O investigador Diogo Teixeira Dias publicou um texto de investigação na revista científica Al-Madan, do Centro de Arqueologia de Almada, a referir que o ilhéu de Vila Franca do Campo,”paisagem indissociável” da costa sul da ilha de São Miguel, tem, na sua costa, pelo menos três sítios com interesse arqueológico subaquático: os canhões do ilhéu, o naufrágio do vapor Maria Amélia e o cemitério das âncoras”.
“Poderá parecer escasso”, diz o investigador, “mas em termos estatísticos, de número de locais identificados, com interesse patrimonial arqueológico subaquático da ilha, coloca este território numa posição cimeira”.
No entender de Diogo Teixeira Dias, “apesar do seu interesse, os sítios em apreço não obtiveram, até agora, a merecida atenção dos investigadores. Para além de pontuais informações dos achados, que se repetem e reiteram sistematicamente, os canhões do ilhéu de Vila Franca do Campo – sítio perante o qual nunca recaiu qualquer investigação – não são sequer referenciados, nem nas publicações mais recentes”.
Assim, pretende trabalho de Diogo Teixeira Dias “constituir-se como parte de uma solução indicativa, esclarecedora da existência de um local com interesse arqueológico subaquático, na embocadura do ilhéu de Vila Franca do Campo.”
O objectivo concreto “é o de despertar, junto da comunidade académica, e dos poderes públicos, interesse numa intervenção científica, a longo prazo. Será esse, certamente, o caminho menos sinuoso para a valorização do sítio, do território adjacente e do Património Arqueológico Subaquático da Região Autónoma dos Açores”, escreve o investigador.
No artigo, Diogo Teixeira Dias descreve o que e qual a importância do Ilhéu, citando vários autores. “De acordo com as fontes mais antigas, foi o primeiro lugar de desembarque dos povoadores (séc. XV), no território que é hoje o concelho de Vila Franca do Campo (FERREIRA, 1989)”.
O ilhéu é, desde o povoamento da Vila, “uma infra-estrutura portuária com uma elevada dinâmica (OLIVEIRA, 2012), tendo, nessa medida, sido decisivo para a dispersão da fortificação da costa insular adjacente”.
O investigador descreve que, no Reinado de D. João III se pretendeu “criar de uma ligação do ilhéu a terra, com um paredão”. Já no Reinado de D. João V, se fez um “estudo da viabilidade da criação de um porto no ilhéu, para serviço da ilha”.
Também no Reinado de D. Pedro II se fez um “estudo da hipótese de construção de um molhe no ilhéu”; e no Reinado de D. José I, se analisou a “viabilidade financeira da construção do molhe no ilhéu, tendo-se recuado em virtude dos custos elevados”.
Foi no Reinado de D. Maria I que se fez o “reconhecimento do melhor local, a sul da ilha, para a construção de um porto de grandes dimensões (o ilhéu era uma das hipóteses); e no Reinado de D. Maria II pretendeu-se constituir uma “Companhia do Abrigo Marítimo no ilhéu de Vila Franca do Campo (1839)”.
Alguns destes projectos, segundo Diogo Teixeira Dias, “obtiveram concretização prática, designadamente o alargamento da bacia do ilhéu e mesmo a abertura da boca, para possibilitar a entrada de navios de maior calado (FERREIRA, 1989 e OLIVEIRA, 2012)”.
Porém, ao nível de infra-estruturação militar, não se conhecem quaisquer vestígios materiais. Curiosamente surge, no arquivo da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, numa planta tridimensional (pop-up), à qual se atribuí datação de 1570 (reinado de D. Sebastião), do ilhéu de Vila Franca do Campo, com uma fortificação projectada, já com cariz de modernidade, com ressonâncias de abaluartado. Ainda assim, não terá passado da projecção.”
O achado: canhões de ferro
O investicador reforça que “não há, nem nas publicações mais recentes, algumas das quais premiadas e de elevada referência (…) qualquer indicação da existência dos canhões do ilhéu, não obstante da sua pertinência para o público, nomeadamente para os mergulhadores de recreio.”
