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Mónica Bulhões abre Guarita da Capa Amarela na Maia, “um espaço físico de abrigo, reflexão, palavra escrita e cuidado em prol do outro”

Mónica Bulhões é o rosto por trás da “Capa Amarela”, uma página de Facebook que conta com 16 mil seguidores e tem como propósito “inspirar pessoas através de textos de reflexão sobre o amor, as pessoas, a vida ou até mesmo a falta destes.” No seguimento deste projecto, surge agora a Guarita da Capa Amarela, um espaço físico, situado na Rua do Rosário nº76, na freguesia da Maia, que dá continuidade à missão da página e que pretende ser um lugar de “aproximação e reflexão promovendo, através do encontro e diálogo, a intensificação de laços afectivos, quer sejam familiares, de amizade, ou até mesmo de encontro pessoal.”

Correio dos Açores – Como surgiu a ideia de criar a “Capa Amarela”?
Mónica Bulhões (Escritora e proprietária da Guarita da Capa Amarela) – A escrita sempre fez parte de mim. Desde muito cedo ganhei o hábito de transpor para o papel os meus sentimentos e vivências. Sempre senti a necessidade de escrever em diários e de endereçar cartas aos que me eram próximos. As palavras acontecem-me de uma forma muito natural e, a dada altura, comecei a aperceber-me de que faziam a diferença na vida das pessoas que por mim passavam.
A página de Facebook ‘Capa Amarela’ nasceu em Janeiro de 2020. Foi graças à minha profissão e aos momentos de diálogo e partilha de pensamentos com os meus clientes, sendo eles um público distribuído por várias localidades da ilha e de diferentes faixas etárias e estatutos sociais, que encontrei a inspiração necessária para criar este espaço, onde manifesto sentimentos e reflexões baseadas nos acontecimentos da vida. Um ano mais tarde, para aprofundar os meus conhecimentos e para poder enriquecer a minha missão, decidi ingressar no ensino superior, no curso de Comunicação e Relações Públicas, na Universidade dos Açores. Esta iniciativa permitiu-me abrir, ainda mais, os horizontes, levando-me a partilhar estas aprendizagens com os seguidores. Enfrentar desafios, atravessar dilemas, conquistar vitórias ou, por outro lado, viver processos de dor, desamor, tristeza, entre outros, é um processo transversal a todos. Deste modo, tento apoiar as pessoas, mostrando-as que não estão sozinhas nesta caminhada. Decidi construir esta página com o intuito de encorajar e relembrar o lado bom da vida, permitindo ao leitor reflectir e retirar os bons ensinamentos acerca das coisas menos boas com que todos nos deparamos. Ter dado existência à ‘Capa Amarela’ foi, acima de tudo, fazer cumprir o meu propósito de ser uma ponte que leva as pessoas a olhar para um mundo mais optimista e alegre.

O que está por trás da escolha do nome e das cores?
Inicialmente, a página foi pensada para ser anónima, daí o nome ‘Capa’, no sentido de mistério ou pessoa oculta. ‘Amarela’ porque, para além de ser a minha cor preferida, é também uma cor que desperta os sentidos e traz leveza e boa disposição. Amarelo é a cor da alegria. O nome ‘Capa Amarela’ significa uma personagem de espírito místico e sonhador que aparece, embora que de forma encoberta, para oferecer o melhor de si aos outros e levá-los a viajar por um mundo mais harmonioso.

Como é que a página evoluiu ao longo do tempo, passando de uma plataforma anónima para um projecto mais amplo?
A página manteve-se anónima durante três anos. Para surpresa minha, foi tomando um alcance cada vez maior, ultrapassando as medidas da ilha. As minhas palavras, embora simples, ganharam asas e atravessaram mares e continentes, tocando muitas pessoas e as suas vidas. Fui recebendo, ao longo deste tempo, inúmeras mensagens de leitores a agradecerem as partilhas dos textos e muitos a dizerem que encontravam na minha página conforto, companhia e maior capacidade de entender a si e aos outros. É então que começo a aperceber-me da responsabilidade que carregava e da necessidade de cimentar esta missão. Mostrar o rosto da ‘Capa Amarela’ foi um compromisso para com os seguidores e admiradores do conteúdo da página, bem como uma provação a mim mesma, de que as emoções e sentimentos precisam ser sentidos, verbalizados ou exteriorizados, sem medos nem tabus.

Que momentos levaram à expansão da página?
A página ganha maior expansão exactamente no momento em que revelo a identidade da ‘Capa Amarela’. A revelação foi feita em Setembro do ano transacto, uma altura de grandes causas, onde se assinala o Dia Mundial da Prevenção do Suicídio (Setembro Amarelo) e o Dia Internacional da sensibilização para o Cancro Pediátrico (Setembro Dourado).

