O ritual de Manuel António Resendes (Pauleta, pai) é diário. Só se a chuva for abundante e ininterrupta é que não sai de casa.
As avenidas que acolhem a baía de Ponta Delgada são o princípio de um circuito pouco variável, que atinge entre os 15 e os 20 quilómetros.
Manuel Pauleta convive com o que proporciona o inconstante clima da ilha de São Miguel em curtos espaços temporais. O radioso nascer do Sol, a bruma que impede ver o horizonte e as nuvens anunciando chuva, cujos pingos, salpicando-lhe o rosto, não são impeditivos de continuar a caminhada, trazendo-lhe à memória as tardes de glória passadas nos campos de futebol com os pisos de terra acumulando água, elevando o grau de dificuldade.
Enfrentar as condições de jogo de há 30 ou mais anos requeria uma condição física invejável, característica de Manuel Pauleta associada à técnica e à fogosidade de um jogador que marcava golos com abundância, alguns só ao alcance dos predestinados.
Deixou no filho o legado, que lhe proporcionou projecção mundial.
É incomparável o futebol de outrora com o do presente. As bolas, os equipamentos, os pisos ou as condições de treino evoluíram, ao ponto de uma interrogação fazer sentido: os jogadores de antigamente, com os requisitos de hoje, tinham mais hipóteses de estarem em clubes dos principais campeonatos nacionais? Hoje permite-me responder que sim, porque possuíam, em comum, características fundamentais que actualmente só poucos conservam: o gosto e a paixão de jogar, assumindo prioridade o compromisso de, por exemplo, estarem às 6 horas da manhã nos campos para treinarem.
O corpo esguio que Manuel Pauleta mantém permite-lhe um ritmo cadenciado, só interrompido quando encontra um ou outro conhecido para uma curta conversa. O futebol vai dominando os diálogos, que, em algumas vezes, fazem-no recuar aos tempos de futebolista de mérito.
Circunstancialmente reencontro Pauleta (pai). Da última vez, as saudações habituais estenderam-se a mais uns minutos de conversa. Disse-me que um circuito da caminhada tinha-lhe proporcionado passar junto ao campo Jácome Correia. O portão aberto foi um convite a visitá-lo, o que não acontecia há cerca de 20 anos.
Falou-me das grandes diferenças aos níveis do piso e das condições para os espectadores. Por lá ficou uns minutos. Percorreram-lhe a memória tantos e tantos momentos de glória, os golos marcados, os colegas. Despedindo-se, com o recomeço dos passos a indicarem a direcção de uma rua para mais uns quilómetros, deixou no ar, com a voz embargada pela emoção: “tantas alegrias que passei e que dei naquele campo”.
O campo Jácome Correia é a história do futebol da ilha de São Miguel e dos Açores. A 27 de Janeiro completa 78 anos desde que foi inaugurado. Não justifica uma digna comemoração dentro de dois anos? Claro que sim. Têm a palavra a direcção da Associação de Futebol de Ponta Delgada que for eleita a meados deste ano e a autarquia de Ponta Delgada. Já ficaram esquecidos os 50 anos do estádio de São Miguel.
José Silva