A ilha de Santa Maria tem sido, ao longo dos séculos, testemunha silenciosa de importantes eventos históricos. Um desses episódios é a passagem de Cristóvão Colombo por estas paragens durante a sua viagem de regresso após a descoberta das Índias Ocidentais em 1492.
A propósito da reportagem sobre a necessidade de criação do Parque Arqueológico Subaquático do Ilhéu de Vila Franca, defendido pelo investigador Diogo Teixeira Dias, Rui Andrade, licenciado em História, enviou ao Correio dos Açores um artigo seu publicado no passado mês de Janeiro no Jornal O Baluarte, de Santa Maria, que refere igualmente “essa necessidade de se alargar os estudos arqueológicos subaquáticos a outras ilhas. No caso concreto, as ancoras que Cristóvão Colombo deixou na ilha de Santa Maria em 1493 no regresso da sua primeira viagem ao Novo Mundo.
De acordo com Rui Andrade, investigador e licenciado em História, esta primeira expedição teve início no Porto de Palos de La Frontera a 3 de Agosto de 1492. A 12 de Outubro, a frota ao serviço dos reis de Espanha, alcançou a ilha de Guanahani1 depois de ter passado pelas Ilhas Canárias. A 28 de Outubro chegou a Cuba e a 6 de Dezembro atinge a ilha de São Domingos.
A primeira parte da viagem ocorreu sem grandes incidentes, mas o mesmo não se poderá dizer do seu regresso à Europa, que ficou desde logo comprometido com o encalhe da nau capitânia “Santa Maria” num recife da Baía do Caracol, próximo do atual Cabo Haitiano, em dia de véspera de Natal.
Segundo refere o investigador Rui Andrade, Colombo reformulou o seu plano de regresso e a 16 de Janeiro parte com a sua companha, agora distribuída pelas duas caravelas que apoiavam a nau “Santa Maria”. A “Pinta” comandada por Martim Alonzo e a “Nina” comandada pelo próprio Colombo.
A escala da ‘Nina’
“Encontravam-se a navegar no Atlântico há mais de três semanas quando são obrigados a enfrentar uma grande tempestade. Ambas as embarcações perdem-se de vista, levando a que cada uma seguisse a sua rota. A “Pinta” passados alguns dias chegaria a Baiona, no Norte de Espanha, enquanto a “Nina”, alcança a ilha de Santa Maria nos Açores. Uma escala que se revelaria atribulada para o Almirante e para a sua tripulação”, narra.
Segundo uma descrição feita no jornal Baluarte, Rui Andrade afirma que o diário de bordo de Colombo não chegou aos nossos dias, no entanto, existem duas crónicas que relatam esta escala pela ilha de Santa Maria. A primeira foi escrita por Frei Bartolomeu de Las Casas, um frade que incorporou a comitiva da segunda viagem de Colombo às Américas, e a outra por Dom Fernando Colombo, filho do navegador. De acordo com estes relatos, o navegador durante a tempestade e antes de encontrar terra terá feito a promessa de ir rezar, junto com a sua tripulação, ao primeiro templo que encontrasse em honra de Nossa Senhora. Ao ser informado que se encontraria na Ilha de Santa Maria e da existência de uma ermida em honra de Nossa Senhora dos Anjos decide pagar ali a sua promessa.
Segundo os cronistas, “no dia 16 de Fevereiro, um dia depois de chegar a Santa Maria, Colombo determinou que metade da tripulação iria a terra cumprir a promessa feita, descalços e em camisa, enquanto a outra metade, na qual se incluía o próprio Colombo, permaneceria a bordo da caravela. Quando os primeiros regressassem, os restantes iriam a terra fazer o mesmo”.
Detidos em Santa Maria
Conforme o texto de Rui Andrade, o que se passou a seguir é, até aos dias de hoje, uma incógnita. Dos relatos de Colombo consta que “a tripulação que se encontrava em terra terá sido detida por João da Castanheira, Capitão Donatário interino, alegando que tinha ordens de D. João II para prender Castelhanos que andassem pelas costas da Guiné em constantes assaltos e em incumprimento ao Tratado de Alcáçovas”.
“Suspeitando que Colombo tivesse vindo de um cruzeiro ilícito pelas costas de África, Castanheira deu seguimento a tais ordens do rei de Portugal”.
Segundo o investigador, este facto é desmentido por alguns historiadores, entre os quais José Hermano Saraiva, que por diversas vezes esteve na Ilha de Santa Maria e se debruçou sobre esta passagem. Segundo este historiador, Colombo terá mentido, até porque, depois de ter estado em Santa Maria, dirigiu-se a Lisboa para apresentar cumprimentos ao próprio D. João II.
“Certo e consensual entre os historiadores é que Cristóvão Colombo no momento em que metade da sua tripulação se encontrava em terra teve a necessidade de rapidamente se afastar da costa e deixar para trás os seus homens. Muito provavelmente devido ao estado do mar que se agravou forçando o comandante da “Nina” a navegar durante dois dias perdido entre as ilhas de Santa Maria e de São Miguel. Quando o tempo amainou procurou novamente uma baía da ilha para ancorar e fazer descansar os seus homens, antes de voltar à Baía dos Anjos e resgatar os restantes homens que lá tinham ficado”, revela.
