A coligação venceu as eleições regionais e poderá ter acabado com a liderança socialista de Vasco Cordeiro. É verdade que esta é a primeira derrota em legislativas regionais para o antigo presidente do governo, mas será pela segunda vez o líder da oposição no arquipélago, se não se afastar depois de reunidos os órgãos internos do partido.
Tudo aponta para que a experiência política acumulada nos últimos anos, nos corredores europeus destinados ao debate sobre as ultraperiferias, possa agora vir a ser utilizada enquanto candidato socialista ao hemiciclo europeu. Seria proveitoso para todos, já que o seu prestígio e competência poderiam muito bem ser postos ao serviço da região e do país. E em termos políticos, evitaria constrangimentos desnecessários para quem tanto deu ao seu partido e a estas nove ilhas.
Esta é uma das consequências lógicas dos resultados do fim de semana passado. A vitória da coligação encabeçada por José Manuel Bolieiro, que teve ainda mais repercussões nacionais devido à presença de Luís Montenegro, apenas foi surpreendente para quem esperava que as recentes leituras do sentido de voto se viessem a materializar.
Depois de, em 2020, José Manuel Bolieiro ter perdido as eleições e ter conseguido montar um executivo com a generalidade dos partidos da oposição, apeando os socialistas do poder, numa repetição ao contrário daquilo que fez António Costa, fica agora em primeiro lugar, pese embora mantendo os parlamentares que os partidos que compõem a coligação, isoladamente, granjearam em 2020 (26). A derrota socialista é mais visível na sua quebra de eleitos, menos dois, e em percentagem, já que conseguiu aumentar o número de votos expressos. Conclusão óbvia, com a diminuição da taxa de abstenção: houve mais gente a sair de casa e não votou na estratégia, na campanha eleitoral, nos candidatos e no programa do Partido Socialista.
É incontornável o aumento expressivo de votação no partido de direita radical. Depois das desavenças parlamentares passadas, perdendo um deputado e deixando José Pacheco sozinho na bancada, o Chega consegue um robusto grupo parlamentar de cinco representantes, elegendo dois pela compensação – demonstrando grande aceitação em todas as ilhas –, dois em São Miguel e um estreante na Terceira. Este resultado a todos os títulos vitorioso – em percentagem, eleitos e votos expressos – só é encadeado pela posição assertiva do líder social-democrata regional, quando coloca esta força política fora dos holofotes do poder. A assunção de que governará com maioria relativa, recuperando um ato histórico quebrado em 2015 na República, deixando de fora as exigências pérfidas do Chega, e colocando o ónus da governabilidade da região nas mãos dos órgãos regionais socialistas, é uma estratégia de amplo espetro: por um lado, divisiva para estes cujas opiniões aqui e lá começaram rapidamente a ser divergentes entre responsáveis mais próximos e mais afastados de Pedro Nuno Santos, tendo em conta o dia 10 de março e o resultado saído das urnas. Por outro lado, mantendo o Chega entalado entre o protesto inconsequente e as ambições governativas desmedidas, que podem fazer deste partido em grande ascensão eleitoral, a prazo, uma força política decadente na qual cada voto é uma ação inconsequente.
Vasco Cordeiro e, na medida certa, o Chega, não são os únicos derrotados. O estado de graça de Mariana Mortágua esfumou-se rapidamente, e o BE segurou António Lima na compensação, com menos mil votos. Este círculo permitiu igualmente a um dos proponentes desta crise política, Nuno Barata, manter-se na assembleia legislativa com um reforço ligeiro de votos, acontecendo o mesmo com o PAN, neste caso com o esfumar de uma centena de boletins.
Tanto liberais como animalistas lutavam pela constituição de um grupo parlamentar. Mas talvez seja mesmo dentro da coligação que encontramos os maiores perdedores da noite. A rejeição de Paulo Estevão no Corvo, apesar de ser o candidato da grande coligação, é reveladora de que os quase vinte anos de deputado pela ilha – foi eleito pela primeira vez em 2008 – começam já a não ter o mesmo nível de aceitação. O outro derrotado é Artur Lima, de quem se dizia ser o presidente de facto do executivo. Não logrou eleger o seu delfim pela compensação, e como Estevão, é parlamentar desde 2008. Ambos venceram dentro da coligação, mas parecem já valer muito pouco sozinhos.
Fernando Marta