1 – Estamos a pouco tempo de celebrar os cinquenta anos do 25 de Abril que acabou com a ditadura e abriu caminhos para instaurar a Democracia em Portugal. Em nosso entender, nunca é demais lembrar tais momentos que criaram um marco importante na História do País.
2 – Devido à distância entre as Ilhas e o continente, ao tempo, as notícias dando conta da abertura do caminho para a liberdade chegaram com algum atraso, tal como era costume chegar atrasado tudo o que dependia do Estado, tal como ainda acontece, não só pela distância mas pela fraca comunicação e empenho do continente para com as Ilhas, e hoje para com a Região.
3 – Estamos separados pelo mar que tão cobiçado é pelo Estado, mas sempre que somos fustigados pelas tempestades esquecem-se das promessas e vão passando de Governo em Governo sem que seja cumprido o que é prometido. Ainda estamos no início da obra de recuperação do Porto das Flores e outra partida nos pregou o “Hipolito” que se passeia nos Açores, e já provocou estragos em vários sítios, mas sobretudo na Horta que, segundo estimativas do Governo, ultrapassam já os dez milhões de euros, sem se ouvir sequer um conforto da República.
4 – Temos de reconhecer que, nos últimos cinquenta anos, se deu uma profunda alteração nos Açores. Lutou-se pela Autonomia e, com a sua implantação, houve modificações profundas nos costumes da população que era essencialmente rural e foi-se transformando numa população urbana, ou com hábitos urbanos. Renderam-se ao consumismo, descolaram do apego à terra, têm mais e melhor acesso à instrução embora sem atingir ainda os resultados desejados. Em contrapartida, as pessoas reclamam pelos direitos, esquecem-se, porém, dos deveres de cidadania que têm de respeitar e sobretudo aceitar.
5 – Na nova sociedade criada neste meio século, sente-se apatia e falta de empenho cívico dos cidadãos no acompanhamento e participação da gestão da coisa pública. Entretanto, foram beneficiados pela globalização, mas como resultado têm-se deixado levar pelos estropícios que ela implica.
6 – Desde então, atravessamos três ciclos importantes: O ciclo da construção e afirmação do auto-governo, a que se seguiu o ciclo da criação das infra-estruturas necessárias ao desenvolvimento harmónico de todas as Ilhas, em termos sociais, económicos e culturais.
7 – Depois, com a criação da Zona Euro e com a quota-parte dos Fundos Comunitários que couberam à Região desde 1996, e com a assumpção da dívida pública pelo Ministro das Finanças, Sousa Franco, em 1999, desenvolveu-se então o ciclo de crescimento económico, que foi depois travado pela grave crise financeira gerada de 2009 a 2014.
8 – Ao longo destes 48 anos de Governo próprio, notam-se sinais de definhamento na gestão da Autonomia, em parte pela transferência de poderes dos Estados para a União Europeia com a consequente perda de competências, mas sobretudo pelo esquecimento de ser usado e reclamado o poder que a Constituição e o Estatuto nos confere. Falta à Região a firmeza que é necessária.
9 – Descuida-se a especificidade própria dos Açores e o tratamento que isso requer, colocando-se muitas vezes a Região ao abrigo da extensão de normativos desajustados à nossa condição arquipelágica e ao espaço económico que formamos, constituindo por isso bloqueios que impedem, muita vez, investimentos importantes para garantirem o desenvolvimento.
10 – Para cuidar esse mal, a democracia representativa que nos rege precisa criar um modelo participativo, em que os cidadãos sejam parte, e co-responsáveis pelas opções nas áreas administrativas, económicas, sociais e culturais, usando-se para o efeito, sempre que necessário, o instrumento referendário, devendo para isso ser revisto e desburocratizado o quadro legal existente. Dessa forma, os cidadãos dando a sua opinião tornam-se co-decisores na gestão da coisa pública.
11 – As opiniões expressas pelos cidadãos e pelas várias instituições, não podem ser temidas nem ignoradas por quem governa. Elas devem antes representar uma mais-valia para os legisladores e para os decisores políticos.
12 – A nosso ver, esta deve ser a postura dos partidos políticos e dos seus dirigentes, para garantirem a saúde da Autonomia sabendo ouvir, e dispostos a dialogar, fugindo dos oportunistas e separando o trigo do joio e, sobretudo, sentirem os cidadãos como parte do processo e não como adversários de quem governa.
Américo Natalino Viveiros