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“A riqueza dos povos está na arte,” segundo o actor Rui de Carvalho, amante do chá verde da Gorreana e do queijo dos Açores

Nome incontornável do teatro, cinema e televisão em Portugal, Rui de Carvalho subiu ontem ao palco do Coliseu Micaelense para apresentar o espectáculo “Ruy, A História Devida,” onde contou histórias, algumas “picantes”, outras de “chorar”, dos bastidores da sua carreira de oito décadas. Após um passeio às Sete Cidades, conversou com a reportagem do Correio dos Açores, num ambiente informal e descontraído, no bar do São Miguel Park Hotel. O actor contou da época em que começou a vir aos Açores, aos 10 anos, e das visitas à Gorreana, cujo chá verde bebe ainda na sua própria casa. Ressaltou a importância da arte para os povos, mas diz que ainda não está totalmente satisfeito com o seu contributo para a cultura, porque ainda não consegui aquilo que eu queria que era ter um público permanentemente a encher os teatros todos do país.”

Correio dos Açores – O que nos pode contar sobre o espectáculo “Ruy, A História Devida.” O que significa para si?
Rui Alberto de Carvalho (actor; conhecido por Ruy de Carvalho) – Este espectáculo foi organizado pela minha própria empresa, a Yellow Star Company. Como eu contava muitas histórias da minha vida, a empresa lembrou-se de fazer um espectáculo com o meu nome, a contar as mesmas histórias, as boas, as más, e as picantes, que são muitas. Há muita coisa que acontece no teatro, normalmente no bastidor, que tem a ver com coisas com graça e normalmente as coisas com graça são muito picantes, são enganos, trocas de palavras, coisas que nos vão acontecendo.
O meu colega Luís Pacheco é que entrevista em cena, no espectáculo, e depois, aquilo que não posso explicar, explica ele. Ele pergunta às pessoas na plateia o que é que me querem perguntar. A minha entrevista é sobre a minha pessoa, que foi pensada e organizada para fazer uma peça é a primeira vez que faço de mim mesmo. Normalmente, as senhoras querem sempre histórias picantes, e há algumas muito picantes. São coisas que acontecem, com muita graça.
Espero que o público se divirta, porque é um espectáculo para divertir, e para chorar também se chora. Geralmente a vida dos artistas, às vezes, é um pouco triste. Trabalhamos quando estamos doentes, quando nos morrem parentes. Se dissermos que não podemos ir, o público não acredita. Os actores não podem falhar, nem os artistas devem falhar, nunca, no seu serviço ao público. É um serviço de amor, tem de ser feito com amor. Os actores têm de trabalhar com amor e respeito por aqueles que nos estão a ver. É o que eu faço, com muito respeito. Costumo dizer que o público é que é o nosso Ministério da Cultura. Normalmente, desafio o público a ser o Ministério da Cultura.
O espectáculo é uma homenagem que a minha própria produção resolveu fazer-me e que eu não esperava. É algo que me honra muito. Contava histórias aos meus colegas antes de entrar em cena, quando fazia as outras peças. É um espectáculo que está sempre esgotado.

Antes da entrevista, estava a dizer que vem aos Açores desde os 10 anos…
Sim, venho aos Açores desde os 10 anos. Vinha de barco, no Lima, no Carvalho de Araújo, no Arnel. Andei nesses barcos todos, em 1958. Comecei a ir à Gorreana quando era o seu princípio. Há 87 anos. Conheci os seus donos. O chá verde da Gorreana é o que tomo em minha casa.

Conhece todas as ilhas?
Trabalhei em todas. No Corvo, nas Flores. Já trabalhei em todas. A última em que trabalhei foi nas Flores, onde ainda não tinha trabalhado. Passei nas Flores no Arnel, um barco que foi ao fundo em Santa Maria.
Os Açores são muito bonitos, todas as ilhas são lindas cada uma tem a sua personalidade, uns falam de uma maneira e outros falam de outra. Eu percebo todos, eu gosto de falar à moda de São Miguel. Mas há outras ilhas que não falam assim, a Terceira não fala, a Graciosa não fala, São Jorge, Faial também não.
Já venho cá há muitos anos e tenho muito orgulho nisso. Não sou vaidoso, sou um cidadão normalíssimo como outra coisa qualquer com jeito para representar.Tenho jeitinho para representar e então aplico-me com muita qualidade, a mais possível qualidade e o maior amor pelo meu trabalho.

Quais é que diria que são os segredos para a sua longevidade e energia?
É não me preocupar com a morte. Portanto vivo a vida intensamente e tenho 18 anos por dentro. Não deixo de ter um miúdo cá dentro de mim, esse miúdo tem 18 anos.

Na altura em que principiou no mundo das artes era muito diferente do que é agora…
Representar não, havia era talvez mais público no teatro porque não havia tanta distração, não havia rádio nem televisão. A arte de representar em Portugal não é muito amada é mais o futebol e outras coisas. Também gosto muito de futebol, não quer dizer que não gosto, mas também gosto muito de teatro e gosto muito de arte, porque a riqueza dos povos está na arte. A arca do tesouro de um povo é a sua arca cultural. A que tem lá a cultura, a que tem o Fernando Pessoa, o Camões, os grandes poetas que nós temos, não vou agora citar todos, grandes escritores, muita gente que merecia o Prémio Nobel. É verdade, grandes homens que escreveram teatro, escreveram romances … temos gente muito ilustre na cultura. Só que às vezes não amamos tanto aquele nosso trabalho. Os portugueses tratam-se mal, podiam se tratar bem como os espanhóis. Esta entrevista já vai muito grande. Dou centenas de entrevistas, às vezes nem sei o que dizer. Digo tanta vez a mesma coisa que até faz pena.

