José Manuel Frias, natural de São Roque, é relojoeiro há 49 anos e é já dos poucos em actividade. Na Relojoaria Hora Certa, que fundou há 16 anos, mas que já colocou à responsabilidade da sua filha Marlene, José Manuel repara e limpa os relógios, alguns antigos, e outros mais recentes. Para muita gente, trata-se de uma herança de família e uma recordação dos seus pais e avós. Quem visita o espaço pode encontra-lo a fazer este trabalho, totalmente concentrado, de lupa ao olho. Ao ‘Correio dos Açores’, o relojoeiro que teima em preservar uma profissão cada vez menos comum, conta a história da sua vida e desvenda um pouco de como é ser relojoeiro.
Todos os relógios atrasados e parados que entram na Relojoaria Hora Certa, na Rua Carvalho Araújo, em Ponta Delgada, saem a dar as horas certas, porque passaram pelas mãos experientes e o olhar minucioso de José Manuel Frias, relojoeiro há 49 anos. Por essa razão, muita gente apenas a ele confia o arranjo dos seus artigos. Muitas ourivesarias encaminham a José Manuel relógios danificados, por ser já praticamente o único a fazer este trabalho de porta aberta em Ponta Delgada.
Ao entrar no espaço, o cliente ou curioso pode encontrar o senhor José a trabalhar, todos os dias, entre as 07h30 e as 18h00, de lupa ao olho esquerdo, com as suas pinças, tantos outros utensílios e partes de relógios espalhados na sua bancada de trabalho iluminada por um grande candeeiro.
Foi este cenário que o Correio dos Açores encontrou quando entrou na loja, aberta há 16 anos. José Manuel fazia uma limpeza de um relógio Orient automático, “muito bom, e antigo, dentro dos 50 anos, à vontade. As pessoas trazem relógios que estão a parar ou a atrasar faz-se uma limpeza e o relógio fica novo outra vez, para mais uns tempos.” Para fixar cada peça minúscula, é preciso recorrer a uma lupa: “Esta é só para fixar a peça que quero ver, não aumenta muito. Esta outra, a lupa dupla, é que aumenta mais. ”
O relojoeiro tem 63 anos e é natural de São Roque, mas vive na Fajã de Cima há 51 anos. Em Julho, José Manuel assinalará 50 anos em actividade em relojoaria. Sonhava ser carpinteiro em tenra idade, mas era difícil começar na profissão, na altura, e a relojoaria surgiu por acaso, sem esperar, conta, durante uma pausa no arranjo do automático:“ Aos 14 anos, a vida que eu gostava de seguir era de carpinteiro, mas naquela altura era difícil, porque tínhamos de comprar as ferramentas e eram muito caras. Os carpinteiros não queriam ensinar com as suas próprias ferramentas. Naquele tempo começávamos a trabalhar aos 14 anos para fazer o registo na Segurança Social. Fui para o Martins do Vale. Eles viram que eu era atinado, e como precisavam de um aprendiz de relojoeiro, comecei aí. Depois fui me aperfeiçoando, gostei e fui sempre para a frente.”
Naquela altura, lembra, era preciso fazer pela vida e ir atrás do sustento de alguma maneira. Não era esta a profissão que idealizava em novo, mas adaptou-se e nunca mais parou. De acordo com o empresário, a relojoaria é um trabalho “difícil como qualquer vida. Para qualquer profissão, o gosto pelo que se faz já é 50%. Depois é que se vai aperfeiçoando e adaptando à vida. Tem de ser.”
Depois de aprender e dar os primeiros paços na relojoaria na Martins do Vale, José Manuel trabalhou na Ourivesaria Universal, onde ficou durante 32 anos. “Estive um ano e alguns meses na Martins do Vale, onde aprendi, e quando fui para a Ourivesaria Universal já sabia muita coisa.”
Entretanto, tirou um curso, quando foram aparecendo novos tipos de relógios, como os de quartzo: “Antigamente era só relógios de corda, e depois tirou-se um curso para os relógios de quartzo, de pilha. Há 16 anos, decidiu começar por conta própria, abrindo a Relojoaria Hora Certa.
Nos últimos em actividade,
o relojoeiro José Manuel tem
uma bancada cheia de trabalho
Antigamente, havia mais relógios para “amanhar,” mas como é já o único relojoeiro de porta aberta em Ponta Delgada, a sua bancada está sempre cheia de relógios para concertar ou limpar: “Como estou aqui em Ponta Delgada sozinho a fazer estes reparos, tenho relógios que nunca mais acaba. A maioria das ourivesarias manda os relógios para aqui. Elas não têm relojoeiros. Antigamente havia bastantes. Trabalhei com sete relojoeiros aqui e com quatro no Martins do Vale. Já não se vê ninguém a fazer isso,” lamenta.
Não há um número certo de quantos relógios coloca a trabalhar por dia: “Posso levar um dia com um relógio só. Depende do problema que tiver. Ou talvez arranjo cinco ou seis num dia, à vontade. Se falarmos em mudar pilhas, isso nem se conta… numa tarde de um Sábado de porta fechada montei 89 pilhas,” conta José Manuel.
Apesar de ainda haver algumas pessoas mais novas que levam os seus relógios a arranjar, são maioritariamente as mais velhas a fazê-lo, pela experiência do relojoeiro. Para muitos clientes, os relógios são mais que um objecto, são uma recordação dos familiares e de outros tempos, por ser uma herança dos pais ou dos avós.
Pelo seu olhar experiente, os relógios antigos tinham melhor qualidade e exemplifica: “Este é um relógio mecânico, a rodagem é toda em latão. Agora, os relógios levam algumas rodas e o resto é um circuito eletrónico. Os relógios mais antigos eram muito mais fortes, em questão de caixas e tudo.”
“Digo sempre que mais vale
pagar mais um pouco para
comprar um relógio bom”
Para além de serviços de reparo e limpeza destes artigos, a relojoaria tem também à venda relógios e demais acessórios, como braceletes, e outros materiais como vidros. “Tudo o que é necessário para um relógio.” Tem também alguns de cozinha, e um catálogo com relógios de parede para encomenda. Os artigos são de marca, mas os preços são para várias carteiras, desde os 20 euros.
De acordo com José, as pessoas ainda compram muitos relógios, “e há muitos para arranjar. Ainda está a circular muito. Pelo Natal venderam-se muitos. Vai se vendendo sempre. Muita gente gosta. Não são só as senhoras que fazem colecção, há senhores que também gostam de ter muitos relógios.”
“Na Ourivesaria Universal, nas épocas boas, vendíamos 100 relógios por dia. Quando começou a aparecer os quartzos e digitais. Ainda é no Natal que se vende mais,” lembra, dos tempos antigos.
A quem lhe peça um conselho, na hora de comprar um relógio, José Manuel diria que “tudo depende,” mas é da opinião de que “mais vale pagar mais um pouco para comprar um relógio bom. Por isso, mais caro é melhor. Aconselho sempre um relógio melhor, mas há pessoas que têm um limite de preço e nós jogamos dentro dessa quantia.”
O que se deve ter em conta na hora de comprar um relógio? “Que o relógio seja forte. Em questão de qualidade, ver qual é a marca que está a comprar, porque por marca varia.”
Após conversas sobre venda e arranjos de relógios, José Manuel Frias prossegue a limpeza do relógio com cerca de 50 anos, para despachar trabalho e passar aos próximos para que aqueles clientes não deixem de comparecer aos seus compromissos à hora certa.
Mariana Rovoredo