“Foi preciso eleições antecipadas nos Açores? O povo dirá e eu confio na resposta que será dada”
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Rubens Pavão – Cidadão que nasceu na freguesia de S. José, Ponta Delgada, em 1932. Frequentou a escola Central de S. José, o Liceu Antero Quental e a Escola do Magistério Primário. Desde 1953 foi professor, inspector de ensino, director escolar e há 70 anos colabora no Jornal Diário dos Açores. Aposentado desde 1997.
Fale-nos do seu percurso de vida no campo académico, profissional e social.
Nesse percurso académico e profissional estive muito ligado ao ensino/educação e intervim nas sucessivas reformas educativas, sobretudo a partir do ministério do professor Veiga Simão, bem como as que se seguiram no pós-25 de Abril, já numa dimensão regional.
Foi um período encantador, uma vida cheia de expectativas e de esperanças, ao longo de 43 anos de serviço; e, mesmo aposentado, continuo atento ao que se passa, sou crítico, mas sei reconhecer as diferenças para melhor que estão a ser operadas nesse campo no país e na nossa Região.
No plano social, criei uma família, que amorosamente me revejo e ainda consegui, nos entrementes, ligar-me a causas sociais e políticas, incluindo municipalistas, que são testemunho de cidadania, que deixo aos meus netos …
Que influência tiveram os seus pais na sua formação académica?
Os meus pais viveram e trabalharam para que eu e as minhas irmãs conseguíssemos uma vida digna, sem depender de «patrões», a não ser o Estado, que dava mais segurança, pois para atingir as grandes firmas particulares era preciso ter bom «padrinho»…
E, porque viam para além do que era comum para a época, frequentámos com muito sacrifício o Liceu, alcançando um futuro mais tranquilo e melhor do que fora o seu.
Minha mãe, como doméstica, ‘administrava’ a casa; partilhei ser uma mulher lutadora das causas da família, num tempo em que os efeitos da II Grande Guerra foram muito negativos.
Se o açúcar, o pão e outros géneros alimentícios subiam, ouvia-lhe sempre: “se um grupo de mulheres se juntasse a mim, iria protestar junto ao Governador”, mas a uma palavra mansa de meu pai, tudo se apaziguava…
Recordo ainda que, quando terminei o curso do Magistério, foi o meu pai que me entusiasmou a «regressar» ao jornal da minha infância e colaborar num parte-time. Considero a minha segunda escola de valores, pois pude continuar a ‘aprender a escrever’, a conhecer e a contactar com personalidades de vários sectores da vida pública nacional e regional. O meu espírito abriu-se ao conhecimento da terra e das suas causas; aos Açores, ao centralismo e à defesa dos nossos valores, através de leituras e de ‘artigos de fundo’ que a Imprensa produzia…
A minha primeira reportagem para o jornal refere-se à chegada ao Campo de Santana, em Agosto de 1953, dos actores que integraram o elenco do filme «Quando o Mar Galgou a Terra», um original do poeta e dramaturgo Armando Cortes Rodrigues, meu professor de Francês.
Depois, seguiu-se a visita oficial do Ministro do Interior, Trigo de Negreiros e percorri todos os concelhos da ilha de S. Miguel, uma estreia que me proporcionou relações novas e melhor conhecimento da minha ilha e dos seus problemas…
A partir daí, creio que passei a entrar no rol duma ‘figura’ pública, pelo que fui produzindo, quer através da escrita ou de testemunhos pessoais.
Como se define a nível profissional e quais a suas responsabilidades?
Tive uma carreira profissional que alcancei pelo trabalho, pelo estudo, por concursos públicos – em que houve excluídos – por vezes fui tímido, em outras mais aguerrido, mas a maioria um contemporizador atento, sempre primando pela sensatez e honestidade e, disso fui reconhecido, mesmo em situações difíceis, em suma: venci e sinto que – apesar dos anos – ainda hoje me saúdam e me relembram factos que me dão prazer e tranquilidade de espírito.