Qual tem sido o feedback dos leitores? Pode partilhar connosco alguma história que a tenha marcado?
As pessoas foram desde sempre muito calorosas. Ainda quando não conheciam a identidade da ‘Capa Amarela’, reagiam de forma muito positiva, partilhando as publicações e deixando os seus comentários. Notava que se identificavam com os textos que eu escrevia e enviavam várias mensagens a parabenizar a página. Depois de me dar a conhecer, o feedback foi ainda mais positivo. Os de perto manifestaram o seu apreço e encorajaram a continuar e os demais leitores continuaram activos e convidavam os seus amigos a juntar-se à comunidade da ‘Capa Amarela’. Actualmente, a página conta com cerca de dezasseis mil seguidores. Neste tempo tenho sido presenteada com várias abordagens. Recordo, em particular, a história de um leitor que depois de ler um texto acerca do perdão enviou-me uma mensagem a dizer que o havia tocado profundamente e que o tinha levado a tomar a iniciativa de reconciliar-se com o irmão. Uma escritora e poetisa brasileira que, ainda no anonimato da página, me abordou por mensagem, dizendo que eu a inspirava na criação das suas obras, incentivando-me a continuar. A ‘Capa Amarela’ também me aproximou de pessoas e ajudou a criar laços com elas, pelo interesse em comum com a escrita. Recebo, ainda, muitas fotografias, de seguidores, com padrões amarelos para me ajudarem a inspirar, bem como muitos pedidos de escrita sobre várias temáticas.

Como é que a Guarita se torna um espaço físico, com o objectivo de promover encontros e reflexões?
A Guarita da Capa Amarela é uma pequena casa, alicerçada num lugar emblemático da terra onde nasci e onde vivi os anos mais inspiradores da minha vida. Construí esta pequena torre, virada para o mar, numa altura em que não conhecia limites para sonhar. Curiosamente, foi a uns escassos passos de distância desta casa, que a minha avó paterna viveu largos anos da sua vida, sendo que é ela uma das principais fontes inspiradoras para a criação do conceito pensado para este lugar. Esta casa foi berço de algumas famílias e serviu de trampolim para voarem mais alto. Está edificada ao lado de uma fonte que conheceu as histórias mais fascinantes da zona e contadas em livros publicados. Este lugar testemunhou beijos, encontros, lutas entre rivais na disputa de um amor maior. A “fonte velha do penedo”, vizinha da Guarita, é por si só um lugar de encontros e reflexões na história da freguesia que a envolve. Tornar esta casa um lugar de acolhimento e inspiração, para quem a decidir visitar, é apenas dar continuidade àquilo que conta a história narrada nas cartas do povo maiato.

Pode contar-nos um pouco mais sobre a inspiração que esteve por trás da Guarita da Capa Amarela? De que forma este espaço se conecta com a missão da página?
Recordar as cartas, em especial as que a minha avó outrora me escrevia, fez-me acordar a vontade de retomar esta prática e de desafiar as pessoas ao mesmo fim. Maria Tereza da Câmara Branco, nascida em 1914, foi uma mulher inigualável. Nos cento e três anos que viveu, ensinou aos que por ela passaram lendas, rezas, poesias e cantigas. Foi uma contadora de histórias e deixou em mim a semente. Era das poucas pessoas da sua idade que sabia escrever e captava-me sempre a atenção a sua vaidosa caligrafia. Fez-me prometer nunca a esquecer, rezar missas por sua alma, e falar dela à minha descendência, tal como ela fazia com os seus antepassados. Nem sempre foi entendida nas suas dores. Chorou muitas ausências, umas levadas pela emigração e outras pela morte. Usava as cartas para reclamar com Deus e aproximar-se das suas gentes. Chamava-me a participar na escrita das mesmas, quando o cansaço a dominava. Lembro-me que me obrigava a escrever exactamente da forma como falava. Num português arcaico e rico nas expressões que ainda hoje preservo dela. A minha avó era uma mulher de pessoas, de conversas longas e de aconselhamentos.
Na sua linha de vida cruza-se esta minha sina. A missão da ‘Capa Amarela’ é, se calhar, um apêndice do propósito de vida da minha avó. Numa forma mais evoluída, levar aos outros a palavra e cimentar nos corações de quem me lê os ensinamentos que, também, recebi dela. Tereza do Castelo, como era apelidada pelo povo, foi uma mulher de palavras que me ensinou que ‘há um falar e dois entenderes’. Desta forma, cresci com a curiosidade de tentar decifrar a essência das pessoas. Quero convidar para a Guarita toda a gente que esteja disposta a sentir mais de perto o outro, a escutá-lo, a fortificar os seus laços e a comprometer-se mais ao diálogo e à prática da escrita das cartas., porque quando as tornamos a ler, volta sempre todo o afecto que emanamos nelas. Escrever cartas é tornar eterno o sentimento de amor e estima pelas pessoas.
É isso que faço na minha página. Escrevo textos para que, quem me ler possa relembrar e priorizar o lado bonito da vida. E é isso que quero que as pessoas tenham a oportunidade de vir à Guarita fazer: estarem atentas ao outro, inspirar-se num ambiente que as leve a cultivar e regar o amor para sempre.

