ver esclarecido e devidamente tratado, nas notícias e discursos mediáticos da opinião pública, (ou da construção dela…), era algo pautado idealmente por aquilo que tornei a exprimir na conclusão do meu Discurso de Abertura do 1 de Dezembro último em Ponta Delgada, ao afirmar ser também aqui urgente relançar uma revisão crítica e autocrítica da experiência histórica recente do nosso Arquipélago, a todos os níveis, em ordem a fazer corresponder a nossa arquitectura jurídico-institucional, sociopolítica, cultural e conceptual, e assim também as nossas práticas políticas e os nossos valores às renovadas solicitações advindas da mais exigível e rigorosamente real e apurada tipologia do nosso actual e futuro estádio de progresso e de desenvolvimento…
Se desempenhasse um cargo governativo, descreva uma das medidas que tomaria?
Faria uma reapreciação e uma contabilização integral, integrada e insti-tucionalmente dialogada dos projectos, objectivos, meios, fins e agentes técnicos e humanos das áreas, domínios e responsabilidades desse departamento. E tentaria envolver sempre, na máxima extensão possível e comunitariamente partilhada, a definição mais consensual, frutífera e frutificante dessa política, com transparência, responsabilidades dinamicamente assumidas por todos os parceiros, com uma regular avaliação crítica dos respectivos sucessos ou insucessos…
Em que época histórica gostaria de ter vivido?
Gosto da época que me foi e é ainda dado viver, porque daqui consigo conviver memorialmente com muitas das eras passadas, por uma espécie de fenómeno, lógica temporalidade extensa que a Cultura, o Conhecimento Histórico, a Literatura e a Filosofia intelectual e espiritualmente suscitam…
O que pensa da política? Está disponível para voltar a ser um participante activo?
Depende do que se entender por “participante activo”… A Política é uma importante e natural actividade social, cuja relevância ética e civicamente exigente é fundamental e indispensável para a dignificante promoção integral das sociedades humanas, na Justiça, na Liberdade e no Bem Comum das pessoas. Nesta medida, a participação política dos cidadãos na sua vida colectiva, continua a ser solidariamente cada vez mais necessária e urgente!
Que analise faz à situação política regional?
Não quero entrar, nesta ocasião, numa análise propriamente sociopolítica e político-partidária da profunda crise em que vimos vivendo, e na qual acabámos por imprudente e talvez desnecessariamente cair, em resultado de erros antecedentes, sucedâneos ou recorrentes mediocridades e incompetências… Assim, devo somente acentuar hoje que, em parte quase total, a continuidade e a garantia do sucesso possível da conquistada (e conjunturalmente outorgada…) Autonomia dos Açores assenta na preservação e no incremento fraterno da unidade dos Açorianos de todas as ilhas, face ao essencial, ao possível e ao adequado a cada momento da vida regional, nacional, europeia e internacional, sendo ainda que, sem qualquer dúvida, divididos, antagonizados e encurralados “nos penhascos”, seremos todos rapidamente vencidos:
– Tal desencantado espectro de fracasso das nossas energias, capacidades, empenhos e esperanças; digo mais, tal retrocesso cívico, intelectual, económico, político e cultural, sendo sinónimo antecipado de uma sonambulesca e humilhante anemia sistémica das nossas comunidades, representaria um baqueamento geracional face aos novos desafios do Século XXI, vindo a ter consequências desmobilizadoras e degradantes, durante muito tempo inferiorizantes, para o Arquipélago e para o País, no contexto europeu e atlântico.
A instabilidade política nos Açores beneficia quem?
Beneficia, como sempre, ignobilmente, todos aqueles a quem uma amadurecida estabilidade democrática, cívica, dialogante, laboriosa e pacificamente construtiva do Bem Comum, do desenvolvimento integral e do progresso educativo, económico, social e cultural, é coisa ou causa ininteligível ou desprezível…Todavia, uma estabilidade de “cadáver adiado” que procria anti ou contranatura, consegue ser, muitas vezes, o pior dos fracassos anunciados ou prometidos!
Os Açores são ingovernáveis sem que um partido tenha maioria absoluta? Pode explicar.
A explicação decorre, no caso que nos preocupa e compromete a todos, do que atrás afirmei. E depois, há ilações que convém retirar de experiências anteriores, umas próximas, outras já distantes, mas todas com protagonistas e desafios em quantidade e qualidade bem diferentes…
Em sua opinião, os eleitores vão penalizar quem nas próximas eleições legislativas regionais antecipadas?
Não me parece fácil prever qualquer desenlace, impasse ou novo enlace das eleições que 2024 trará, tal a desafiante e conflitual diversidade de factores político-partidários, socioeconómicos e psicossociais em presença, antagonismo ou simples desencanto, abulia societária ou descrença axiológica nas presentes derivas da Autonomia Regional e da Democracia em Portugal!
João Paz