Um Colectivo de Juízes do Tribunal de Ponta Delgada começou a julgar ontem um homem de 32 anos, residente na vila de Rabo de Peixe, acusado de dois crimes de homicídio. As vítimas são dois homens igualmente residentes na vila. Para além destes factos, estão por definir alguns pedidos de indemnização feitos pelas famílias das vítimas.
De acordo com a acusação do Ministério Público, os crimes de que é acusado remontam ao dia 27 de Março de 2022, pelas 22h00, altura em que o arguido se terá encontrado com as vítimas no Snack-Bar Canadiano, na vila. Pela 01h30 do dia 28 de Março, os três homens ter-se-ão dirigido para a Rua de São Sebastião, rua esta que abrange de um lado moradias e do outro um muro que ladeia a envolvente até ao porto de pescas de Rabo de Peixe, de acesso para a arriba. Aí, existem várias calhas de retenção de água, sendo que a distância entre o muro e o primeiro patamar é de cerca de 4 metros e até ao último é de aproximadamente 30 metros.
Alegadamente, as vítimas iam a caminhar à frente e o arguido seguia atrás. Uma das vítimas ter-se-á envolvido numa discussão verbal com o arguido. De seguida, o arguido terá desferido um soco nas costas de uma das vítimas e ter-se-ão envolvido numa contenda, tendo a outra vítima intervindo. Após isso, a acusação acredita que o arguido terá sido o causador da queda dos dois homens, cenário que o Tribunal esteve ontem a averiguar.
Uma das vítimas ficou imobilizada no sétimo patamar e sofreu vários ferimentos que viriam a resultar na sua morte a 2 de Abril de 2022, no Hospital do Divino Espírito Santo, devido a lesões crânio-encefálicas. Já a outra vítima, cuja queda foi de maior altura, teve morte imediata, que resultou de lesões traumáticas crânio-encefálicas e esmagamento da medula.
Segundo o Ministério Público, o arguido sabia o que fazia e agiu com o propósito de tirar a vida às vítimas.
De referir que a esposa de uma das vítimas se encontrava grávida na altura dos factos, tendo dado à luz no dia a seguir ao ocorrido.
Versão do arguido
Após ouvir os factos sobre ele imputados, o arguido optou por prestar declarações em Tribunal. Negou ter sido o autor dos homicídios e afirmou que as vítimas eram seus amigos. O acusado referiu que os dois homens seguiram para a Rua de São Sebastião e que ele ia a caminho de casa, quando ouviu gritos e foi, a correr, ver o que se passava. Chegado ao local, afirmou ter visto aos dois homens caídos nos patamares, um mais abaixo do que o outro. Após ter constatado o que se passava, optou por ir avisar as famílias das vítimas. Negou, assim, a versão da acusação.
Versão das testemunhas
A primeira testemunha a ser ouvida em Tribunal está actualmente a cumprir pena de prisão e relatou conhecer o arguido “de fumar sintética.” No dia da tragédia, referiu que estava à procura de um local para consumir, acabando por fazê-lo numa casa devoluta em frente à rocha, quando afirmou ter visto os três homens. Explicou que as vítimas iam a caminhar à frente e o arguido atrás, e alegou ter visto o arguido dar um soco nas costas de uma das vítimas “à falsa fé”, tendo a outra vítima intervindo. A testemunha asseverou, ainda, ter visto o arguido e uma das vítimas a debruçarem a outra vítima no muro, elucidando que do outro lado do muro, antes da ravina, existe uma faixa de terra.
Salientou que não tinha visibilidade, do sítio onde se encontrava, para ver além do muro, mas relatou ter visto o arguido a levantar a perna e a dar um pontapé para a frente.
Tendo em conta que a testemunha estaria a prestar um depoimento com omissões em relação ao que prestou em sede de inquérito, a Procuradora do Ministério Público solicitou que fossem lidas as declarações que a testemunha havia prestado na Polícia Judiciária, pedido este que foi deferido pelo Juiz Presidente do Colectivo que está a julgar este caso.
Nas declarações, a testemunha, após chegar ao Café Benfica, disse: “eu acredito que o outro guindou os outros dois pela rocha abaixo.” Referiu, ainda, como tinha consumido produto estupefaciente, que até julgava que estava “a ter visões”. Afirmou ter visto o arguido “saltar do lado de dentro do muro para a rua com as mãos na cabeça” e contou que soube mais tarde, por familiares do arguido, de que este se tinha tentado enforcar.
Mãe e irmão de uma das vítimas
testemunharam em Tribunal
A mãe de uma das vítimas foi testemunhar na audiência de ontem. Recordou que o arguido foi bater à sua porta, pelas 02h00, a dizer que o seu filho tinha caído “pela rocha abaixo” e estava morto. A progenitora afirma ter questionado o arguido sobre como sabia que era o seu filho, ao que ele terá respondido que tinha visto com a luz do telemóvel.
Chegada ao local, a testemunha assevera ter tentado ver com a luz de dois telemóveis e, mesmo assim, não terá sido possível comprovar de que se tratava do seu filho. Elucidou que apenas percebeu que era o seu filho quando desceram a rocha e se aproximaram do corpo.
Um dos irmãos de uma das vítimas também foi ouvido em Tribunal. No seu testemunho, salientou, sobretudo, o facto de o arguido ter dito, num primeiro momento, que não se tinha chegado perto dos corpos, no entanto, após terem reparado que o acusado estava com a orelha suja de sangue, este já mudou a versão da sua história e terá dito que tinha “ido lá abaixo ver.”
O julgamento prosseguiu durante a tarde de ontem. O arguido encontra-se em liberdade a aguardar a leitura da sentença.
C.P.