Graças à gravação feita pelos serviços competentes, pude assistir, em diferido, ao Concerto de Ano Novo da Orquestra Filarmónica de Viena, dirigida pelo Maestro Christian Thielemann. É um verdadeiro acontecimento artístico e social, de ressonância europeia e até se pode dizer mundial, já que são muito numerosas as estações de televisão que se ligam à TV austríaca para o retransmitir em directo, sempre a partir da Sala de Concertos dourada do Musik Verein.
O ambiente é requintadíssimo e os lugares são disputados com grande antecedência e por preços muito altos. Este ano a sala estava mesmo atafulhada, com pessoas sentadas nos corredores de acesso ao palco e até por detrás da orquestra; algumas ficaram a seguir o concerto fora da sala, em pé, através de écrans de televisão.
A alta sociedade vienense estava toda lá e muitos estrangeiros, em posição de privilégio, também. Pareceu-me descortinar na assistência um antigo Presidente da República da Áustria, que tive o gosto de receber no Palácio de São Bento, quando da sua visita oficial a Portugal, sendo eu então Presidente do Parlamento. Sente-se no ar um certo saudosismo dos tempos antigos de glória do país e do mundo tranquilo da “Belle Époque”, magistralmente retratado no amargurado livro de Stefan Zweig “O mundo de ontem”.
A música ajuda a isso, com valsas, polcas e mazurcas dos mais variados compositores, com destaque para os da Família Strauss. Aos primeiros acordes do “Danúbio Azul” o público rompe em aplausos e fica-se a pensar que o concerto seria incompleto sem essa peça imortal.
Houve, como de costume, a intervenção de bailarinos e bailarinas da Companhia Nacional Austríaca, gravados em cenários de sonho dos palácios e jardins que pelo país abundam. Desta vez não gostei das coreografias, mas isso é uma questão de gosto, que por isso não tem discussão.
A Filarmónica de Viena é uma grande orquestra, de merecido prestígio mundial, e os seus créditos foram uma vez mais confirmados. A execução das várias peças constantes do programa, e dos extras, bem entendido, foi deveras primorosa; e o público presente na sala não regateou os seus entusiásticos aplausos ao Maestro e ao conjunto orquestral . Destacou-se o primeiro tocador de flauta, que Christian Thielemann fez levantar no fim do concerto para reconhecimento e destaque. Por sinal, tinha estado a observar a prestação dele ao longo da transmissão, procurando identificar a pessoa minha conhecida com a qual ele se parecia – e não é que se tratava de um sósia perfeito do nosso simpático Presidente Luís Garcia, da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, com óculos e baixinho de estatura, que não de valor, como este é?
Ao som da música somos transportados para os salões de outrora, onde se rodopiava despreocupadamente, enquanto cá fora se acumulavam as tensões que iriam rebentar na Grande Guerra e nas revoluções que se lhe seguiram. O encanto da música, enquanto manifestação de Arte, prevalece, porém, sobre quaisquer situações problemáticas que se lhe possam associar.
Estive em Viena várias vezes e em diversas estações do ano. Impressionou-me a limpeza da cidade, as suas belas igrejas barrocas e o fausto dos seus palácios, testemunhas mudas de um grande império, da qual foi a capital, e que já não existe.
Numa dessas estadias, para uma reunião da Comissão Permanente da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, foi-nos proporcionada uma visita ao Museu da Orquestra Filarmónica de Viena, situado, se a memória não me falha, no palácio de uma das antigas famílias aristocráticas da Áustria. Para além de muitas recordações dos êxitos da orquestra e dos seus sucessivos maestros, alguns deles famosíssimos, e já a terminar o percurso, aguardava-nos uma secção inter-activa, na qual os visitantes eram convidados – ou, talvez melhor dito, desafiados – a experimentar as tarefas de direcção. Como ninguém mais se voluntarizasse, arrisquei-me a subir ao pódio e tomar a batuta; escolhi a bem conhecida Marcha Radewski, carreguei no botão e no écran surgiu-me a orquestra à espera do meu sinal para começar… Até aí ainda cheguei e o conjunto começou a tocar os primeiros compassos da peça, mas eu é que não consegui continuar, apesar de já ter visto muitas vezes como fazem os que deveras sabem do assunto. Parei e a orquestra também… E quando descia do palanque, no meio das gargalhadas dos meus colegas, fui ainda surpreendido pela invectiva de um dos membros da orquestra projectada no écran, que dizia qualquer coisa como “O senhor não percebe nada disso”, o que era exacto e por isso tive de aceitar. Valha-me que não terei sido o único a falhar o desafio e daí já estar de antemão gravado o comentário depreciativo, mas afinal bem humorado
Em tempo: o meu sobrinho-neto Francisco, que é engenheiro informático, criou um site com a designação Opinião de João Bosco Mota Amaral e o endereço motaamaral.pt onde alojou todas as minhas crónicas do ano passado; o objectivo é facilitar o acesso, de quem porventura esteja nisso interessado, a todos os textos que tenho publicado na imprensa ao longo do tempo, mas para isso requer-se vagar para pesquisas, que não me foi possível ainda disponibilizar.
João Bosco Mota Amaral
(Por convicção pessoal, o Autor
não respeita o assim chamado
Acordo Ortográfico.)