Correio dos Açores – Pode contar-nos um pouco sobre o seu percurso académico?
Diogo Borges de Sousa Mota Melo – Estudei Economia na Católica Lisbon School of Business and Economics, e fiz mestrado em Finanças, na EADA Business School, em Barcelona. Durante a minha licenciatura nunca fui um brilhante aluno, nem perto disso, nem o procurei ser. Procurei sempre fazer as coisas da maneira que queria e que gostava. Aprendi a pensar mais do que a estudar. Foi aquilo que fez a minha carreira e a minha vida.
Quando descobriu que queria seguir esta área?
Não me lembro de pensar em querer fazer outra coisa, para ser honesto. Além disso, sempre fui uma pessoa que sempre gostou de política. Economia foi algo muito natural. Depois rapidamente percebi que não ia ser professor universitário, nem investigador de um banco central. Percebi que finanças era o melhor caminho para mim.
Tive sempre oportunidades muito boas e trabalhei naquilo que gostava, que eram transações, nomeadamente no sector das energias renováveis e infra-estruturas. Sempre estive maioritariamente ligado a isso.
Acho que as pessoas devem viver experiências e ter horizontes alargados. Escolhi Economia porque sabia que era a ciência que queria estudar. Depois especializei-me naquilo que queria trabalhar, que é finanças, que é uma parte dessa ciência.
Com apenas 28 anos, conta já com um currículo notável, tendo já trabalhado em várias empresas reconhecidas.
Estive no Millennium BCP. Trabalhava como consultor de mergers & acquisitions. No fundo, fazia de assessoria tanto na venda como na compra de empresas. Neste caso, até maioritariamente activos renováveis. É uma função, diria, algo semelhante a um agente imobiliário, mas diferente porque não estamos a tratar de casas, estamos a tratar de parques solares e eólicos, auto-estradas. Acaba por ser um pouco mais exigente. Contactamos com muita gente. Acabamos por coordenar toda a componente de advogados, de investidores. Também acabamos por ter muito contacto com muitas pessoas muito interessantes. Trabalhamos com as maiores empresas do país.
Agora, no ib vogt Gmbh, na Alemanha, estou do lado de um developer solar e acabo por ter muito contacto com os bancos. Basicamente tenho duas funções. Uma é angariar dívida para a componente de dívida dos parques. Há muita relação com os bancos, nesta fase. Depois tenho uma componente da venda dos parques. O modelo de negócio da empresa onde estou é desenvolver os parques, desde conseguir as licenças a conseguir, depois, os terrenos, tratar de toda a componente da construção propriamente dita, a engenharia, a contratação das empresas todas que vão fazer as diversas partes dos parques solares, a contratação dos painéis, das estruturas metálicas, etc.
Depois tendencialmente estes parques são vendidos em diferentes fases de desenvolvimento, sendo que o objectivo é sempre, mais ou menos, quando eles estão próximos do início da operação ou pouco depois disso.
Tendo em conta que é ainda jovem, a que se deve todo este percurso já realizado?
Há muita gente que me considera novo para aquilo que faço, mas há muitos outros que me consideram velho. Acho que tem tudo um pouco a ver também com a dedicação que as pessoas têm.
Há um ponto que acho que é sempre interessante que é: nunca tive um horário de trabalho – e recuso um lugar que me dê um horário de trabalho- mas estou sempre disponível. Se for preciso trabalhar 16 horas num dia, ou 20, para fechar uma transação, vou estar lá, e se for preciso ficar fechado durante um fim-de-semana também. Em contrapartida, se me apetecer tirar uma tarde no Verão, porque não tenho nenhuma transação ou negócio para fazer, não tenho qualquer tipo de peso na consciência em fazer isso. Sou uma pessoa que liga a resultados. O salário nunca foi um critério de decisão nos sítios por onde passei. Sempre trabalhei com pessoas que me ensinaram muito e com quem me dou muito bem.
Sou uma pessoa liberal, a todos os níveis, portanto, acabo por aplicar isso à minha própria vida. Sigo-me muito pelos meus princípios e não tanto por aquilo que a sociedade ou as pessoas julgam que é o correcto. Faço as coisas muito à minha maneira.
A maior parte dos meus colegas que se estão a dar bem fizeram-no por uma vida académica de excelência, eu fiz por via de ser a pessoa mais diferente, no sentido de ser a pessoa que sempre pensou pela sua cabeça.
Ainda em adolescente já era fluente em Inglês. Mostrava aptidão não só para os números, mas também para as línguas.
Sim. Acho que aprendi a falar inglês mais ou menos ao mesmo tempo que aprendi a falar português. Profissionalmente, mesmo em Portugal, não me lembro de ter produzido um documento que não fosse em inglês.
Pela sua experiência, fora de Portugal há mais oportunidades, e mais recompensadoras, nesta área?
Conheço bem Lisboa, porque vivi lá 10 anos. Ganhava bastante mais que o salário médio nacional. Felizmente não tinha de pagar uma casa, porque se tivesse andava a contar tostões e se calhar o meu ordenado não dava para pagar.
Em Berlim, ganho pouco mais que o salário médio da cidade, pago uma casa e sobra-me muito. A cidade é muito barata. É tão ou mais barata que Lisboa. De facto, a qualidade de vida não tem comparação, os transportes funcionam 24 horas por dia. Por exemplo, o sistema de saúde lá funciona à base de seguros. Há um sistema de pensões que capitaliza e não paga reformas de quem está hoje na reforma, que é uma coisa que sempre me irritou em Portugal. Existem apoios sociais, mas são para corrigir deficiências económicas, não são uma maneira de fazer política. Mesmo Espanha, nota-se que é um país que tem uma mentalidade e cultura diferentes.
