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Trabalhou Google e hoje faz parte de uma das tecnológicas multinacionais mais emergentes da actualidade

Com apenas 28 anos, o economista Miguel Pestana já passou pela Google, é mentor de muitos novos empreendedores no Reino Unido e hoje trabalha para uma das tecnológicas mais emergentes da actualidade. Natural da ilha de São Miguel, admite que a curiosidade, a resiliência e a capacidade de trabalho das suas raízes açorianas estão na origem deste seu vasto percurso. Da sua experiência de voluntariado, conta que durante a pandemia ficou preso no meio de uma floresta da Eslovénia. Uma aventura que durou sete meses e que fê-lo voltar ao mundo corporativo com uma visão “mais humana” e com uma maior compreensão sobre aquilo que significa “sair da ilha para ver a ilha.”

Correio dos Açores – Por entre muitos outros marcos, em Lisboa começou pela gestão de categorias no Grupo Sonae, trabalhou na Google, e agora faz parte de uma das maiores tecnológicas da actualidade. O que o levou a desenhar um percurso tão diverso?
Miguel Pestana – O meu percurso começou por, desde muito cedo, trabalhar em retalho. Comecei com o Grupo Sonae, na Worten, e agora estou mais direccionado para o e-commerce (comércio electrónico). O que me inspirou a desenhar um percurso tão variado foi a curiosidade. Sou uma pessoa muito curiosa e gosto realmente de perceber como é que os diversos sectores da economia funcionam e os diferentes estilos de pensamento das pessoas destes mesmos sectores. Depois, não se trata apenas de ter a curiosidade para perceber como é que as coisas funcionam, mas também perceber como posso criar um impacto capaz de beneficiar a sociedade de alguma forma.

Quais foram as suas maiores influências?
Tem de ser a minha família. Foram eles que sempre me incentivaram a ser curioso e a querer explorar, viajar para diversos países e perceber as suas culturas. Mas também a ser comprometido e integro naquilo que faço. Se estou a fazer algo, tenho de o fazer bem e de forma integra. Acredito que é uma herança muito positiva.

Tem alguma experiência que o tenha marcado particularmente quando trabalhou na Google?
A Google é uma multinacional, das maiores empresas do mundo e muito diversificada em termos de clientes e colaboradores e foi a minha entrada no mercado internacional.
Tive uma breve abordagem deste mercado com a Worten, mas foi através da Google que tive abertura ao mercado Reino Unido e ao também ao mercado irlandês.
Creio que maior desafio foi mesmo perceber como é que tantas pessoas diferentes e de culturas tão diferentes se conseguiam juntar numa mesa para tomar decisões e depois conseguir executá-las. Neste tipo de contexto, a mesma coisa pode ser interpretada de muitas formas e o desafio para entender as pessoas foi algo que me entusiasmou bastante.
Ter de me adaptar a outra cultura também me ensinou muito sobre o que é ser português. Muitas vezes tomamos a forma como interpretamos as coisas como um dado adquirido, mas não funciona assim.
Outra parte muito gratificante foi ter conhecido os maiores retalhistas do Reino Unido, poder trabalhar com eles e desenvolver projectos em conjunto, muitos deles de escala global.

Dizem que a Google é uma das empresas com melhores condições para os seus colaboradores. Quer falar um pouco sobre isso?
Sim, a minha experiência foi muito positiva. Na sua generalidade, as pessoas estão bastante motivadas e foram-me dados todos os recursos necessários para realizar o meu trabalho. Acredito que aquilo que a Google conseguiu mostrar foi o facto de que, para além do nosso trabalho do dia-a-dia, existem outros projectos que podemos seguir dentro da empresa. O meu trabalho era dentro do retalho, mas fui sempre incentivado a realizar projectos para além de gestão de parcerias no retalho. A Google dá-nos essa abertura e acredito que foi fundamental em todo o processo. Foi uma experiência feliz.

