Anda toda a gente a ferver por essas cidades e aldeias. A contagem dos votos nunca esteve tão perto e a ânsia já não era tão intensa há muito tempo. Juntam-se vontades e ignoram-se diferenças para o propósito fundamental que é vencer. A 4 de fevereiro, na região, iremos ter uma noite longa de negociações, arranjos e soluções. Será a primeira parte de um jogo que termina em março.
Uma maioria de centro-direita ou centro-esquerda parece ser a situação governativa mais certa, agora que os partidos menos moderados já disseram que não a novas geringonças ou outros arranjos de poder.
O congresso da direita radical trouxe especial trabalho ao polígrafo, que teve de fazer muitas horas extraordinárias, para fazer o diagnóstico de todas as intervenções, discursos e informalidades discursivas, esmiuçando as promessas inverosímeis e irrealizáveis, entre mentiras, atestados de ignorância e alguma má fé que se foi ouvindo.
Os indefetíveis do partido, ainda assim, parecem-me ser iguais aos indefetíveis de outros partidos semelhantes: a fé não deve ser questionada, os nossos estão sempre certos e os outros estão eminentemente errados. Por isso, o argumento de que Ventura não se dá bem com a verdade não é lá muito bom, e acho até pouco decisivo aos olhos dos portugueses, já que percorre o senso comum, nas conversas de café, no supermercado e nas casas do cidadão comum, de que os políticos usam de qualquer argumento para convencer o povo, mesmo que se venham a socorrer de pouco apego à verdade.
Vejamos sobre isto algumas intervenções do novo secretário-geral socialista. À imagem de Ventura, Pedro Nuno Santos foi amplamente escrutinado pelo polígrafo, e foram muitas, também, as vezes que o que foi dito esteve longe da verdade. E apesar de, ao contrário do seu antecessor, PNS tentar jogar mais limpo aos olhos dos eleitores, a realidade é que, em ajuntamentos de massas, é crucial empolgar os militantes e, na maior parte dos casos, nada melhor do que um exagero consentido ou um bitaite amadurecido, no qual cabe sempre um ataque feroz ao adversário, mesmo que para isso seja necessário escamotear, ensombrar ou ignorar a verdade. Se o tema é a verdade ou mentira, e apesar de Ventura usar e abusar desta dicotomia com assuntos demasiado sérios, a realidade empírica revela que este é um jogo que todos sabem, querem e praticam quando precisam.
Esta conclusão junta-se a outras, que têm ajudado a transformar o partido de direita radical.
Hoje, muitos dos putativos eleitores do Chega fazem-no como forma de protesto, contra as desigualdades, os impostos altos, a corrupção, as injustiças a imigração ou os portugueses que recebem apoios estatais. Parte destas bandeiras foi sub-repticiamente roubada à esquerda, que passou a fazer parte do sistema, aos olhos de muitos trabalhadores da classe média e média-baixa. Não só pela passagem do tempo, mas fundamentalmente a partir do momento em que, em 2015, apoiaram a governação, criando expetativas que foram goradas. Mas vejamos, seriam sempre, porque infelizmente o sol nunca nasce para todos, e tão certo como a noite ou o nascer do dia, é a injustiça que temos de combater. Por isso, alcançou António Costa uma maioria absoluta, e os partidos à sua esquerda dedicaram-se a lamber as feridas e contar os sobreviventes no parlamento. Para muitos, a casa do voto de protesto passou a ser a direita radical.
A isto juntam-se outras ideias feitas que o povo parece já não querer ignorar. A captura das instituições independentes do Estado que fizeram um caminho de substituição de académicos e gente da sociedade civil por ex-ministros, ex-deputados e ex-governantes. A manutenção do status quo com a mesma lei eleitoral, que coloca no lixo milhares de votos (dos que ainda vão votar), adiando alterações urgentes sobre a criação de um círculo de compensação nacional e a criação de círculos uninominais ao estilo alemão, nos quais se vota no partido e no deputado que se quer eleger diretamente. Quantos conhecem os dois primeiros deputados eleitos pelo seu distrito ou região autónoma? Depois admiram-se dos votos no Chega e do afastamento das pessoas dos políticos e candidatos a isso (não propriamente da política, porque essa não tem dono).
Uma última nota: O cartaz da JS. Se a ideia é roubar um deputado ao BE, então estão no bom caminho. Se a ideia é ganhar votos ao centro e vencer eleições, a estratégia é um disparate.
Fernando Marta