Passaram três anos de uma legislatura de quatro. Três anos de governação social-democrata, que em coligação com partidos à sua direita e o apoio parlamentar da direita radical e dos liberais, interrompeu o longo período de governação socialista de vinte e quatro anos. Primeiro com Carlos César, durante dezasseis, depois com Vasco Cordeiro, durante oito. Antes deles Mota Amaral, com quase vinte anos de liderança regional. O arquipélago mudou muito durante estes períodos, demográfica, institucional e mentalmente. Também a composição social, política e partidária se alterou profundamente. A uma alternância democrática entre dois partidos, com os centristas a manterem-se a espaços como o fiel da balança, chegámos a uma reconfiguração profunda do panorama parlamentar com a entrada de novas e velhas forças partidárias no hemiciclo regional, inviabilizando a obtenção de maiorias absolutas de um só partido, mas permitindo possibilidades várias na criação de novas maiorias, novos consensos e o alinhamento de forças distintas, mas nem sempre assim tão distantes.
Em 2020, já depois de o mesmo ter acontecido no parlamento nacional, aquela reconfiguração permitiu a José Manuel Bolieiro assumir os destinados da região e da governação, pese embora a força que lidera ter chegado apenas ao segundo lugar. A política de alianças retomava, desta forma, um papel central nos arranjos parlamentares, repetindo a prática instituída por António Costa, em 2015 e, mais atrás no registo regional, Carlos César em 1996, pese embora com diferentes graus de formalidade e registo escrito. Mas ao contrário dos dois exemplos anteriores, José Manuel Bolieiro não conseguiu levar até ao fim a solução preconizada tendo-o como um dos seus mais fiéis crentes. Não que fosse do domínio da ficção, mas um governo dependente de três partidos mais dois que se obrigavam a sustentar o apoio parlamentar, sendo um deles a direita radical, não-institucional, e antissistema, teria tudo para não perdurar uma legislatura inteira. José Manuel Bolieiro apenas foi ultrapassado pelos acontecimentos porque assim quis. Deveria ter exigido uma clarificação ao povo açoriano, logo aquando da apresentação do segundo orçamento, podendo assim trabalhar com o seu calendário, e não com o calendário dos partidos que o levam agora a eleições antecipadas. Admito que o ainda presidente do governo regional o tenha feito porque confiava nos seus parceiros, mas deveria ter tido a coragem política de ver mais além.
Agora, em 2024, Vasco Cordeiro tem naturalmente a ambição de chegar a Sant’Ana. A sua disponibilidade, honestidade e faceta humana levam-no a ter uma importante química com os eleitores, o que é muito positivo em campanha de rua. É um homem simples, que valoriza a família e aqueles que o seguem sem questionar. É, atualmente, a única mais-valia dos socialistas regionais, alguns ainda agarrados a um tempo que já não volta. O tempo de 1996 já não é, felizmente, o cenário social, partidário e político de 2024, e aí se encontra a sua maior maldição. Carlos César, mais uma vez mandatário regional, é a encarnação de uma forma de fazer política que se deveria ter aposentado em 2012, dando espaço aos mais novos, às novas gerações, permitindo que quem lhe sucedeu pudesse respirar, decidir e governar. Se o antigo presidente do governo regional dos Açores acumulou maiorias absolutas e foi profundamente competente na gestão não apenas das expetativas políticas e na manutenção dos socialistas no poder, como também na afirmação da região no panorama político nacional, chegando a ombrear com Alberto João Jardim, o facto de continuar a orbitar o poder, primeiro como presidente honorário da estrutura partidária regional e depois mantendo uma nefasta omnipresença em matéria eleitoral e governativa, acabou por coartar a afirmação da nova liderança e o nascimento de uma região nova, liberta do passado, fosse ele bom ou mau.
Estas eleições vão ser, também, um acerto de contas com o passado mais distante, mas também mais recente. Por um lado, com um passado que Vasco Cordeiro não conseguiu ultrapassar. Por outro lado, um passado mais recente que José Manuel Bolieiro, com a atual composição parlamentar, não soube aproveitar. Entre um e outro, existem cinquenta e sete deputados para eleger.
Fernando Marta