Paulo Jorge Amaral é geólogo e investigador auxiliar na Universidade dos Açores. A sua especialidade passa por temáticas de interesse relevante para os açorianos, como os fenómenos que influenciam a erosão da costa e, neste contexto, as razões porque não se deve construir junto à orla marítima. Afirma, a propósito, que uma casa que se encontrava no ano 2000 a 10 metros da arriba, pode estar hoje a menos de um metro ou, até, pode já ter sido levada pelo mar. Explica porque num ano a praia está cheia de areia e, no seguinte, se encontra com pedra rolada (de que são exemplo algumas praias micaelenses). Paulo Amaral é um crítico da forma como hoje se faz política nos Açores. Salienta que “se perdeu o sentido de serviço público” na Região e dá a entender que há políticos que vivem em função “daquilo que deseja ser”. Entende que “seja com uma maioria absoluta ou com uma maioria, quando o egoísmo prevalece e se perde a noção de serviço público, mais cedo ou mais tarde o resultado é o mesmo” (a queda do Governo).
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Paulo Jorge Amaral (Geólogo) – Sou lagoense, nascido e baptizado em Dezembro de 1962, filho de Florinda e Jorge Amaral (Borges), casado, pai de uma filha e resido desde sempre na Lagoa.
Fale-nos do seu percurso de vida no campo académico, profissional e social?
Fiz a escola primária na Lagoa, depois andei na Roberto Ivens e, por fim, na Escola Secundária Domingos Rebelo, onde tive o meu pai como meu professor de Educação Física e, simultaneamente, Presidente do Conselho Directivo. Depois, rumei à cidade do Porto onde fui tirar Medicina. Acabei por desistir após concluir o 3º ano, pois cheguei à conclusão que aquela não era a profissão que tinha idealizado. Pedi transferência para a Universidade dos Açores, onde me licenciei em Biologia/Geologia (ensino de). Fiz o meu estágio integrado na Escola Secundária das Laranjeiras e a minha profissionalização na Escola Secundária Antero de Quental. Desde Junho de 1992 sou investigador no Departamento de Geociências da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade dos Açores sendo, actualmente, investigador auxiliar. Desde cedo acompanhei a actividade sócio-caritativa-cultural dos meus pais, por isso e de forma natural fiz parte da Conferência de São Vicente Paulo, fui co-fundador do GRUJOLA (Grupo de Jovens da Lagoa), sou romeiro e membro do Grupo Coordenador do Movimento de Romeiros de São Miguel, sou membro do Conselho Pastoral e fiz parte da equipa do CPM da minha paróquia (Nossa Senhora do Rosário), fui dirigente político a nível concelhio, de ilha e regional, deputado municipal, membro fundador e dirigente do Instituto Cultural Padre João José Tavares e membro de longa data dos corpos sociais do Centro Social de Nossa Senhora do Rosário. De resto procuro ser comprometido com o que significa ser baptizado.
Que influência tiveram os seus pais na sua formação académica?
Os meus pais estiveram sempre presentes, sem nada imporem. Apenas na educação que me proporcionaram ensinaram-me e transmitiram-me valores, para que quando desempenhasse a minha actividade profissional, e não só, o fizesse de forma digna, honesta e competente. Proporcionaram-me os meios, as ferramentas e as oportunidades para tal. As viagens que desde cedo fiz com eles pela Europa, aproveitando o meu pai para pelo menos uma vez por ano para frequentar um curso ou participar num congresso no âmbito da sua actividade profissional para se manter actualizado, abriram-me horizontes. O exemplo que me deram, tanto o meu pai como a minha mãe, na sua forma de viver, e de estar na vida, influenciaram de forma clara o que sou hoje mas sem nunca imporem nada. Claro que ficaram felizes quando escolhi, por exemplo, ir para Medicina. Quando desisti não ficaram desiludidos comigo, apoiaram-me e ajudaram-me, a minha mãe até suspirou de alívio tendo confessado que nunca me tinha imaginado como médico. Quando ingressei na vida académica universitária claro que ficaram felizes, quando defendi a minha tese de doutoramento claro que ficaram orgulhosos. Ajudaram, esclareceram, apararam, alertaram mas nunca condicionaram ou manietaram o meu percurso académico para eu vir a ser ou fazer o que quer que fosse.