Gosto de politica e sou uma pessoa algo envolvida na politica, e sempre disse – e é a minha maior convicção – que o maior problema de Portugal está na mentalidade das pessoas, mas não é de agora.
Em Portugal trabalha-se mais horas que em qualquer outro sítio que eu tenha conhecido, porque se trabalha mal. Mesmo nos lugares de alta performance em Portugal, trabalha-se muitas horas, mas não significa que se trabalhe muito bem. Na Alemanha trabalho menos horas, mas noto que toda a gente que trabalha comigo trabalha muito melhor, a começar porque não há cultura das duas horas de almoço.
Na Alemanha há uma grande liberdade de, se calhar, em alguns dias não trabalhar, por exemplo. Esta semana tive uma situação familiar mais complicada, mas era suposto estar na Alemanha e disse ao meu chefe que não ia para lá esta semana e que provavelmente também não ia na próxima. Não há problema. Estou há dois meses numa empresa e só fui duas vezes ao escritório, porque fica longe e perco tempo em transportes. Lá enviam os ecrãs para casa, cadeiras para trabalhar, etc, desde que faça o meu trabalho.
Há uma cultura que é orientada para o resultado, e não para o controlo. Se eu cumprir o meu trabalho, ninguém quer saber se eu trabalhei uma ou vinte horas. É basicamente tudo flexível.
Considera que se as empresas em Portugal implementassem este método de trabalho, ficavam todos a ganhar?
Acho que isso é possível em certas áreas de negócio, e em certas posições dentro das empresas. Não é possível em todas as posições, por um conjunto alargado de razões. Agora, o que eu acho é que não existe uma cultura de produtividade em Portugal. Essa cultura que não existe cá começa desde o nosso sistema de ensino. Assusta-me que haja pessoas da minha idade que não saibam o que é uma taxa de juro, ou o IRS, ou um sistema de segurança social e os tipos que existem. Não noto isso nas crianças dos outros países, nem sequer nas pessoas de 30 anos.
Portanto, a falta de literacia financeira que existe no nosso país é um dos factores do nosso atraso. Há umas semanas existiu um decreto de lei que procurava aumentar a literacia financeira. A OCDE há mais de 10 anos alerta que Portugal está na cauda. A verdade é que aqueles a quem convém que o povo se mantenha ignorante decidiram votar contra. Isto só beneficia quem está lá. Em Portugal, há uma pirâmide geracional cada vez mais invertida. Essa inversão tem custos a diversos níveis, um dos quais é: os principais beneficiários do sistema são os reformados de hoje em dia. É um problema complexo, e que só se resolve através do crescimento económico, mas é o facto que o que temos neste momento é um país brutalmente desigual, em que os seniores têm alguma qualidade de vida – que é baixa, com reformas miseráveis – à custa de uma asfixia de impostos na classe mais jovem. Na Alemanha, pago mais ou menos a mesma taxa de imposto que pagava em Portugal, mas tenho um salário bruto que é três vezes superior, numa cidade que é mais barata que Lisboa.
Há questões que são muito açorianas, e da açorianidade, mas o maior problema dos Açores é a mentalidade portuguesa e é a nossa forma de organização societária em Portugal. É o país, como um todo, que não é capaz de criar um crescimento que seja sustentado e que seja de facto em benefício da sociedade. O que acontece em Portugal é que para se tentar chegar um pouco a todo o lado, não se chega a lado nenhum. Em vez de nos concentrarmos em deixar de ser um país pobre, concentramo-nos em distribuir aquilo que ainda não criamos.
Uma solução para reverter este paradigma seria apostar na literacia financeira nas escolas?
Acho que seria um pequeno passo. O que eu gostava era que a maior parte da população soubesse um pouco mais sobre o que é que são as contas, que soubesse ver no seu recebido de vencimentos quanto é que paga ao estado, e que para além daquilo que aparece no recibo de vencimentos as empresas ainda pagam 14% de Segurança Social, que por lei, nem sequer pode aparecer nesse recibo.
Existe um problema que tem a ver com a progressividade da nossa carga fiscal. Uma pessoa começa a focar-se muito na progressão da carreira quando chega ao escalão máximo. Até chegar aí sei que de todos os meus incrementos salariais, a maior parte vai para o estado. Isso desmotiva qualquer pessoa. O nosso sistema fiscal é um entrave ao nosso crescimento económico, na minha opinião. Depois, o nosso próprio IVA, a nível nacional, também não ajuda.
Tudo isto acontece porque temos uma falta de cultura não só financeira, mas também política. É todo um conjunto que tem a ver com mentalidades e que acho que vem de cima para baixo. Está demasiado enraizado e depois somos um povo muito adverso à mudança.
Nos Açores existe uma lei de autonomia que limita muito aquilo que pode ser feito. Podemos ter impostos mais baixos, mas não se pode mudar o sistema fiscal. Acho que nos Açores existe muita pobreza, mais do que pobreza física ou financeira, é pobreza de espirito, e isto resolve-se dando actividades às crianças. Acredito que só podemos progredir pela educação e pela primazia do ser humano. Portanto, acho que é crítico a prática desportiva, actividades complementares nas escolas, a revisão dos próprios currículos. Nenhum sítio do mundo cresce quando se fecha. Se não conseguimos trazer o mundo para cá, então que os nossos vão lá, conheçam o mundo e voltem. O que não podemos fazer é fechar horizontes.
Mariana Rovoredo