Nesse período da minha vida – professor, inspector e director escolar até me aposentar – pude dizer que me considero completamente realizado, reconheço o acolhimento que tive dos meus superiores às minhas propostas de trabalho; e, em muito, a adesão recebida por parte do professorado nos projectos educativos e culturais que desenvolvemos, num tempo em que a Autonomia Constitucional se consolidava.
Apesar das dificuldades – por via da política – que senti, quando em Setembro de 1976 lançamos os novos programas do Ensino Básico, que já previa o Ensino Infantil e Preparatório. Tudo se pode resolver pela aceitação dos professores que estavam ávidos em inovar, conhecer e praticar novos meios de aprendizagem…
Por isso, continuo a sentir-me um ‘servidor’ feliz, da minha terra!
Como descreve o sentido da família no tempo dos seus pais. Qual o sentido que tem hoje e que espaço lhe reserva?
A família que me transmitiu valores, era ‘patriarcal’ e, por mim, isso chegou aos filhos, que aceitaram essa prática, a valorizaram e transmitiram também aos filhos, já em moldes mais ‘contemporâneos’…
A Fernandina foi um exemplo de esposa, mãe e educadora. Todos revemos a sua memória!
Com os netos, se nem sempre estou de acordo, em tempo oportuno, dou o meu parecer; cada um fica com a sua razão, mas nem sempre recuo… junto-os num almoço semanal para os ouvir, deliciar-me com os seus projectos de vida, aconselhar-lhes de acordo com a minha experiência de vida e dos homens.
Digo-lhes o que é diferente do meu tempo, mas que nos devemos comportar pelo estudo continuado, pela honestidade no trabalho, pela união, cooperação da família e pela captação de amizades ‘seguras’.
Gostam que lhes conte como era a vida no meu tempo, como estudei, como eram os manuais de ensino das escolas e dos lugares que percorri. E, é dessas conversas em família, que me pediram que escrevesse uma “Memória”, um trabalho que há cerca de dois anos iniciei e que lhes dei já conta do primeiro capítulo…
Não creio, com isso, ser um moralista, (como figura central na minha adolescência e juventude), mas gosto de manter uma atitude que transmita boas maneiras comportamentais.
Só que, hoje, esse conceito nem sempre é aceite por que dizem, destorce a personalidade, a liberdade de pensar de ser diferente; mas, afinal para onde vamos?
A Fernandina, se fosse viva, acompanhava-me nesse diálogo e, não era de recuos; os filhos e os netos reconhecem…
Assim, preocupa-me e muito o sentido que hoje se entende ser dado à família, célula-mãe da sociedade. Mas tenho esperança que, quando tudo ‘bater’ no fundo, o que de bom tem a família tradicional ou no tempo que for o presente, entrará em rumo certo.
Muita dessa esperança já nos trouxe a Jornada Mundial da Juventude e o entusiasmo de milhares de jovens, aliás, um ponto de partida a considerar no ano que agora desponta …
Como disse o Papa Francisco em Portugal “tornai credível a fé através de decisões. Porque se a fé não gera estilos de vida convincentes, não faz levedar a massa do mundo”.
Que importância têm os amigos na sua vida?
Os amigos, quando amigos, passam a ser parte da família. É assim que os considero e essa percepção vem de longa data, desde a escola primária, continuada no Liceu, na vida profissional, até hoje. Viver sem amigos é viver enclausurado em si mesmo…
A mais recente prova dessa amizade, vivi-a há dias com o lançamento do livro de «Memórias» do Alexandre Linhares Furtado, – pelo que foi preciso interagirmos, para que tal cerimónia constituísse a homenagem pública que merecia uma vida de triunfos na cirurgia de transplantes em Portugal, – mais um companheiro dos bancos do Liceu, que apesar de viver longe da sua terra nunca a esqueceu, e soube sempre ser amigo!
Eu, ao computador, ao telemóvel e o João Constância fora, aqui ou ali, mobilizamos alguns dos que por aqui andam daquele tempo, os filhos e os netos e seus conhecidos e também os familiares dos nossos professores.
E, foi a Professora Doutora Maria Leonor Pavão que fez a magnifica «lição de sapiência» de apresentação do livro: um sucesso!
