“A Casa de Família” quer proporcionar “viagens no tempo” e “unir e criar famílias” através das histórias contadas à mesa, das tradições, da identidade insular e dos sabores de uma refeição composta somente por produtos regionais e pratos tradicionais açorianos. Estas experiências em grupo são organizadas por Mónica Silva, pasteleira e formadora, que vai abrir a porta da sua própria casa, nas Areias, em Rabo de Peixe, vila aonde ainda se preserva o conceito de família, união e o bem receber com a porta de casa aberta para qualquer pessoa. Mónica Silva, que vive há 20 anos em Rabo de Peixe, deseja promover os produtos e os produtores da sua terra e preservar a história, identidade açoriana e o sentido de família. O novo projecto tem despertado o interesse de muitas pessoas.
“Na nossa sala da nossa casa vamos receber, contar histórias da nossa terra, costumes e tradições. Vamos dar a saborear as nossas entradas, os nossos maravilhosos queijos, sobremesas e pratos típicos açorianos, e os nossos vinhos e licores, café na cafeteira e o nosso chá.” É assim que Mónica Silva apresenta e resume o seu projecto “A Casa de Família,” que visa não só preservar a história e identidade açoriana e o conceito de família, mas também ajudar a economia local e promover os produtos dos Açores.
É pasteleira, cake-designer e formadora e começou o ano passado a abrir as portas da sua casa, na zona das Areias, na vila de Rabo de Peixe, ao festival Tremor, nas experiências “Na Nossa Mesa.” Estes eventos proporcionam aos festivaleiros a oportunidade de conhecer e interagir com famílias de Rabo de Peixe, que abrem as portas da sua casa e confeccionam refeições baseadas no receituário tradicional. É esta experiência que Mónica, residente em Rabo de Peixe há 20 anos, quer proporcionar, ao longo de todo o ano, a turistas e residentes, com “A Casa de Família.”
“É um projecto pensado para valorizar os nossos produtos, Rabo de Peixe, e, principalmente, valorizar a gastronomia rica que nós temos e também dar a conhecer aos turistas que os açorianos recebem, e sabem receber, nas suas casas,” como explica a pasteleira, natural de São Vicente Ferreira.
Vão ser utilizados apenas produtos locais, açorianos, da Marca Açores. “Como estamos voltados para a sustentabilidade, de nos virarmos cada vez mais para a economia local, é dar a mão, também, aos nossos produtores e à nossa freguesia, neste caso à vila. Rabo de Peixe é muito rico em produtos.”
“A Casa de Família” é um conceito que “vai somente trabalhar com os produtores locais, com os produtos do mercado, da feira de Santana, e não com compras nas grandes superfícies. Também é uma forma de apoiarmos os pequenos produtores desta forma. Se todos nós comprarmos aos pequenos produtores, geramos uma economia mais rica.”
À mesa de Mónica Silva, grupos de seis a 20 pessoas vão ter uma experiência gastronómica com comida tradicional açoriana, feita à moda antiga. “Desde o nosso peixe, à carne, as sopas dos nossos avós, os nossos enchidos, que são tão ricos, os queijos, o pão de milho e de trigo, cozidos nos fornos de lenha. Foi criada uma lista com tudo feito à moda antiga. Teremos o pudim de batata-doce, o de laranja. Vamos ter muita diversidade. Quem nos visita não quer provar conceitos inovados, quer provar o que realmente é de cá. Não é só dizermos que temos produtos da Marca Açores, é preciso também sabê-los usar”
“Só vamos trabalhar por reserva e com grupos entre 6 a 20 pessoas, isto para podermos dar atenção aos nossos clientes, contar as histórias da terra e dos Açores, ouvirem música tradicional dos Açores. Quero apresentar o conceito da casa de família. É transformar a nossa sala num lugar de acolhimento, onde as pessoas se vão sentir em família, porque cada pessoa que vai entrar aqui, vai fazer família, vai ficar com a família. Tratamos por família de coração/adopção. Vamos ‘adoptar’ os nossos turistas e dar um sentido e um conceito diferentes,” explica Mónica, que quer criar um ambiente acolhedor e familiar nas experiências.
Outro objectivo passa por dar voz a quem queira contar as suas histórias, promovendo uma partilha de saberes e vivências: “Vamos chamar pessoas a contar a sua história de vida, porque quem nos visita quer saber. A cultura também passa por aí. Não passa só por lermos, mas também por ouvirmos,” segundo a cake-designer, “Viver em Lisboa, ou no Porto ou no Alentejo é completamente diferente do que viver nos Açores. Somos 9 ilhas, 9 histórias e insularidades. Estamos condicionados por muita coisa. Apesar de estarmos muito desenvolvidos, temos de saber que a história faz parte. Um país sem história é um país sem legitimidade. É uma história que tem de ser contada e, cada vez mais merece. A história dos Açores merece ser contada, a nossa vivência, cultura e união.”
O projecto contará também com uma vertente social, pelo que a comida que sobre será doada a uma associação que apoia carenciados. “Os restos serão doados a quem mais precisa. Não quero que o projecto seja só meu, mas que tenha uma vertente social. Os projectos têm uma responsabilidade social. Este projecto também abrangerá alguma família que eu tenha conhecimento de que neste momento precisa de um prato de comida ou de algo,” refere Mónica.
