Ao serviço da Universidade dos Açores é considerada uma das cientistas geoespaciais mais promissoras para 2024
Correio dos Açores – Pode contar-nos um pouco sobre o seu percurso profissional?
Jéssica Garcia Uchôa (cientista na Universidade dos Açores) – A minha jornada educacional deu-se em escolas públicas no Brasil, e posteriormente a conclusão do ensino superior na Universidade Federal do Espírito Santo, onde realizei duas graduações em Geografia simultaneamente (licenciatura e bacharelato).
Durante esse período académico, tive a oportunidade de realizar estágios num instituto ambiental estadual e na câmara municipal da minha cidade. Essas experiências práticas foram fundamentais para consolidar as bases do meu futuro profissional, proporcionando-me uma compreensão realista dos desafios e oportunidades na área da Geografia e principalmente relacionado aos Sistemas de Informações Geográficas.
Além disso, participei activamente de duas iniciações científicas, sendo orientada por um mentor em cada uma delas ao longo de um ano. Essas experiências foram cruciais para o desenvolvimento do meu pensamento científico, permitindo-me aplicar teorias aprendidas em sala de aula de maneira prática e inovadora e fui, ao final, premiada como a melhor pesquisa desenvolvida na área de Humanidades do ano de 2017 na Universidade Federal do Espírito Santo.
No âmbito profissional, tive experiências quer no sector público, quer no sector privado, acumulando experiência valiosa em diferentes contextos. O ponto de viragem ocorreu no final de 2019, quando decidi imigrar para os Açores, para embarcar no desafio de realizar o mestrado em Vulcanologia e Riscos Geológicos na Faculdade de Ciências e Tecnologias da Universidade dos Açores.
Essa mudança representou não apenas uma transição geográfica, mas uma evolução significativa na minha carreira, proporcionando-me uma imersão mais profunda no campo da Detecção Remota aplicada à Vulcanologia e à Geoquímica de Gases. Essa experiência académica no arquipélago dos Açores tem sido um capítulo crucial no meu percurso, ampliando meu horizonte de conhecimento e consolidando o meu compromisso com a pesquisa científica e a aplicação prática dos meus conhecimentos na região.
O que a atraiu aos Açores?
A atracção pelos Açores foi um desdobramento natural do meu interesse pela Geografia, uma ciência incrivelmente vasta. Buscava uma especialização que não apenas ampliasse o meu conhecimento, mas também conciliasse harmoniosamente um tema tão enriquecedor quanto a Vulcanologia com as competências que eu já possuía em Geotecnologias.
Ao pesquisar oportunidades para aprofundar os meus estudos, deparei-me com o mestrado em Vulcanologia e Riscos Geológicos oferecido pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade dos Açores. A proposta do programa não só alinhava-se perfeitamente aos meus interesses, mas também oferecia um ambiente único.
Em 2020, começou a colaborar com a Universidade dos Açores. Como surgiu esta oportunidade?
No início de 2020, fui convidada para participar de um projecto no Instituto de Vulcanologia e Avaliação de Riscos (IVAR).
O convite envolveu a organização de dados geoespaciais em um ambiente tridimensional, o que não apenas alinhava-se perfeitamente aos meus interesses, mas também representava um desafio empolgante na aplicação prática dos conhecimentos adquiridos durante o meu mestrado.
Em 2021, iniciei o trabalho que venho desempenhando até hoje. O meu foco concentra-se no desenvolvimento de uma aplicação web voltada para a disponibilização de dados geográficos do projeto europeu MaCoBioS com o Grupo da Biodiversidade dos Açores (GBA-CE3C). Essa oportunidade não só ampliou meu envolvimento na pesquisa científica, mas também proporcionou uma experiência prática e valiosa no âmbito da aplicação das geotecnologias.
Que trabalho tem desenvolvido na região?
Após concluir o meu mestrado, iniciei o curso técnico em Desenvolvimento de Aplicações Web (DAW) na Universidade dos Açores. Estou agora prestes a concluir mais esta etapa crucial do meu percurso académico.
A participação nesse curso tem sido de imensa relevância, pois proporcionou-me uma perspectiva técnica e prática em programação. Essa capacitação não apenas expandiu o meu conjunto de habilidades, mas também abriu portas para uma integração mais profunda no universo da tecnologia.