Depois veio a visita à «sua» escola na Fajã de Baixo, que Alexandre Linhares Furtado é patrono, mas patrono vivo, presente que dialoga com as crianças…
Foi mais um encontro de amigos, tal como ainda fazemos com o grupo, que ainda resiste, da Associação dos Antigos Alunos do Liceu.
Eu encantado por ter voltado a uma escola, reconhecer um ou outro que trabalhou comigo e me abraçou …
Só este tema dos amigos dava para uma longa entrevista, mas não tenho essa disponibilidade…
Para além da profissão, que actividades desenvolveu no seu dia-a-dia?
Para além da minha profissão, uma actividade que me orgulho ter desenvolvido, foi no antigo Asilo de Infância Desvalida Padre César Ferreira Cabido, depois Lar Mãe de Deus, como Presidente da Direcção, em vários anos, num tempo em que foi preciso integrar as jovens no mundo do trabalho e não só.
Hoje, é uma instituição que continua a honrar a cidade e as instituições de carácter social, não obstante os naturais constrangimentos do dia a dia, mas com ajuda de Deus, dos continuados e operosos órgãos sociais, colaboradores, voluntários e também do Governo Regional, continua a desenvolver um conjunto de acções que inclui jardins de infância.
Já aposentado, o Bispo D. António Sousa Braga pediu-me para presidir à Caritas Diocesana, transferindo a sua sede para Ponta Delgada. Ali pude acompanhar dois grandes cataclismos que quase coincidiram: o deslizamento de terras na freguesia da Ribeira Quente e a crise sísmica que abalou e destruiu habitações e haveres, nas ilhas Faial, Pico e S. Jorge.
Foi uma tarefa humanitária e de solidariedade que desenvolvi junto das populações…
Como se relaciona com o manancial de informação nomeadamente as notícias falsas, que inundam as redes sociais?
Relaciono-me mal e tenho pena que uma Imprensa democrática tivesse atingido esse ponto crítico de situação. Uma Imprensa livre tem responsabilidades para com os seus leitores, pois uma informação isenta, ajuda ao conhecimento do que se passa entre nós e no mundo. Mas há sempre quem queira chegar primeiro, querer ser conhecido e bem ‘compensado’; e preferem repisar… repisar… arranjar novas desculpas em favor da sua verdade, confunde-se tudo!
É por isso que gosto de me rever na nossa Imprensa, que tem procurado ser rigorosa e com princípios, livre porque todos os quadrantes colaboram, dão as suas opiniões e cada leitor pense e decida…
Foi assim que aprendi: antes de publicitar, confirmar e, depois, então opinar. Senão é uma barafunda, sobretudo em tempo de eleições, como agora se assiste.
Gosto de ler jornais. No Diário revia-me nos grandes títulos, que chegavam de todos os cantos do país, sobretudo de Lisboa e do Porto.
O jornal foi o primeiro livro onde aprendi a ler e a conhecer o pequeno mundo que me rodeava. Hoje não o dispenso, apesar de termos a televisão, mas escrito e não digitalizado. Tal como os livros! Fizeram-se para ser compulsados, lidos e relidos, sentidos…
As novas tecnologias de informação devem ser postas ao serviço da verdade; e, quanto à inteligência artificial, pelo que procuro compreender, um assunto novo que ainda não se sabe onde vai acabar, nem os que a inventaram… São conquistas, novas ‘eras’, novos conhecimentos, novas ajudas a bem da humanidade, talvez como foi a descoberta do átomo,… que fabricou a bomba atómica!
Há bons e maus livros a serem lançados nos Açores? Como olha para a nova literatura que tem surgido na nossa Região?
A nossa Região e não só, vive um momento que não tenho memória, quanto à publicação de livros, contrariamente a revistas. Aparenta ser um caso de continuada difusão de cultura: das letras, incluindo a poesia, as artes plásticas.
Para que essa difusão de cultura aconteça, a empresa Nova Gráfica – nossa, mas das melhores do país – tem sido a grande difusora do pensamento açoriano e não só, graças ao empreendedorismo do livreiro José Ernesto Resendes e também a Gráfica Açoriana, que tem acolhido outros vultos da cultura, sob a orientação de Américo Natalino Viveiros.
