O mais recente país europeu a aderir à NATO foi a Finlândia, nação báltica que tem boas razões históricas para temer a vizinhança da Rússia, uma inevitabilidade geográfica pela qual várias vezes pagou um preço elevado. Com a escalada da invasão russa da Ucrânia, agora facilitada pelo focar das atenções internacionais no conflito israelo-palestiniano, os finlandeses entenderam ter chegado o momento de procurar a proteção da Aliança Atlântica. Foi uma decisão prudente, logo seguida pela da Suécia, idêntica candidata a membro da NATO que só por estes dias viu os parlamentares turcos aprovarem a sua entrada. Tudo isto acontece no início de conturbado 2024, dando sinal de que nada do que parecia seguro o ano passado, será certo no atual. Uma das causas da incerteza corrente, é a autêntica farsa em que se transformaram as sanções à Rússia, notáveis potenciadoras dos aumentos de preço em toda uma série de produtos que os europeus importam. Se tais sanções tivessem eficácia, ainda valeria a pena o custo que têm, mas qualquer principiante em relações internacionais entenderá que, numa economia globalizada e altamente competitiva, as vias disponíveis para contornar sancionamentossão inúmeras, eficazes e compensadoras.
Foi o que perceberam rapidamente algumas empresas finlandesas, incluindo aquelas cujos proprietários, sendo de origem russa ou com ligações russas, aproveitaram de imediato as oportunidades de negócio. A YLE, uma empresa de radiotelevisão finlandesa que gere 4 canais televisivos, 13 rádios e 1 site generalista, vem dando notícias sobre os vários esquemas utilizados por empresas do país para fornecer produtos e equipamentos de importância militar à Rússia, ladeando as sanções impostas pelos países ocidentais. Os investigadores que vasculharam os documentos aduaneiros e aprofundaram a informação, descobriram que mais de 20 empresas finlandesas se envolveram nestas vendas à Rússia, usando circuitos logísticos via países terceiros. Segundo a YLE, o Uzbequistão foi um desses países, sabendo-se que muitos dos clientes têm ligações com fornecedores militares e os serviços secretos russos (FSB). A comprová-lo está uma carta do FSB agradecendo aos fornecedores finlandeses, publicada por uma das empresas russas compradoras, e reproduzida pela YLE no seu website. Alguma desta informação veio à tona na comunicação social portuguesa este mês de janeiro, quando se conhecem dados sobre este “buracão” nas sanções económicas à Rússia desde 2021. E logo relativamente ao mais recente país aderente à NATO, igualmente pertencente à União Europeia, o que não deixa de ser preocupante.
Talvez seja devido a buracos semelhantes aos existentes na cortina de sanções à Rússia, que um politicão hábil como Recep Erdogan, liderando um membro importante da NATO como a Turquia, vai manobrando a implantação europeia dos seus agentes, conhecidos por “lobos cinzentos”. Mas há mais, porque a União Europeia, ao colocar fora das sanções alguns produtos essenciais, como o gás natural, deu aos russos uma arma poderosíssima, que Vladimir Putin usa com mestria, abrindo e fechando a torneira conforme sua conveniência.
Obviamente que a União Europeia sabia do possível ricochete que as sanções iriam causar, mas outros interesses falaram mais alto, até que em 2023 resolveram alterar as regras do boicote, no que foi acompanhada pelos Estados Unidos. E porquê? Porque Putin, logicamente, mudou as rotas de exportação para a Índia, China e Turquia, aumentando o volume para compensar a baixa de preço do barril. Foi assim que, o ano passado, o crude russo dos Urais foi vendido a uma média de 42 USD/barril, contra 84/85 USD nos mercados internacionais. O prejuízo foi grande, atingindo 175 milhões USD/dia, mas apenas em preços por barril, porque as exportações para terceiros, principalmente China e Índia, subiram em flecha, compensando a perda. E quem comprou o produto final, após refinação nos intermediários? Os europeus, os tais que encerram centrais nucleares para encher os bolsos das petrolíferas, enquanto tecem loas à descarbonização. Esta é apenas uma faceta da farsa energética, ao que se deduz das palavras de uma guru lisboeta, especialista em redes elétricas e energia, quando desvaloriza as centrais nucleares, porque… produzem excesso de energia. Mas não fez uma única referência aos SMR –Small Modular Reactors, que irão inundar o mercado global logo que os lóbis do fóssil, do eólico e do solar considerem lucrativa a aposta. Muito menos, bem ao jeito dos farsantes em jogo, à tremenda evolução da tecnologia de fusão nuclear, que já perspetiva SMRs de fusão, capazes de propulsar navios e aviões. Entretanto, o consumidor português, mais ainda que o europeu, paga os custos de manutenção de equilíbrio contratual– os famosos CMEC — ou outros quaisquer cmic-cmoc-cmucs que nos sobem o preço da luz para patamares inadmissíveis.
Eram estas e outras matérias essenciais para o desenvolvimento dos Açores, como é o caso da água do ordenamento territorial, que gostaríamos de ter visto e ouvido abordar pelos partidos políticos durante a campanha eleitoral. Porém, do mesmo modo que há quem ponha na prateleira o “core business” futuro da energia nuclear, também aqui a farsa e os farsantes ditaram suas leis.
Vasco Garcia