Pode-nos falar um pouco do trabalho que desenvolve actualmente?
Actualmente faço parte de uma grande tecnológica, uma empresa bastante emergente. O meu trabalho passa, maioritariamente, por ajudar Pequenas e Médias Empresas e startups. Muitos empreendedores decidem começar a vender os seus produtos, mas não sabem como consolidar os seus processos de gestão e é nesta parte que eu entro. No caso das empresas que já existem há algum tempo, o meu trabalho é o de ajudá-las a descolar o negócio.
Para além disso, há o trabalho com clientes externos e o desenvolvimento interno que está relacionado com a melhoria de processos e do nosso produto. É neste campo que, geralmente, tenho um espírito bastante crítico e incentivo a mudança. No final, o objectivo é entregar o melhor produto final ao cliente.

Qual é a parte mais gratificante do seu trabalho?
Acredito que primeiro são as pessoas. Tenho a oportunidade de conhecer imensos fundadores de empresas e isto é bastante gratificante porque todas as pessoas que conheço têm formas completamente diferentes de abordar a vida e os negócios, e é precisamente isso que faz com que eu aprenda sobre a sociedade em geral e é aquilo que me permite ajudar os outros da melhor forma.
Por outro lado, é a oportunidade de fazer as coisas acontecer. Acredito que é uma das grandes dificuldades do dia-a-dia. O espírito crítico deve existir e deve de continuar a crescer e melhorar, mas, por vezes, há falta daquela chama, daquela motivação para fazer com que as coisas aconteçam. Criar um projecto e depois entregá-lo com impacto bastante considerável é muito gratificante.
Como surgiu a oportunidade de ser mentor de startups numa universidade do Reino Unido e, na sua perspectiva, qual é a importância do trabalho que desenvolve lá?
Acho que advém um pouco do meu trabalho actual. Como já tenho a oportunidade de ajudar fundadores de diversas empresas a crescer de forma sustentável, acaba por surgir esse side hustle em que ajudo empresas que fazem parte da incubadora de uma universidade de Londres a criar e também a desenvolver o seu negócio. Por outro lado, também trabalho muito com a parte da motivação. Muitas vezes, esses empreendedores sabem perfeitamente o que estão a fazer, financeiramente têm uma ideia que vai trazer um bom retorno ao investimento, mas falta-lhes a motivação, o desbloqueio para avançar. No fundo, o meu papel é o de ajudar estes fundadores a fazer crescer as suas empresas e fazer as coisas acontecer.

Na sua experiência enquanto mentor, quais são os conselhos mais comuns que partilha com novos empreendedores?
Tendo um modelo de negócio e uma vez que existam determinadas condições garantidas e consolidadas e se tudo o que forem questões financeiras bem resolvidas, não ter medo de avançar. Esse é um dos conselhos que considero mais importantes. Há muitos empreendedores que procuram a perfeição e, neste sentido, ficam bloqueados naquele processo do “vou ou não vou”. Na realidade não existe perfeição, e já tendo essas bases consolidadas é o momento de avançar. O meu trabalho é questioná-los e fazê-los perceber que aquilo de que eles precisam já está completo e que podem avançar com a sua ideia e criar o seu negócio.
Geralmente, os empreendedores são bastante apegados à sua ideia de negócio e têm alguma dificuldade em trazer pessoas novas porque, de certa forma, a sua ideia vai se perder um pouco, ou, como costumamos dizer, “vão perder o seu bebé.” Nesta questão, ajudo-os a perceber a importância de recrutar novas pessoas para escalar o negócio e a importância de fazer o outsourcing.
Também, caso seja dentro da minha indústria, e-commerce, retalho ou tecnologias, posso dar conselhos mais específicos, mas geralmente passo muito por essa área de como escalar o negócio e avançar sem ter medo da imperfeição.
Também podemos abordar outros tópicos. Por exemplo, um dos grandes medos dos empreendedores é a propriedade intelectual. Muitas vezes criam um produto e não o levam ao mercado porque têm medo de que lhes roubem as ideias. Dou alguma ajuda no sentido de garantir que, por exemplo, têm o produto patenteado antes de levarem ao mercado.

