Com loja localizada no Mercado da Ribeira Grande, a Queimado pretende ser mais do que uma marca de surf, mas sobretudo uma homenagem ao mar, à natureza e ao icónico milhafre dos Açores: “É um pássaro que fica, um pássaro forte e resistente. E é isso que quero que a minha marca represente, produtos que ficam, que são resistentes”, afirma Roberto Borges, que começou por construir pranchas de criptoméria e agora tem desde pranchas de skate originais a uma linha de vestuário.
Homenagem ao “Queimado”
O milhafre dos Açores
Para Roberto Borges, o criador da marca Queimado, o gosto pela carpintaria e pelo mar sempre fizeram parte do seu percurso. Afirma que “com nove anos apanhava ondas na praia do Monte Verde com bocados de tábuas que encontrávamos”, mas foi só quando o filho começou a mostrar o gosto pelas ondas que decidiu concretizar o sonho antigo de construir uma prancha de surf.
“Sempre gostei de surf, mas em pequeno não tinha acesso a essas coisas. Quando o meu filho começou a crescer, tentei levá-lo sempre para o mar. Ele começou no bodyboard e depois percebeu que queria andar em pé. Foi aí que percebi que estava na hora de cumprir com aquilo que sempre quis fazer, uma prancha de surf. Mas tinha de ser uma prancha diferente e dentro dos materiais que eu gostava.”
A construção da primeira prancha para o filho deu-se por tentativa e erro e “atendendo às dimensões e o tamanho dele, vi que não era adequada e fiz uma maior, quando o vi no mar é que percebi e fiz uma terceira”.
O nome Queimado é como tradicionalmente se designava o milhafre nas ilhas dos Açores, e para esta marca é uma forma de o homenagear “e manter uma identidade regional. É uma ave muito forte e acredito que devíamos preservar muito mais a sua imagem.”
Avistado em grande número, o milhafre foi confundido pelos primeiros navegadores com um açor, e é ao perguntar pelo nome desta marca que muitos ficam a conhecer o erro histórico que deu origem ao nome da Região. Segundo Roberto Borges: “as pessoas perguntam o que é o Queimado e por ser um nome carregado de história, acaba por ficar na memória das pessoas.”
Adianta que “talvez fosse diferente se o nome estivesse relacionado com o mar, mas é um nome relacionado com a natureza e tudo o que vendemos na nossa loja é feito cá, ou por pessoas de cá.”
Madeira 100% açoriana
As pranchas Queimado são feitas com madeira de criptoméria e acácia. A criptoméria, “porque é uma madeira mais leve. Por vezes, no interior da prancha algumas partes levam madeira de acácia. Faço questão que as madeiras sejam da Ribeira Grande porque é mais próximo do centro da marca. Acácia serve para reforçar algumas partes da prancha, ou como elemento decorativo”.
Para além das pranchas de surf, o criador da Queimado também faz pranchas de skate, com um reforço inovador e completamente açoriano: “As pranchas de skate são feitas em tábua de acácia minada com um tipo serapilheira, e há uma lâmina por baixo da tábua que faz com que ela seja extremamente resistente.”
Uma forma diferente de abordar
o surf e o contacto com a Natureza
Para o criador da marca, a diferença entre as pranchas de madeira e as pranchas convencionais é o facto de que as primeiras “não são para o surfista comum”, e fazem parte de uma abordagem que não está ligada à competição ou às “manobras”.
“São para quem gosta do surf e quer desfrutar da prancha, do mar e os momentos à sua volta. O sentimento é diferente, é mais ligado à natureza, mais ligado ao prazer e à satisfação de estar descontraído. É uma forma mais natural de abordar o surf. É para ir de manhã e ficar no mar até ser escuro. Para mim, o importante é estar na água e esquecer o que está na terra. A prancha de madeira é para estas pessoas, não para a competição.”
Sobre a acessibilidade dos locais
Quando questionado acerca do crescimento e do surf na Região, o empresário ribeiragrandense explica que, embora se esteja a fazer muito pela promoção do surf de uma perspectiva externa, ainda não se encontrou o caminho certo no que toca à fixação dos locais.
“Falta olhar para o surf de uma perspectiva social” e “se queremos criar tradições, temos de, em primeiro lugar, incutir o gosto nas crianças, mas nem todos têm possibilidade para tal, pois, actualmente, o surf não é para todos, é só para um grupo de pessoas”.
Neste sentido, Roberto Borges acredita que o surf tem um potencial que deveria ser aproveitado na Região, tal como acontece com outros desportos onde clubes e associações garantem o material e o transporte “para que as crianças possam ter contacto com o surf. Conheço muitas pessoas a dispostas a doar pranchas, por exemplo. Eu próprio tenho uma ou outra que posso dispensar. “Gostaria que o surf tivesse o mesmo tipo de compreensão que os outros desportos. Querem enraizar o surf nos Açores, mas na minha óptica não estão no caminho correcto. Há uma boa promoção, chamam pessoas para cá, há uma imagem muito boa da Ribeira Grande, mas falta a outra parte. Falta a vertente de fixação dos locais.”
Linha de vestuário Queimado
Para além das pranchas de madeira, a loja localizada Mercado Municipal da Ribeira Grande, também vende roupa e vários produtos artesanais feitos por mão açoriana. O empresário explica que quando começou a fazer pranchas de surf percebeu que estas não eram acessíveis a todos, mas que isso deveria ser um impedimento para que “o pessoal da Ribeira Grande ou de qualquer outro sítio tenha um pouco da minha marca.”
Roberto acredita que é muito importante incentivar as pessoas a comprar aquilo que é regional. Para além disso, aqueles que nos visitam querem levar um produto com a nossa identidade: “Quando os surfistas vêm cá, não querem comprar roupa de uma marca que existe em todo o mudo, querem algo dos Açores. Para mim não faz sentido que um australiano venha cá fazer surf para comprar uma t-shirt da Billabong que é uma marca australiana. Se estão a levar Queimado, estão a levar uma t-shirt que diz “eu estive nos Açores. Estive na Ribeira Grande e há uma história por detrás desta marca. Estão a levar consigo a minha marca, a sua história e os ideais que ela representa.”
“A nossa liberdade está naquilo
que conseguimos fazer”
Desde a inauguração da loja, em Julho de 2021, a recepção da marca tem sido muito positiva, mas Roberto Borges afirma que, para já, a finalidade da Queimado não passa por ganhar dinheiro, mas por “estabelecer uma identidade própria. Aquilo estamos a fazer apenas serve para pagar as contas. Vejo as coisas daqui a 50 anos. A minha preocupação não é o agora, porque as coisas que são criadas com alma, com foco e com espírito são aquelas ficam enraizadas.”
“Sou polícia, e para além da marca Queimado também faço muitas outras coisas. Costumo dizer que a nossa liberdade está naquilo que conseguimos fazer. As pessoas confundem expressão com o conseguir fazer. Não basta expressar a vontade de fazer alguma coisa. Se a pessoa não produzir, não tem liberdade. É sobre movimento,” conclui.
Daniela Canha