Como se define a nível profissional?
As cerca de três dezenas de anos trabalhando no âmbito da geologia costeira dos Açores permitiu o acumular de experiência e conhecimento sobre o assunto. Tenho consciência das minhas competências, sem fazer alarde das mesmas. Procuro sempre fazer um trabalho digno, competente e honesto quer ao nível da leccionação, da investigação ou da acessoria.
Quais as suas responsabilidades?
As responsabilidades de um investigador e de um professor numa universidade.
Como descreve o sentido de família no tempo de seus pais. Qual o sentido que ela tem hoje e que espaço lhe reserva?
Começo pelo fim. Para a família procuro reservar o espaço central e fulcral. O sentido de Família do tempo dos meus Pais e o de hoje só pode ser o mesmo.
(conclusão da pág. 13)
É na família que se aprende ou devia aprender o sentido de unidade na diversidade, de partilha, de comunhão, de respeito, de autoridade, de liberdade, de paciência, de perdão, de fraternidade, de honestidade, de serviço por amor etc. A família tem de ser o começo de tudo e o pilar da nossa vida em comunidade.
Que importância tem os amigos na sua vida?
Eu tenho os amigos da escola, os da adolescência e juventude, da universidade, do trabalho, da piscina, das viagens, das romarias, da família. Destes tenho alguns em que tenho o privilégio de os conhecer profundamente e vice-versa, mesmo quando as distâncias nos separam, a azáfama da vida não permite que falemos ou que nos encontremos com mais frequência ou durante mais tempo. Os amigos desempenham um papel importante no convívio que precisamos ter, no escape das pressões a que todos nós estamos sujeitos, nos momentos diversão, no nosso enriquecimento emocional, de crescimento e claro na aprendizagem que é contínua.
Para além da profissão, que actividades gosta de desenvolver no seu dia-a-dia?
Gosto de ler, ouvir música em determinados momentos, gosto de ir ao cinema ou ver filmes, sou um viciado em cinema, de me juntar com amigos ou familiares, de tomar banho de mar, passear na nossa ilha, desfrutar a minha casa e viajar.
Que sonhos alimentou em criança?
Ajudar os outros (ainda alimento), ser professor de Educação Física como o meu pai, lavrador, astrofísico, cientista.
O que mais o incomoda nos outros?
A falta de carácter.
Que características mais admira no sexo oposto?
O que mais aprecio é serem exactamente o sexo oposto, Mulheres!
Gosta de ler? Diga o nome de um livro de eleição?
Sim, gosto de ler mas destacar um livro de eleição tenho dificuldade pois depende o tempo que desfruto. Posso dar exemplo de obras pelas quais tenho especial apreço, como por exemplo as aventuras de Astérix, de Goscinny e Urdezo, as aventuras de Tintim, de Hergé, a série ‘A Aventura’ de Enid Blyton, ‘O Hobbit’ e a trilogia ‘O Senhor dos Anéis’, de J.R.R. Tolkien, ‘As Aventuras de Huckleberry Finn’, ‘As Aventuras de Tom Sawyer’ e ‘A Viagem dos Inocentes’, de Mark Twain, ‘Mau Tempo no Canal’. de Vitorino Nemésio, ‘Os Bichos’, de Miguel Torga, ‘A Mensagem’, de Fernando Pessoa, ‘As Vinhas da Ira’ e ‘O Inverno do Nosso Descontentamento’, de John Steinbeck, ‘Histórias Extraordinárias’, de Edgar Allan Poe, ‘Os Irmãos Karamázov’, de Fiódor Dostoiévski, ‘O Livro dos Salmos’, maioritariamente do Rei David, ‘O Evangelho segundo João’, ‘Quero Que Tu Sejas’, de Tomáš Halík, ‘Textos Sem Açaime’, de João Maurício Brás entre outros.