Passou uma temporada atípica na Eslovénia. Como é que surgiu a ideia de ir viajar e fazer voluntariado?
Foi um pouco espontâneo. Estava a fazer a tese de mestrado e a trabalhar como consultor para um banco em Lisboa. Tendo feito muitas coisas ao mesmo tempo, e algumas de elevado impacto, cheguei a um ponto em que percebi que tinha de crescer e abraçar novas oportunidades. Somos ensinados desde muito jovens que temos de saber, perfeitamente, o que queremos, mas não foi essa a minha situação. Cheguei à fase final da tese de mestrado e disse ‘afinal não sei bem o que quero.’ Apesar de gostar do mundo dos negócios, havia mais a explorar, e então decidi sair de Portugal.
O meu objectivo era ir de Lisboa até Istambul e passar por todos os países. E assim o fiz. Passei pela França, pela Eslovénia – onde conheci pessoas que hoje são muito importantes na minha vida -, depois passei por Montenegro, Albânia, Sérvia e todos estes países menos comuns. Acabei por chegar a Istambul e a partir daí decidi ir para a Grécia. Entretanto, amigos que conheci na Eslovénia perguntaram-me se eu teria interesse em juntar-me a uma comunidade de voluntariado no meio da floresta. Já estava a viajar há mais de um mês, mas nesta altura ainda não tinha as minhas respostas. Até então, a minha vida só tinha passado pelos estudos, pela economia e consultoria num banco, e este convite era completamente diferente de tudo aquilo que tinha feito. Aceitei de forma muito espontânea.
Era suposto ficar nesta comunidade uma semana, entretanto a Covid despertou e eu estava a oito quilómetros do Norte de Itália. Os gestores da comunidade avisaram-nos de que, caso não saíssemos naquela semana, iríamos ficar presos. Neste ponto, eu não queria voltar para Portugal porque, tendo de percorrer tantos países, certamente que iria apanhar Covid e contaminar as pessoas. Decidi ficar por tempo indeterminado.
A nossa comunidade ficava mesmo no meio do nada. Estávamos numa base militar na fronteira entre a Eslovénia e Itália, um grande ponto de migração na Europa. Portanto, grande parte dos emigrantes, de forma legal ou ilegal, passa por aquele ponto muito remoto. Durante a Covid não havia mão-de-obra disponível porque estávamos todos fechados em casa e nós funcionávamos como um agente de força que estava a ajudar todos aqueles que precisavam. Ajudamos quintas ecológicas; a Cruz Vermelha que estava a entregar comida a crianças que, por não terem acesso às refeições da escola, tinham dificuldade em comer; ajudamos idosos que não tinham acompanhamento e ensinei inglês a crianças.

O que é que esta experiência significou para o seu crescimento pessoal?
Foram experiências muito variadas num contexto crítico, isto é, estávamos fechados numa comunidade sem hipótese de regressar aos nossos países. O facto de ter ajudado muitas pessoas, ajudou-me a compreendê-las melhor. Desde aquilo que significa a solidão para um idoso, à dificuldade de crianças emigrantes que, por não saberem inglês, tinham muita dificuldade em integrar-se no país.
Na altura tinha 23 anos, mas muitos dos jovens da comunidade tinham entre 18 e19 anos de idade e realmente entraram em pânico quando souberam que não podiam sair.
Muitos deles queriam abandonar o campo, mas a Eslovénia estava fechada e não tinham para onde ir. Tive de ganhar a capacidade de passar uma mensagem positiva nestes momentos e, de certa forma, gerar um clima pacífico dentro da comunidade.
Como estávamos 24 horas sobre 24 horas juntos – uma comunidade de 20 pessoas sempre junta -, sem nos apercebermos acabamos por entrar dentro de uma bolha social.
O humor das pessoas variava muito e de forma contagiosa, ou seja, se num dia estávamos tristes, ficávamos todos tristes, se no outro dia estávamos felizes, estávamos todos felizes. Algo que só era perceptível se visto de fora e que se consegue transportar para modelos macro: as pessoas, de facto, contagiam-se umas às outras.
Como estávamos num ambiente crítico, era possível que aquilo descambasse e senti a necessidade de fazer longas caminhadas sozinho, muitas vezes de três e quatro horas, para ver a situação de fora e perceber o que realmente estava a sentir. A comunidade era bastante unida e intensa e foi muito importante ter a capacidade de sair da bolha para perceber a bolha e voltar com uma energia melhor, ou, aquilo que realmente significa “sair da ilha para ver a ilha.”