Que espectáculosmais o marcaram?
Um dos que mais gosto é de um autor português, chama-se “O Render dos Heróis”, de José Cardoso Pires, que foi um grande escritor português. Como vê eu não tenho cor política quando falo de cultura. Na cultura tudo o que é bom vale a pena para o país, venha de onde vier ou da esquerda ou da direita. Acho que se devem ajudar, a da esquerda e da direita, e construir o melhor para o seu país.
Eu espero que os portugueses comecem a pensar nisso, construir o melhor para o seu próprio país. Trabalho para todos os portugueses, todos os que falam a minha língua e para aqueles que querem ouvir a minha forma de representar no estrangeiro. Também já trabalhei muito no estrangeiro.

Está satisfeito com o contributo que deu e dá ainda para a cultura?
Infelizmente não estou totalmente satisfeito, porque ainda não consegui aquilo que eu queria que era ter um público permanentemente a encher os teatros todos do país. Enchem os estádios com 60.000 lugares, mas não enchem os teatros com 100 ou 120 ou 150 pessoas.Têm de começar a encher salas de espetáculos.
Eu já pedi até a um presidente de um clube para um dia me dar a receita de um jogo de futebol com a lotação esgotada.O máximo que os teatros têm são 500 pessoas, 200 pessoas, 300 pessoas. Não há lotações muito grandes agora nos teatros, antigamente havia lotações de 1.000 e tal lugares.

Qual era o legado que gostaria de deixar para as gerações mais jovens?
Persistência e que lutem por aquilo que gostam, se for de teatro melhor ainda, se for de música, também. Tudo o que seja arte, são as preferências que dou à juventude, porque cultivar o espírito é a melhor receita para uma agricultura de um jardim maravilhoso.

Que conselhos deixaria para os jovens talentos açorianos?
Persistência, não desistam e cuidem-se. Quanto mais preparação tiverem, melhor é, porque o mundo está evoluindo, hoje há muita gente com muita mais cultura que antigamente havia. Há uma exigência muito grande de qualidade, não falar só na sua língua, a construir gramaticalmente muito bem, para ajudar a construir uma língua mais perfeita.
Nós temos a mania das ilusões.Para nós, a língua é mais bonita do que parece às vezes. Mesmo falado com prosódicos naturais, até. Há pronúncias como a micaelense, a do Porto, o alentejano ou algarvio. Há muita gente que fala com músicas diferentes, se eu posso chamar música. Agora vou fazer espetáculos em sítios completamente diferentes, no Alentejo, no Norte. Não desisto de votar, durante muitos anos não votei. Antes do 25 de Abril não votava, mas agora tenho liberdade e voto. Eu sou um apaixonado pela liberdade e da democracia e quero recomendar às pessoas que democracia é respeito, muito respeito pela opinião dos outros. Para se gozar a liberdade tem de se ter respeito, não se pode ser nem libertino, nem demagogo. Tem de se falar com a maior clareza para as pessoas perceberem e para serem felizes. Desejo ao povo açoriano a maior felicidade que vocês possam imaginar. Eu gosto muito de todo o povo açoriano, como gosto da Madeira e gosto do continente, do nosso pequenino Portugal que se estende por este mar fora.

Ruy, A História Devida” vai passar por mais uma ilha açoriana antes de Bragança

No espectáculo “Ruy, A História Devida,” o premiado actor “sobe ao palco, abre o coração e conta histórias inéditas da sua longa e inspiradora carreira. Histórias de amor, histórias de humor e até mesmo histórias para nos emocionar,” são contadas ao longo de uma hora. O público é convidado a fazer perguntas ao actor, tornando esta experiência mais do que um espetáculo, mas uma conversa intimista entre amigos.”
O espectáculo, organizado pela Yellow Star Company, foi encenado e adaptado por Paulo Sousa Costa, e o seu texto escrito por Paulo Coelho. A peça tem estado em digressão pelo país, tendo chegado agora aos Açores, mas de acordo com Marta Gomes, director executiva, a empresa quer levar a peça a mais uma ilha dos Açores e está “a tentar fechar uma data, mas ainda não é oficial. Vamos ver se conseguimos voltar a uma das ilhas dos Açores,” não revelando de que ilha se poderá tratar.
O actor Luís Pacheco, que contracena com Rui de Carvalho, explica que a inspiração para “Ruy, A História Devida” surgiu nas digressões da pela “Ratoeira”: “O Rui tem esta energia e mesmo depois dos espectáculos estava sempre a contar-nos histórias, nos bastidores, nos restaurantes, em todo o lado. A partir daí surgiu a ideia de contar estas histórias ao público. O Paulo Sousa Costa, o encenador tanto da Ratoeira como deste espectáculo, achou uma óptima ideia, e a partir daí escreveu-se o texto. O Paulo Sousa Costa fez uma adaptação deste espectáculo, encenou, e andamos pela estrada a fazer isto e a contar as histórias e, na verdade, muitas delas já conhecíamos, porque o Rui nos contava e deliciava constantemente com esses relatos da vida dele.”
Depois de São Miguel, a peça vai agora passar por Bragança, Setúbal e Alcácer.

Mariana Rovoredo

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