Como se relaciona com o manancial de informação, nomeadamente as notícias falsas, que inundam as redes sociais?
Acho que é realmente isso um manancial, um privilégio, uma oportunidade. Claro, o reverso da medalha é a quantidade absurda de notícias ou de informação falsa ou destorcida que abundam mas também a quantidade de opinadores que se acham encartados para o fazer ou aqueles que se julgam estrelas, porém efémeras, que gostam de flutuar qual rolhas de cortiça num mar cheio de lixo. Este manancial de informação, sobretudo falsa ou destorcida, pode ser perigoso mas também é revelador da tentativa de restruturação ou melhor da desestruturação da sociedade ocidental e dos seus valores que vai sendo imposta por fazedores de opinião, quais eminências pardas. Respondendo claramente à pergunta, desfruto ao máximo as oportunidades do manancial de informação disponível e, conforme a minha disposição, reajo de três formas distintas face às notícias falsas e afins nomeadamente com desprezo, com gozo ou quando fico verdadeiramente irado, riposto.
Como lida com as novas tecnologias e que sectores devem a elas recorrer para melhorarem o respectivo rendimento?
Todos os sectores devem recorrer às novas tecnologias desde que o façam com ética, colocando as mesmas ao serviço do Homem e não para o escravizar ou violentar. Devem servir para melhorar a vida do homem sem o desvirtuar.
A inteligência artificial está no centro do debate e pode por em risco o ser humano. Até onde deve ir essa inovação?
Tal como já referi, também a Inteligência Artificial deve ser utilizada naquilo que possa contribuir para melhorar a qualidade de vida mas sem nunca violentar, escravizar ou desnaturar o homem.
Costuma ler jornais?
Já fui um devorador de jornais, nos dias de hoje leio muito menos.
Gosta de viajar? Que viagem mais gostou de fazer?
Viajar é uma das coisas boas da vida. É importante sair da ilha, conhecer outras realidades, alargar horizontes. Tive o privilégio de viajar muito cedo por esta Europa e não só. Sempre que posso viajo. Tenho feito sempre viagens que me enchem a alma. Mas a viajem que mais gosto de fazer é a de regresso a casa.
Quais são os seus gostos gastronó-micos? E qual é o seu prato preferido?
Sou ovo-lacto-vegetariano desde que me conheço. Não sou macrobiótico nem vegan. Eu tenho a noção que provavelmente não tenho o prazer de degustar determinadas iguarias gastronómicas. Mas dentro daquilo que me dá prazer comer elejo a feijoada assada de véspera, aquecida com azeite na frigideira, acompanhada com ovos estrelados, inhames cozidos e pão caseiro para molhar no ovo.
Que notícia gostaria de encontrar amanhã no jornal?
Os corruptos do país foram investigados, de forma célere levados a julgamento, devidamente julgados e condenados.
Qual a máxima que o/a inspira?
Carpe Diem (desfruta o dia).
Em que época histórica gostaria de ter vivido?
Nenhuma em particular. A época em que vivemos é fascinante.
Se desempenhasse um cargo governativo descreva uma das medidas que tomaria?
Prefiro não responder.
Que análise faz à situação política regional?
Perdeu-se o sentido de serviço e neste momento vivemos a consequência não daquilo que o deputado deve ser mas sim daquilo que deseja ser.
Os Açores são ingovernáveis sem que um partido tenha maioria absoluta? Pode explicar.
Qualquer Governo deixa de ter capacidade de governar quando, por exemplo, os seus membros, ou a maioria que o suporta, perde o sentido de estado ou valores - que não o serviço da causa pública - que falam mais alto. Posto isto, seja com uma maioria absoluta ou com uma maioria, quando o egoísmo prevalece e se perde a noção de serviço público, mais cedo ou mais tarde o resultado é o mesmo.
A sua especialidade na Universidade dos Açores é a geologia costeira na área da investigação. Em que domínios desenvolve a sua actividade?