“Ainda assim”, adianta, “avance-se que o défice de referência não surge por desconhecimento. Constam na informação da Dircção Regional dos Assuntos Culturais (…). De acordo com esta informação, os canhões em são de ferro, datando de entre os séculos XVII e XVIII. Trata-se de um achado fortuito subaquático, comunicado a 12 de Agosto de 2003, por Carlos Filipe Silva de Araújo, mergulhador de recreio, residente no concelho de Sintra”.
Como descreve Diogo Teixeira Dias, “o local, desde aí, tem vindo a ser um elemento atractivo, sendo actualmente um espaço privilegiado para a iniciação ao mergulho de recreio, contabilizando, desde o ano de 2019, de acordo com os dados fornecidos pela empresa de mergulho AzoresSu, Lda. e até Setembro de 2023, um total de 3.190 mergulhos, entre snorkeling e baptismos.”
No universo de mergulhos, só deste operador, os operados nos canhões do ilhéu de Vila Franca do Campo representam um crescendo, de 34% no ano de 2019 a 66% no ano de 2023 constituindo-se sempre, em todos os anos, como o local de maior actividade”.
“Ainda que com uma elevada afluência de visitantes, sobre o achado fortuito nunca recaíram quaisquer trabalhos arqueológicos, quer de prospecção não intrusiva, quer de outras acções de investigação, designadamente escavação,” refere Diogo Teixeira Dias.
Como acrescenta, “desde o auto de achado fortuito, tem vindo a sofrer um grande conjunto de processos pós-deposicionais, designadamente derivados dos movimentos das águas, mas, também, por acção humana de recolha de achados”.
Estas acções, embora decorram sem qualquer malícia ou intenções de destruir o sítio, vão desnudando e descaracterizando o seu potencial arqueológico. Estes tipos de práticas, de deslocalização dos achados subaquáticos dos seus contextos, não são exclusivamente contemporâneo,” diz.
No ano de 1954, em Agosto, alega-damente no mesmo local, foi encontrado uma outra peça de artilharia e levada para terra, por um grupo de praticantes de pesca submarina (FERREIRA, 1989: 137-139). De acordo com despacho do Ministro da Marinha, de 12 de Agosto de 1960, este elemento patrimonial foi entregue ao Museu de Marinha, seguindo-se a prática que era comum para “os objectos que não fossem propriamente de interesse local,” refere o investigador citando vários autores.
“Já no ano de 2011, na zona próxima ao farol da freguesia de Ponta Garça, um canhão em bronze, submerso, em local já conhecido desde 1980, foi ilegalmente retirado do seu sítio e veio a ser, mais tarde, entregue ao Museu Carlos Machado, em Ponta Delgada”, segundo o jornal ‘Diário dos Açores’.
Narra Diogo Teixeira Dias que, por diligência do município de Vila Franca do Campo, esta peça viria a ser entregue à guarda do Museu Municipal, onde se encontra até hoje, em reserva. Considerou-se, já na altura, que a actuação da Direcção Regional da Cultura não foi suficientemente diligente para impedir a descontextualização do achado, tendo sido apelidada até de cooperativa com a situação”.
Portanto, conclui o investigador, Vila Franca do Campo” tem um historial de práticas heterodoxas no que ao tratamento dos achados subaquáticos diz respeito. É uma das áreas, com elevado potencial arqueológico, que sofre da concentração de recursos da tutela, em Angra do Heroísmo, onde se encontram todos os técnicos com competências na matéria”.
“Até porque o município, legalmente, apesar da sua condição de proximidade, bem como de disponibilidade técnica, não tem quaisquer responsabilidades atribuídas, no que à gestão deste património diz respeito,” realça. E, depois, no mesmo artigo, questiona: “Qual a razão da existência de três canhões neste sítio, partindo do princípio que o recuperado em 1954 pertencia a este conjunto?”. A resposta será dada numa próxima edição com base no desenvolvimento do artigo científico.