Aproxima-se velozmente a data feliz em que se celebrarão os 50 anos da Revolução do 25 de Abril. Aqueles que viveram esse dia estão agora a recordar os acontecimentos que o precederam. Para refrescar a minha memória fui procurar no arquivo pessoal, depositado na Biblioteca Pública de Ponta Delgada, os cadernos encadernados do meu Diário, iniciado quando fui eleito Deputado à Assembleia Nacional, em 1969 e interrompido durante o chamado Verão Quente de 1975, sem continuação posterior. Ainda assim são sete volumes e cheguei a pensar que se teriam perdido, mas afinal encontrei-os numa das caixas em que os meus documentos se encontram arquivados.
O período agora em causa consta do volume VI de tal Diário. O começo do ano de 1974 ficou marcado com os rumores que iam chegando de Moçambique sobre um certo mal-estar entre a população civil, na cidade da Beira, nomeadamente, e os militares, que eram acusados de não combaterem com eficácia a guerrilha, esta cada vez mais próxima das zonas habitadas. Mas isto era apenas a ponta do iceberg das tremendas dificuldades com que as Forças Armadas Portuguesas se estavam debatendo, com falta de gente e de armamento capaz, numa guerra em três frentes e sem apoios internacionais eficazes.
Entretanto, estava já em curso a grande conspiração que levaria ao levantamento militar e ao fim do regime ditatorial. Iniciado por questões profissionais e de carreiras, o Movimento das Forças Armadas tinha evoluído para um objectivo mais vasto, incluindo o derrube das instituições políticas existentes, carecidas aliás de verdadeira legitimidade, a restauração das liberdades públicas, a implantação da Democracia, o fim da guerra e a descolonização. Na liderança ideológica do MFA estava, veio a saber-se mais tarde, um velho conhecido meu, o então Tenente-coronel Ernesto Melo Antunes.
Já evoquei noutro local o meu percurso junto de Melo Antunes, ainda nos tempos de Liceu, sendo ele ainda um oficial subalterno deslocado em Ponta Delgada. Agora quero apenas mencionar que no Diário encontrei, com data de 22 de Janeiro, ou seja fez ontem precisamente 50 anos, a seguinte anotação:
“Almoço, no Instituto de Altos Estudos Militares, em Pedrouços, com o Melo Antunes. (…) Falámos de assuntos açorianos. ( O MA está desanimado e pensa deixar as ilhas, depois de lá passar mais um ano.) Ao café juntou-se-nos o Major Almeida Bruno, que esteve na Guiné com o General Spínola.”
Este encontro foi intermediado por um jornalista açoriano, Fernando Lima, que viria a ter depois uma participação política relevante, culminando como porta-voz do Presidente da República Aníbal Cavaco Silva.
Não se falou da situação política nacional, que começava a ficar em brasa. Mas sempre entendi esta iniciativa de Ernesto Melo Antunes como um sinal a ter em conta para o futuro próximo.
Aliás, tendo em conta o agravamento da situação da guerra colonial, estava eu começando a preparar um discurso a fazer em São Bento marcando limites ao prolongamento dela. A oportunidade de tal discurso foi sendo adiada, até que a publicação do livro “Portugal e o futuro”, da autoria do antigo Governador da Guiné e à época Vice-Chefe do Estado-Maior- General das Forças Armadas, General António de Spínola, desencadeou uma verdadeira tempestade política e deu origem a um inédito pedido de confiança do Chefe do Governo à Assembleia Nacional.
A minha intervenção ocorreu no dia 7 de Março e caiu como uma autêntica bomba no meio dos indefectíveis do colonialismo salazarista, que ainda os havia. O Expresso publicou na edição do Sábado seguinte a versão integral do discurso com as interrupções e o debate a que deram origem. A versão constante do Diário das Sessões contém já correcções propostas por alguns dos intervenientes em tal debate, de modo que não se pode considerar fidedigna.
Vim a saber depois – o que também consta do Diário – que o Expresso foi muito lido nas instalações militares no fim de semana seguinte, por depoimentos de amigos meus, tanto do Exército como da Marinha, aproveitando a declaração de prevenção rigorosa, ordenada por terem faltado à ordem de transferência para os Açores alguns dos oficiais tidos como cabecilhas das movimentações em curso, um dos quais seria o próprio Melo Antunes. Quem pode esclarecer isto tudo é o Coronel Vasco Lourenço, que também para cá foi na altura recambiado, e aqui ficou aguardando, conforme pelos vistos combinado, a chegada ao antigo Solar de Santo André do telegrama anunciando a partida para a América da suposta “Tia Aurora” e que era afinal a cifra da data da operação militar que iria redimir em Portugal a Democracia.
Carlos Melo Bento, no seu mandato como Presidente da Comissão Municipal de Toponímia, propôs que ao Largo confinante com o referido Solar, residência brasonada da Família Mota, na qual Ernesto Melo Antunes foi recebido pelo casamento com Gabriela, mãe dos seus filhos, fosse dado o nome dele. Lembrando o duro labor de Melo Antunes em favor da Liberdade e da Democracia, ao longo de muitos anos e tendo por objecto imediato até as nossas ilhas e a sua histórica Autonomia, em concreto a redacção da Declaração de Ponta Delgada, ainda no final dos anos 60 do século passado, gostosamente me associo a tal proposta, que a nossa Câmara Municipal e o seu Presidente Pedro Nascimento Cabral, bem poderiam incluir no catálogo das merecidas comemorações do cinquentenário do 25 de Abril.
João Bosco Mota Amaral
(Por convicção pessoal, o Autor
não respeita o assim chamado
Acordo Ortográfico.)