“Rabo de Peixe é uma vivência extraordinária” onde as famílias abrem as suas casas a estranhos
Mónica Silva não esconde o amor que sente pela vila que a acolhe há 20 anos. É Rabo de Peixe, e a sua tradição de bem-receber, que influencia, em parte, “A Casa de Família.”
“Em Rabo de Peixe, qualquer casa abre a porta a qualquer pessoa desconhecida. Esta é uma tradição. Qualquer pessoa entra e é chamada a comer e a sentar-se à mesa. Esta é uma identidade. Esta é a identidade do povo de Rabo de Peixe e tem de ser preservada, cada vez mais. Rabo de Peixe tem os melhores produtos: os peixes, as laranjas. Rabo de Peixe tem o sentido de responsabilidade do que é ser família ainda. Foi neste conceito que fomos buscar o nome,” considera.
A formadora em pastelaria é a primeira a defender esta vila, que é muitas vezes alvo de preconceitos: “Rabo de Peixe não foi só uma série da Netflix. Rabo de Peixe é um lugar único, com gente única. Rabo de Peixe é uma vivência extraordinária. Vir à ‘Casa de Família,’ em Rabo de Peixe vai ser uma experiência muito gratificante,” segundo Mónica Silva, que também não deixa de referir o sentido de união das suas gentes: “Rabo de Peixe é família. Aqui, quando acontece algo de bom, todos nós estamos felizes, mas se acontece algo de mau em alguma casa, todos nós também nos sentimos tristes. Este é o verdadeiro conceito de família. Cada vez mais, o conceito de família tende a escapar. Estamos a viver numa sociedade individualista, mas em Rabo de Peixe ainda não se verifica isso.”
“Não somos individualistas, somos um povo muito querido e que gosta de receber, por isso “A Casa de Família” vai ser, certamente, um sítio, onde as violas da terra vão contar a história das famílias e onde muita gente ligada ao mar, às pescas, à arte, e até mesmo o próprio cidadão vai ser chamado a vir contar a sua história. Quem nos vai visitar vai levar isso no coração. Viajamos através de palavras e as pessoas vão conseguir viajar aqui através das palavras, das vivências e do som, e também, do sabor. Os sabores transportam-nos em viagens e isso é muito importante. Vamos viajar no tempo através do sabor das nossas comidas únicas e tradicionalmente açorianas.”
Tradições familiares de antigamente inspiram projecto
São também as lembranças e os valores da sua família que estão por trás de “A Casa de Família.” Mónica Silva, criada nos Poços de São Vicente Ferreira, lembra a sua infância e juventude, das matanças do porco, e quando o pai organizava, quase todos os fins-de-semana, jantares para os amigos e para os emigrantes que vinham de visita à sua terra. “Criei-me numa casa com muita actividade(…) Não havia quem fosse à nossa casa e não se sentasse à mesa e que não houvesse comida para comer. Criei-me com essa tradição e não a quero deixar perder.” É neste seguimento que o projecto quer ajudar a unir e “criar” famílias, como explica Mónica: “A comer também se fazem amizades e as melhores amizades são sempre feitas à mesa. O conceito baseia-se na aproximação e na criação de famílias, para que, numa próxima vez que os nossos clientes nos venham visitar, voltem e digam que foi aqui que se sentiram como família. Não queremos um ambiente frio e distante, queremos um ambiente de proximidade, que faz criar laços. Vamos ter momentos musicais, onde vão ser cantadas as nossas desgarradas, os folclores. Estas pequenas coisas que realmente são nossas.”
A primeira actividade do projecto acontece a 13 de Fevereiro, dia especial para a organizadora: “É o dia que o meu pai faz anos. Se hoje sou o que sou, devo aos meus pais, que trabalharam incansavelmente dia e noite. Este dia será uma homenagem aos meus pais. Sem eles não saberia o que é ser e ter família. Tenho o prazer e o privilégio de ter nascido numa casa com pessoas de grande coração, que sempre ajudaram o próximo e que acolheram na sua casa, com pouco ou com muito, toda a gente que nos visitava. Independentemente de conhecermos as pessoas ou não, a nossa porta estava sempre aberta.” A primeira actividade conta com as vagas preenchidas, com uma diversidade de clientes: pessoas de cá, do continente, e um grupo de oito pessoas vindas da Suécia, revela a organizadora.
“A Casa de Família” funciona apenas por reservas, que podem ser feitas entrando em contacto com Mónica Silva, que considera que “a nossa identidade é o passa-palavra, e é por aí que vamos cativar o público e estar com as pessoas que nos vão visitar. Esta é a melhor publicidade.”
No fundo, a formadora em pastelaria pretende “promover os Açores, a minha terra, Rabo de Peixe, as minhas gentes e a minha cultura gastronómica,” e que “pessoas saiam de ‘A Casa de Família,’ da minha sala, com o coração e o estômago cheios. Quero que saiam principalmente com o abraço fraterno do conceito do que é uma casa de família açoriana.”
Mariana Rovoredo