Já li muito: uns livros até ao fim, outros em diagonal; tirava notas ou fazia anotações. Mas hoje, prefiro ler ‘memórias’, rever-me num passado que me deixou marcas, mas que esclarece valores que o tempo esqueceu. Leio tudo o que posso, sobretudo do que tem sido publicado sobre os Açores, costumes e tradições, memórias e acontecimentos locais.
Os livros infantis, a recolha de lendas e tradições, o desenho como se fosse banda desenhada, estão nas bancas e encantam os mais novos… até e felizmente, são professores e educadores os seus autores. Na escola, esses títulos são o complemento das lições de português e do meio físico e social, tema de redacções, tudo diferente do meu tempo, ainda bem, agora é preciso despertar para a leitura, a boa leitura, só assim: Estamos de parabéns.
Que análise faz da situação política regional? Os Açores são ingovernáveis sem que um partido tenha maioria absoluta? Os eleitores vão penalizar quem nas próximas eleições legislativas for responsável por essa antecipação?
Na minha opinião a situação política está num impasse injustificado por via da ‘teimosia’ em não reconhecer o trabalho feito pela coligação PSD/CDS/PPM, por parte do maior partido da oposição – o PS – que, com aliados da última hora, reprovaram o orçamento para 2024 (!), a primeira vez que tal aconteceu no regime autonómico…
Afinal nada estava bem, era preciso fazer melhor, mais rapidamente, apenas em três anos… muito daquilo que não fizeram em doze de legislatura!
Então, uma barafunda instalou-se nos areópagos políticos, cada um à sua maneira, numa constante caça ao voto, com desejos de abrir caminhos a ‘novos’ e a ‘desempregados’ servidores, que continuam ávidos de poder, esquecendo a Região que somos, os problemas que temos com a dispersão das ilhas, com a permanente desertificação, mas apresentando ‘roles’ de reivindicações, como se tudo fosse um paraíso; e, assim a ver vamos… como nos dizia Mestre Ruy Galvão de Carvalho!
A RTP continua a prestar-nos um excelente serviço de esclarecimento, ao promover os primeiros debates com os cabeças de listas da Região, com acrescento de novos partidos e os outros, mais pequenos, que já foram sufragados, querem aumentar o seu quórum para conseguir um grupo parlamentar.
Ouvi todos os debates, menos o da Terceira, (impedido para completar esta entrevista) e tirei duas conclusões: – há ilhas que não nomeio, daqui a mais duas legislaturas, não têm poder de rotatividade na apresentação de candidatos, por ali andarem vinte anos, à procura de novos, que não chegam…
Até agora, as grandes reivindicações são de anos de espera, o que quer dizer, por culpa dos governos do Partido Socialista, mas que prometem tudo o que não fizeram antes, porque a experiência destes três anos de oposição permitirá reflectir melhor e corrigir os erros…
Só que, desta vez, nem todos esses cabeças de lista ‘entraram’ no carreirismo de cacique, reconhecendo que há trabalho feito pela Coligação, pois, de contrário, contrariavam a verdade aos seus próprios eleitores…
Mas quiseram eleições antecipadas, mais gastos que o orçamento terá de suportar, mais diplomas que aguardam aprovação e mais eleitores que vão ver dilatados os prazos para o pagamento dos seus serviços.
Foi preciso eleições antecipadas?
O povo dirá … e eu confio na resposta que será dada, não com maiorias absolutas, mas numa pluralidade concertada de compromissos, sempre a bem da nossa Autonomia e do povo açoriano no seu todo.
Quer acrescentar algo mais que considere importante, no âmbito desta entrevista?
Primeiro, quero pedir desculpa por não conseguir responder a todo o que foi solicitados, porque o tempo não deu e a idade não permitiu. Respondi ao que entendi ser o mais actual ao momento e procurarei, em outras ocasiões, completar o que não disse.
Deixo o ensino e o papel da mulher para uma reflexão mais aprofundada, bem como outros meandros da vida regional, que gosto de recordar.
João Paz