Tem alguma história que queira partilhar?
Tenho uma história que se revelou uma das coisas mais caricatas da minha vida e uma das que mais me preocupou. Perdi-me na floresta sem saber se estava na Eslovénia ou em Itália. Por sorte, o cão que tínhamos na comunidade encontrou-me e acabou por me guiar para junto de pessoas. Estava a três horas de distância da base, quase na altura do pôr-do-sol e tinha de chegar antes de ser noite. Ter o cão do meu lado ajudou-me a não ter medo de pedir ajuda numa situação de pandemia onde as pessoas não estavam tão receptivas a ajudar.
Quantos países já visitou?
Já visitei 27 e um dos objectivos para 2024 é chegar aos 30 países. Mas não se trata de conhecer o máximo número de lugares, quando visito um país quero perceber realmente o que se passa lá e observar a forma como as pessoas funcionam.

É certo que a sua passagem pela Eslovénia alterou a forma como encara o mundo?
A passagem pela Eslovénia e pelo mundo do voluntariado, a experiência de pertencer a uma comunidade com jovens de todo o mundo durante uma pandemia, ficar preso nesta mesma comunidade numa situação completamente diferente daquilo a que estava habituado, ensinou-me que, independentemente do contexto em que estamos inseridos, seja o mundo corporativo ou uma comunidade vegan no meio da Eslovénia, todos temos as mesmas necessidades e somos todos humanos. De certa forma, voltei ao mundo corporativo com uma mentalidade um pouco mais humana. A pessoa que está à minha frente tem, obviamente, objectivos de negócio, mas não deixa de ser um humano e tem de ser tratada como tal. Quer estejamos em Portugal, ou na China, as formas de expressão são diferentes, mas as necessidades são as mesmas. Tendo isso em mente, ajudou-me imenso nas relações interpessoais e deu-me a capacidade de criar projectos maiores.

De que forma é que os Açores influenciaram as suas decisões? Tem planos para futuras contribuições na Região?
A influência é óbvia. Nos Açores, temos uma capacidade de trabalho muito acima da média e isso ajudou-me muito lá fora. Para além desta capacidade de trabalho e resiliência, a insularidade faz com que sejamos muito curiosos. O açoriano é, por natureza, muito curioso, quer saber o que está para além e essa é uma semente que levo comigo. Nunca estou satisfeito. Quero sempre conhecer pessoas novas, sítios novos, novas culturas e perceber como funcionam ou descobrir como os posso ajudar. Não seria o que sou sem os Açores e teria todo o gosto em ajudar. Acredito que os meus pequenos retornos à ilha e a partilha de experiências já contribuem de alguma forma.

Qual é o conselho mais valioso que recebeu e eu gostaria de partilhar com os nossos leitores?
Se vamos fazer algo, mais vale fazê-lo bem. Creio que existe muito o pensamento de “fazer só por fazer”, mas quando fazemos algo e sabemos que nos comprometemos a fazê-lo com integridade e a pensar no bem comum, a recompensa é muito maior.
Por outro lado, e isto tenho vindo a aprender muito com a cultura inglesa – que tem uma capacidade de construção de sistemas bastante elevada -, nós somos muito bons a resolver problemas de forma reactiva, no entanto, há que olhar para o problema e perceber como podemos resolvê-lo de forma sistemática. Somos muito bons a resolver “à última da hora”, mas temos de encarar os problemas sem o drama desnecessário que advém disto.
Portanto, em primeiro lugar fazer bem e de forma integra e, em segundo lugar, ser reactivo, mas também ter a capacidade de analisar o que foi feito e de construir um sistema em cima disso porque vai beneficiar muito o trabalho e a vida da comunidade de modo geral.

Daniela Canha
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