Por que escolheu o nome Guarita? Qual a simbologia por trás dessa escolha?
O dicionário diz-nos que “guarita” é uma pequena casa em formato de torre que abriga sentinelas. Tendo em conta que o significado etimológico da palavra “sentinela” é também “uma pessoa que observa atentamente ou cuida de algo ou alguém”, não poderia escolher outro nome. A arquitectura da casa em questão obedece a essa descrição e a intenção é mesmo a de agasalhar as sentinelas dispostas a vigiar e a proteger os corações avistados, incluindo o seu. A Guarita da Capa Amarela é um espaço físico de abrigo, reflexão, palavra, escrita e cuidado em prol do outro.

De que modo a Guarita da Capa Amarela vai promover a intensificação de laços afectivos?
Hoje em dia, temos todos falta de tempo uns para os outros. A agitação do dia-a-dia consome-nos a energia e acabamos por adiar os encontros, os diálogos e os abraços. A Guarita aparece para colmatar estes vazios, oferecendo um ambiente de paz e tranquilidade que reúne todas as condições para as pessoas desfrutarem de um tempo fértil e restaurador de relacionamentos. Surpreender não só o seu par romântico, mas também um pai ou mãe, um amigo de longa data ou qualquer pessoa especial na sua vida. Deste modo, passar um tempo proveitoso intensificando os laços que os unem.

Quais foram os maiores desafios que teve de enfrentar para trazer a ‘Capa Amarela’ para o mundo físico?
Tornar os nossos sonhos realidade é sempre desafiante, porque bem sabemos que só os podemos viver, quando pomos mãos à obra. Este projecto foi pensado num passado muito recente, daí que abrir as portas da Guarita da Capa Amarela em tão pouco tempo, após o ter sonhado, foi talvez o maior dos desafios. Outro desafio, foi o de pensar em tornar este espaço um lugar inovador e que bem representasse o perfil e a missão da ‘Capa Amarela’, distinguindo-se de outros pontos de alojamentos.

No contexto actual, onde a atenção muitas vezes se desvia para fora do nosso núcleo, de que forma a Guarita da Capa Amarela convida as pessoas a olharem mais atentamente e a entenderem as necessidades dos outros?
Primeiramente, a Guarita convida a reflectir sobre a importância que as nossas pessoas têm, de facto, na vida de cada um de nós. Quero fazer entender que é urgente reparar se quem está ao nosso lado está feliz. Contribuir para perceber que colaboração podemos dar, enquanto sentinelas atentas ao outro, para potenciar a alegria a quem nos circunda. No fundo, a Guarita da Capa Amarela tenciona ser a “fada madrinha” que proporciona tempos de magia à história de vida das pessoas. Para melhor envolvimento das mesmas e maior impacto da missão deste projecto, teremos um conjunto de parcerias na área de terapia de relacionamentos, coach, psicologia e terapias espirituais.

Como será a experiência de visitar a Guarita da Capa Amarela? O que podem esperar os visitantes? Como se podem envolver no espaço de reflexão?
Desde logo, a pessoa que vai ser convidada será surpreendida com uma carta no seu correio, escrita pela direcção da Guarita. Esta carta, em jeito de convite e escrita com parâmetros ímpares, será uma carta de cariz amoroso, de amizade ou estima, dependente do convidado. Haverá também a possibilidade deste convite surgir em forma de áudio onde, numa breve conversa entre a direcção e a pessoa que quer surpreender, se manifeste, de forma descontraída e humorada, a intenção de a resgatar para um tempo a sós. Esta gravação chegará ao convidado, servindo também de recordação futura para os envolvidos.
Durante a estadia, usufruirão de todo o conforto e serenidade que o espaço oferece, terão a oportunidade de consultar e de se inspirar nas várias cartas coleccionadas no local, bem como terão o desafio de escreverem uma carta, com o intuito de participarem no concurso promovido pela Guarita da Capa Amarela: “Cartas d’alma”. As cartas serão analisadas por um júri competente para o fim e o vencedor será premiado pelo seu mérito.

O que pretende alcançar com a Guarita da Capa Amarela? Espera que este espaço influencie, de forma positiva, a vida das pessoas que o visitam?
Essencialmente, pretendo reunir as pessoas lembrando que é o amor que salva e, como tal, precisa de ser adubado para que se mantenha viçoso. A Guarita da Capa Amarela espera ser uma incubadora de mensagens e de cartas de afectos para que, quem por lá passar, possa enviar um testemunho de amor pelos vários correios do mundo.

Carlota Pimentel 
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