Li na imprensa regional de há dois ou três dias uma notícia com merecido destaque na última página que este jornal proporcionou com oportunidade e com um conteúdo inovador no relacionamento entre o poder central e o regional. Senti e reproduzo comentando sem qualquer aproveitamento que não seja este: que o exemplo legislativo de cooperação entre poder central e poder regional seja reconhecido como apropriado e frutifique em outros casos.
É uma boa notícia para os Açores a vários títulos. E considerando o ambiente político e legislativo nacional configura e releva uma exceção como fundamento de desejada estabilidade. Recomendo que a exceção seja no futuro a regra.
No início deste mês, foi publicado um Decreto-Lei com o nº 20/2024 que introduz importantes alterações num diploma mais antigo sobre a mesma matéria – Decreto-Lei nº 16/2019, o qual tem por âmbito seu, a definição do regime de acesso e exercício de atividades espaciais.
O futuro dos Açores não são político… A autonomia já a conquistou. É, como sempre foi, com pouco proveito próprio, a importância do seu valor geoestratégico e da sua imensa capacidade que a geografia lhe empresta como contrapartida ao que lhes tira quando demonstra duramente a sua componente agreste, de isolamento e dispersão, de frequentes tempestades atmosféricas e violentas manifestações telúricas.
O que a seguir me permito dar a conhecer com o seu verdadeiro sentido que contribui para a coesão nacional e associado alcance que consolida um país com regiões autónomas marítimas, distantes e solidárias quanto aos desígnios nacionais.
O novo diploma legal consagra soluções de enorme relevância para o futuro próximo dos Açores.
Em primeiro lugar, confirma e sublinha o valor geoestratégico dos Açores em tempo de paz num campo de interesses mundiais recente, mas que tem vindo a ganhar uma importância crescente para todo o Mundo, o Espaço. Defendo eu: os Açores têm um mar que lhe corresponde e um pedaço significativo de Espaço celeste que também lhe corresponde.
Sublinha o preâmbulo do novo diploma que “(…) existe um interesse redobrado em assegurar o acesso ao Espaço, fruto da procura crescente de centros de lançamento por operadores de megaconstelações de pequenos satélites e pelo aumento do número de países com atividade espacial”.Como indicativo desta tendência destaca o Regulamento (UE) 2021/696 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de abril de 2021, que cria o Programa Espacial da União e a Agência da União Europeia para o Programa Espacial.
Ainda da leitura do mesmo preâmbulo, pode concluir-se que se tinha tornado necessário um quadro legal específico para as atividades de operação de centros de lançamento, que permitisse, em condições de segurança e salvaguardando os interesses estratégicos nacionais, a instalação e operação de centros de lançamento por qualquer ator, incluindo privados.Uma verdadeira novidade.
Acrescenta também o preâmbulo, com idêntico objetivo, a possibilidade de emissão de 3 tipos de licenças das operações espaciais: a licença unitária, licença global e a licença conjunta. A licença conjunta corresponde a um licenciamento conjunto, este que permite a possibilidade de um processo único de licenciamento de operações espaciais do mesmo tipo ou de tipo diferente ser conduzido por mais do que um operador, com atribuição de licença a cada um dos operadores envolvidos.
Claramente e adequadamente, ambas medidas foram adotadas com o propósito de estimular o investimento e, compreensivelmente, a positiva repercussão no projeto localizado na Ilha de Santa Maria. Pela primeira vez, o Estado olha para os Açores reconhecendo-lhes a sua relevância para o futuro do País, sem se preocupar com a receita para o Orçamento de Estado ou dum qualquer serviço ou instituto público.
A promoção e a execução da Estratégia “Portugal Espaço 2030” incumbe à Agência Espacial Portuguesa com o objetivo de promover e fortalecer o Espaço em Portugal, o seu ecossistema e a sua cadeia de valor em benefício da sociedade e da economia do país e do Mundo. Tudo bem definido e desejável.
A Agência Espacial Portuguesa foi criada no ano de 2019 pelo governo português com colaboração e a participação societária do governo regional dos Açores .Tem a sua sede na Ilha de Santa Maria.
A ANACOM, Autoridade Nacional de Comunicações, na recebida qualidade de Autoridade Espacial assume uma função de intermediação relevante, no procedimento de licenciamento,a de entidade licenciadora. É neste particular valioso o intercomunicador entre o Estado e as Regiões Autónomas.
A ANACOM que já pontificou no caso da substituição ou instalação de um novo cabo de fibra ótica que ligue os Açores no seu domínio e eles com o Mundo, tem uma estrutura orgânica – Delegação -nos Açores com estrutura competente e um conhecimento aprofundado sedimentado ao longo de muitos anos da realidade das comunicações no Arquipélago.
Também é a primeira vez que o Governo Central descentraliza – o que não desconcentra – poderes sabendo o que está a fazer de concreto, adequado e produtivo.
A introdução da ANACOM no processo de licenciamento com uma missão de “concertação” é uma novidade bem-vinda. O autor deste trabalho é suspeito por ter estado vários anos como colaborador da Autoridade. Porventura. Mas sabe muitíssimo bem o que esta a escrever.
Reconhece o diploma, quase como a Constituição, o que é notável, que a intervenção das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira fica assegurada através da sua audição e da emissão de parecer vinculativo, sempre que os centros de lançamento sejam instalados no seu território, atendendo ao potencial do desenvolvimento do setor espacial nas Regiões Autónomas e à prossecução de uma estratégia espacial europeia de acesso ao espaço.
Impõe ainda a audição das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira quando a localização pretendida do centro de lançamento se encontrar no seu território terrestre ou marítimo, incluindo, neste caso, as zonas marítimas adjacentes aos respetivos arquipélagos, devendo as Regiões Autónomas emitir parecer vinculativo. Deveres de audição consagrados legalmente e de execução por parte de uma Autoridade Nacional de muitas provas dadas e de mérito consagrado. Já li milhares de leis na minha vida, mas esta comoveu-me.
O decreto-lei consagra, ainda, a notificação das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira no caso de atribuição de licenças para operações espaciais de lançamento e/ou retorno e no caso de transmissão de licenças de operações espaciais de lançamento e/ou retorno ou de centros de lançamento, sempre que as mesmas se desenvolvam a partir do seu território, devendo emitir o seu parecer tendo em conta as suas funções de promoção do setor espacial no país, mas também instruir o processo para a emissão da aprovação prévia do Governo.
Álvaro Dâmaso