A partir dos relatos de Colombo sabe-se que “foi nesse fundeadouro, no dia 20 de Fevereiro, que a “Nina” perdeu as suas amarras e ferros devido aos maus fundos que ali encontraram. É precisamente esse momento que nos interessa evidenciar aqui neste texto uma vez que nunca foi referido por Colombo que as âncoras tivessem sido resgatadas, ao contrário do que aconteceu com os seus homens”, avança Rui Andrade.
“Onde terá deixado Cristóvão Colombo as suas âncoras na sua passagem pela ilha de Santa Maria?”, interroga Rui Andrade, respondendo, de seguida, que para esta “pergunta existem para já duas respostas. A primeira foi-nos dada pelo Dr. Jacinto Monteiro que defendeu a tese de que as âncoras de Colombo são as que foram retiradas, por iniciativa dele próprio, em 1960 do fundo da Baía do Cura, na costa leste da ilha. A segunda resposta é-nos dada pelo professor José Hermano Saraiva, que acredita que essas âncoras estarão ainda hoje no fundo da Baía da Cré, na costa norte.”
Jacinto Monteiro foi um dos investigadores que mais estudou esta passagem, a qual chamou de “Episódio Colombino na Ilha de Santa Maria”. Teve por base da sua tese os factos descritos por Bartolomeu de Las Casas e também pareceres técnicos de alguns peritos em náutica como a do Comandante Sousa Mendes, na altura Capitão do Porto de Vila do Porto e também ele investigador desta passagem de Colombo pela ilha. Segundo ele, era prática recorrente na navegação procurar as baías do Cura ou de São Lourenço, temporariamente, quando os ventos e a agitação marítima não permitiam prosseguir o seu destino, nomeadamente com os ventos do quadrante oeste, muito comuns na altura do ano em que Colombo passou pela ilha. “A procura da Baía do Cura pelo navegador mostrou-se uma decisão acertada e prudente, no entanto, o desconhecimento do seu fundo, bastante irregular e rochoso, tornou-se uma verdadeira tormenta na hora de recolher os ferros”, refere.
Já a tese de José Hermano Saraiva surgiu 28 anos mais tarde, mais precisamente a 16 de Abril de 1988, num artigo publicado no jornal Diário Popular. Conforme explica Rui Andrade, este investigador, por sua vez, defende que as âncoras de Colombo só poderão estar no fundo da Baía da Cré. Para defender a sua suspeita refere que o navegador menciona em determinada altura do seu relato que não estaria a ver a ermida de Nossa Senhora dos Anjos, onde se encontrava a outra metade da sua tripulação, porque estava por detrás de uma ponta de terra, referindo-se, segundo Saraiva, à Ponta dos Frades que separa a Baía da Cré da Baía dos Anjos.
Rui Andrade defende prospeções
arqueológicas na Baía da Cré
Para Rui Andrade, “perante estas duas respostas e dada a importância da ilha de Santa Maria para o feito de Cristóvão Colombo é incompreensível que passados mais de trinta anos, não tenham sido realizadas até hoje prospecções arqueológicas subaquáticas à Baía da Cré por forma a se encontrar os referidos ferros e assim se dissiparem as dúvidas ainda existentes. Foram os próprios autores, entretanto falecidos, que em várias ocasiões pediram que se “escovilhassem” os fundos da Baía da Cré e mesmo da Baía do Cura para que chegássemos a uma única resposta desta questão particular para a história da ilha de Santa Maria.”
Relativamente às âncoras encontradas e retiradas da Baía do Cura, “havendo a hipótese de não serem as de Colombo, está provado que serão da mesma época, o que lhes atribui um relevante valor histórico. São três no total, todas do tipo almirantado, a maior com o cumprimento de haste de 3.10m e o peso de 700 kg”, pode ler-se. A iniciativa de retirada destas âncoras partiu de Jacinto Monteiro, “mariense de gema e um grande aficionado da sua ilha. Certo das suas convicções e apoiado pelos catedráticos Jaime Cortesão e Damião Peres, seus professores em Coimbra, custeou do seu próprio bolso uma primeira prospecção à baía que se revelaria um sucesso. A partir daí tomou pulso o então capitão do Porto da ilha, o Comandante Sousa Mendes que com a colaboração de algumas entidades da ilha esboçou todo o plano de retirada das âncoras”, elucida.
No dia 18 de Maio do ano de 1960, da parte da manhã, deram-se início aos procedimentos. “Foi utilizada uma barcaça de grande porte com um guindaste montado num tractor de lagartas, duas lanchas motorizadas e alguns homens, nomeadamente dois mergulhadores amadores que comandaram as operações debaixo de água”, relata. De acordo com o relatório do Comandante do Porto, as primeiras duas âncoras foram recolhidas sem dificuldades, apenas a terceira ofereceu alguma resistência por estar mais presa às rochas. Tentaram ainda recolher uma quarta âncora, mas já não foi possível por estar demasiadamente presa.