Essa abordagem integrada reflete meu comprometimento em unir a ciência geoespacial e a tecnologia para impulsionar o progresso nas áreas de pesquisa e desenvolvimento regional.
Viver cá tem sido uma boa experiência? De que forma?
Viver nos Açores não é apenas uma mudança de localização geográfica, mas uma imersão em um estilo de vida que equilibra a serenidade natural com oportunidades enriquecedoras. Essa experiência tem sido um capítulo fundamental na minha jornada, moldando o meu crescimento pessoal e profissional de maneiras que eu não teria encontrado em nenhum outro lugar.
Foi agora distinguida como uma dos 50 jovens cientistas geoespaciais mundiais mais promissores para 2024, pelo portal internacional Geospatial World. A que se deveu esta distinção?
Receber a distinção como uma das 50 jovens cientistas geoespaciais mais promissoras para 2024 pelo portal Geospatial World representa uma conquista significativa e uma profunda honra. Acredito que esse reconhecimento é resultado do comprometimento contínuo com a pesquisa, aliado a uma abordagem inovadora na aplicação de geotecnologias em projectos de grande relevância.
Além disso, a distinção também reconhece meu empenho em compartilhar o meu conhecimento adquirido. Actualmente, mantenho a prática de disponibilizar material gratuito em minhas redes sociais (Twitter, LinkedIn, GitHub e Geoportal.tech), oferecendo recursos valiosos para profissionais interessados em aprender sobre programação e processamento de imagens de satélite a partir de tecnologias gratuitas. Essa iniciativa reflete meu compromisso em contribuir para a formação e desenvolvimento de outros profissionais no campo geoespacial.
Em 2023 criou o Geoportal.tech. Em que consiste?
O Geoportal.tech é uma iniciativa que eu e uma colega de trabalho desenvolvemos. Essa plataforma tem como objectivo principal organizar informações relacionadas a eventos do sector geoespacial e as principais notícias, procurando consolidar esses dados em um único local na internet. Nosso propósito é proporcionar aos interessados um ponto de acesso centralizado, facilitando o acesso a informações relevantes que, de outra forma, estariam dispersas em diversas fontes online.
Fez, certamente, aquilo a que chamamos o primeiro e segundo ciclo do ensino (o ensino fundamental no sistema de educação brasileiro). Já sentia, nesta altura, vocação para ser cientista?
À época, a vocação para ser cientista não estava claramente definida, mas sempre fui movida pela curiosidade inata e um fascínio profundo pelo conhecimento, em especial aos assuntos referentes à componente geográfica. Essa busca incessante pelo conhecimento foi intrinsecamente ligada ao poder transformador que sempre vi na educação. Acredito que esses elementos combinados foram os propulsores que me conduziram até aqui, mesmo que, naquela fase, eu não tivesse plena consciência do caminho científico que estava prestes a trilhar. Foi um despertar gradual para a jornada que viria a seguir na minha trajectória acadêmica e profissional.
Que outros trabalhos tem entre mãos neste momento?
Neste momento, estou imersa na etapa final do desenvolvimento de um webgis (mapa digital e interactivo) que incorpora informações provenientes do projecto MaCoBioS. O objectivo central desse trabalho é disponibilizar aos tomadores de decisão dados abrangentes sobre os cenários dos ambientes marinhos, contemplando tanto o presente quanto as projecções para o futuro. Este webgis visa fornecer uma visão detalhada e actualizada, utilizando tecnologias gratuitas.
Quais são os seus próximos objetivos?
Estou nos últimos meses do curso técnico superior em Desenvolvimento de Aplicações Web e o meu objectivo é integrar os conhecimentos adquiridos em programação com a ciência geoespacial. A minha missão consiste em contribuir para o progresso do conhecimento científico, enquanto promovo activamente a disseminação de informações geográficas relevantes para a comunidade científica. A intersecção dessas duas áreas é fundamental para explorar novas possibilidades e criar soluções inovadoras que possam impulsionar a compreensão e o compartilhar de dados geográficos de maneira mais eficaz. Mariana Rovoredo