Os meus interesses de investigação são a geomorfologia costeira, a sedimentologia e a morfodinâmica costeira, a geologia de tsunamis, a tempestuosidade, os perigos costeiros (tsunamis, tempestades costeiras e inundações, erosão costeira, surges e variação no nível médio do mar), e os impactes costeiros da variação climática.
Como tem evoluído a erosão costeira na Região? Com as alterações climáticas e face à perspectiva de os Açores serem, tendencialmente, mais atingidos por fenómenos extremos, pode haver um aumento da erosão da costa nas ilhas?
A erosão costeira é um fenómeno natural resultante de vários agentes forçadores e de entre eles destaco as ondas do mar. Contudo, este processo natural pode ser amplificado pela acção humana ou fazer-se notar mais consequência de uma maior e mais intensa ocupação antrópica da franja litoral. Dito isto, temos sectores da costa dos Açores com taxas de erosão média anual inferiores a 10 centímetros, mas também temos troços com taxas de erosão média anual superiores a 40 centímetros, atingindo em alguns locais valores médios da ordem dos 100 centímetros por ano. Apesar de o regime de agitação costeira na costa Norte das nossas ilhas ser mais energético, as grandes tempestades chegam de sudoeste equilibrando assim o trabalho erosivo das ondas em ambas as margens do litoral. Se existem valores como os referidos, por exemplo, uma casa ou outro tipo de equipamento que se encontrava a 10 metros do bordo superior da arriba costeira em 2000, hoje pode estar apenas a 1 metro ou até já ter sido destruído como consequência do desmonte da arriba. O aumento da tempestuosidade irá certamente intensificar o processo erosivo e as obras de defesa costeira não podem ser a única solução.
Uma questão que o cidadão comum coloca: O degelo na Antárctida em que medida provoca a subida das águas na costa das ilhas açorianas?
O aumento do volume de água das bacias oceânicas provoca inevitavelmente a subida do nível médio da água do mar. Contudo, estes valores globais não devem ser olhados levianamente. As ilhas do nosso arquipélago são vulcânicas e, consequentemente, estes valores globais podem ser amplificados ou até diminuídos nas nossas ilhas. Os valores da subida do nível médio do mar disponíveis para a costa sul de São Miguel, resultantes de uma série de 30 anos (ideal são 60 anos), sugere valores da ordem dos 2,5 milímetros por ano.
Que perspectivas existem das ilhas açorianas serem atingidas por um tsunami?
Desde o povoamento dos Açores no século XV há registo de três dezenas de tsunamis que atingiram as costas açorianas alguns de intensidade VII-VIII numa escala que vai até XII. Os Açores estão vulneráveis a tsunamis de origem distal, nomeadamente os gerados na margem continental ibérica, como por exemplo os de 1755 e 1761. Contudo, mais de 55% dos tsunamis registados são de origem local. O potencial tsunamigénico dos Açores prende-se com a nossa localização no Atlântico Norte, ao contexto geotectónico capaz de gerar sismos tsunamigénicos e da existência de outros factores capazes de gerar tsunamis, como escorregamentos, tempestades e a actividade vulcânica.
Outra das suas especialidades tem a ver o vaivém da areia nas praias. Porque razão, em determinados anos, algumas praias têm apenas pedra rolada?
De uma forma simplista, as praias de areia nos Açores estão na sua maioria esmagadora dependentes dos sedimentos transportados pelas ribeiras, sejam elas de regime efémero ou perene e/ou torrencial. A alternância sazonal entre períodos em que as praias estão cheias com sedimentos arenosos ou depauperadas e com sedimentos cascalhemos (na voz popular de calhau rolado), resulta da alternância entre períodos de calmaria ou de tempestade. Quando estes períodos são mais longos, da ordem de anos, é habitualmente consequência da acção das ondas, períodos de calmaria versus períodos de tempestade, mas sobretudo devido a inexistência de sedimentos disponíveis para serem depositados na praia. Esta situação acontece por várias razões, nomeadamente, a existência de armadilhas sedimentares que aprisionam os sedimentos, a escassez de sedimentos arenosos sendo pois necessário mais tempo para a sua acumulação na praia submarina para posterior transporte e deposição na praia sub-aérea.
João Paz