Xolim, Triki e Aparício, três ‘treinadores’ que fundaram a associação de clubes (AASB), em 2014, fundam, em 2016-2017, três empresas (de surfing). Eram presidentes de três dos cinco clubes (ao tempo) associados (à AASB).1 Porquê? Porque (há boas provas disso) a partir de finais do mês de Março de 2015, com o início dos voos a baixo custo foram chegando à ilha (carradas de) turistas com poder de compra (muito acima da dos locais). Que, além de trilhos, da observação de cetáceos, da prática de desportos (ditos) radicais, desejavam também ter uma experiência no surf. André Caetano (ao que diz) satisfez (já) reservas (de aulas) de gente daquele primeiro voo.2 Para o caso (específico) do surfing, outro factor decisivo (além da propaganda das competições internacionais que tiveram por palco os areais da Ribeira Grande) foi a (promessa da) sua inclusão nos Jogos de Tóquio 2020.3 Outra influência: haver (na ilha) ‘treinadores’ qualificados. Tudo isso, fez vir gente de fora e atraiu gente da terra à modalidade.4
Que fazer (então)? Criar uma empresa (uma sociedade com fins lucrativos). Havia (entre outros) os exemplos pioneiros das empresas de observação de cetáceos.5 Cada nova empresa, publicitou a sua oferta através (sobretudo) das ‘redes sociais.’ A opção turística ao ‘já chamado Havai do Atlântico,’ fazia-se sentir (então, sobretudo) no verão. E o clube? Aproveitaria os meios disponíveis da empresa. Esses treinadores/proprietários que, para tentar melhorar o desempenho desportivo da modalidade, haviam instigado a criação de uma associação de clubes e entrado em clubes (ao tempo) existentes, para (pouco) depois se desencantarem com a falta de apoio, ofereciam (a partir de agora) melhores condições aos seus clubes. Rendibilizariam (assim) ao máximo os meios da empresa, partilhando-os com o clube. Uma melhoria (substancial) na oferta levaria (também, como começou por levar) a um aumento da procura (ao nível) local. Esse foi (ou terá sido) o raciocínio. Quantos clubes – empresas, se formaram (entretanto) na Ribeira Grande? Dois. O Azores Surf Clube/Azores Surf Center/ e o Santa Bárbara Surf Club/ Santa Bárbara Surf School Azores. Ambos sediados na praia de Santa Bárbara. Em Ponta Delgada, havia o Azores Radical Club/ Black Sand Box de João Alves Triki.6 Na Ribeira Grande, mas só como empresa, havia a Azores Surf Co de David Costa.7 Isso, foi o que (já) consegui apurar (no entanto, sem ter ainda confirmação final).
Alcançar-se-ia o (pretendido e desejável) equilíbrio entre os objectivos da empresa (lucro) e os do clube (formação de atletas e de novos surfistas)? O balanço de 2017, feito (ainda) na gerência de Francisco Melo (Presidente) e de Lili Viana (vice-Presidente), é (bastante) ambivalente. Abre com uma nota (ligeiramente) positiva: ‘houve retoma na modalidade, com um aumento do número de atletas federados, possivelmente resultado do aparecimento em 2016 e 2017 de novos clubes específicos das modalidades surfing bem como, um acréscimo visível de praticantes nas nossas praias e zonas de surf.’ No entanto, num ano apenas de experiência, tornara-se (já) evidente que o prato da balança inclinava-se (mais) para a empresa em detrimento do clube: ‘Apesar de uma nova abordagem dos diferentes clubes e escolas à modalidade, agora também constituídos como empresas, que viram no leccionamento de aulas de surf a não praticantes, uma fonte de rendimento apetecível e muito mais rentável que a formação de atletas.’ Repare-se: ‘e que resulta numa falta efetiva de tempo e disponibilidade / vontade para se dedicarem aos seus atletas e clubes (…).’ Ainda assim, ao fundo do túnel parecia luzir (queriam crer) uma luzinha de esperança: ‘verificou-se uma retoma dos valores iniciais do número de atletas federados, fruto de um aparecimento de praticantes muito mais jovens. Por outro lado, este aparecimento de novos praticantes das modalidades de surfing, agora com idades muito inferiores às usuais à 5 anos atrás (5, 6 e 7 anos de idade), resulta do aparecimento destes clubes e escolas, que despertam nos pais uma maior confiança e seguram para a prática da modalidade quando tutelada por treinadores experientes, em escolas com todo o equipamento adequado à aprendizagem e segurança dos seus alunos.’ Era (bem) evidente o contraste entre o antes e o agora: ‘De referir que ainda há pouco tempo, a aprendizagem das modalidades de surfing era feita de uma forma casual e autodidata, por iniciativa dos praticantes e apenas como o apoio e orientação dos praticantes mais experientes. Esta situação levava a que esta iniciação nos desportos de ondas ocorresse apenas quando os novos praticantes já dispusessem de uma idade, maturidade e composição física (já com 15 ou mais anos de idade) para a prática deste desporto com alguns riscos. De notar um aumento constante e significativo de praticantes com idades inferiores aos 12 anos (Sub12 – primeiro escalão de competição), infelizmente, muitos deles não federados.’8 Vamos a factos: abriram dois clubes/empresas (a Radical e a Santa Bárbara) mas (em contrapartida) haviam fechado quatro clubes (Clube Náutico da Lagoa, Naval de Ponta Delgada, Secção de Surf dos Bombeiros de Ponta Delgada e o Clube Naval de Rabo de Peixe estava prestes a encerrar). À ligeira melhoria face a 2016, em 2018, verificou-se uma quebra abrupta: 65% no número de atletas federados, 52,9 % no número de Juízes, 61% no número de dirigentes. Só houve uma subida de 18% no número de treinadores. Isso no Relatório elaborado pela direcção (já) encabeçada por António Rui Guterres Benjamim.9
Que relação havia (então) entre o surfing e a nova autarquia da Ribeira Grande (PSD) que entrara em funções em Outubro de 2013?10 Em larga medida, após a aposta (pioneira) da Câmara da Ribeira Grande, logo em 2008, a Região decidira-se a entrar no Surf. Pela banda da Região, Vítor Fraga (em 2015, mas projectando-o para o ano seguinte) afirmava: ‘Os Açores assumem-se como um destino de Surf, um destino de qualidade (…).’11 Percebendo o alcance, algum comércio local da Ribeira Grande (mais clarividente) associara-se ao esforço da AASB. Logo em 2014, na praia de Santa Bárbara, a Açor Óptica, de José Luís Nunes, patrocinara a Taça Açores (a USBA fora quem iniciara a competição). Era pai de dois jovens aprendizes da modalidade. Em 2015, havendo continuidade nos anos seguintes, naquela mesma praia, o Bar TUKA TU LÁ (de Pedro Monteiro e Leandro Almeida – ambos da Ribeira Grande) patrocinaria a Tuka to Master (Campeonato Master). Apesar de o Mundial de Surf de Outubro de 2014 (no Areal de Santa Bárbara) ter sido uma ‘excelente promoção que o evento garante ao Concelho, na medida que é visto por centenas de milhares de pessoas um pouco por todo o mundo,’ é o que afirma Alexandre Gaudêncio, havia um compromisso mais lato em relação à chamada economia do mar.12 A este propósito, o Vereador Filipe Jorge, em Novembro, na comunicação que apresentou no Colóquio sobre o mar, falaria em nome do executivo: a Ribeira Grande quer ser o centro da economia do mar. É por isso que, ‘apesar do surf fazer da Ribeira Grande a capital dos Açores nesta modalidade desportiva,’ o executivo camarário queria ‘mais, porque entend(ia) ser importante gerar receitas através da fixação no concelho de empresas viradas para o mercado de observação de cetáceos, mergulho ou pesca desportiva.’13 Que impacto terá tido na Ribeira Grande (nesse período) o mar/litoral e o surfing?14 Em 2017, ano de eleições autárquicas, o surf/mar (litoral) iria dominar a atenção (e a acção) do executivo que se recandidatava. Tornara-se (já) evidente a dinâmica (sobretudo os benefícios) que o turismo (e o maior afluxo às praias da Ribeira Grande) viera trazer à economia local.15 Na ausência de dados quantificáveis, vou valer-me de (migalhas) indícios (que, obviamente, carecem de futura confirmação). A inflação dos preços no imobiliário, sobretudo o das propriedades situadas próximas dos areais, era (já) um sinal. Nas imediações de Santa Bárbara, em 2016, o próprio Ricardo Ribeiro Xolim (homem com visão) abrira a sua Azores Surf Center House.16 Em 2018, o aumento na procura ditou a ‘remodelação – e ampliação do Santa Bárbara Resort.’ Em 2017, apostando (mas com os pés bem assentes na terra) no futuro (ampliação do Passeio Atlântico e resolução de graves problemas de saneamento) avança (ainda sem alvará) o Hotel Verde Mar & SPA.17 Que domina a Areia – Monte Verde (a maltratada enteada dos areais da Ribeira Grande). Situado no coração da própria Cidade.18 Era a notícia que muitos há muito tempo aguardavam. Além de motivo de (grande) regozijo era (também) um óbvio trunfo eleitoral. Nem tudo isso se deveria ao interesse despertado pelo surfing, é bom dizê-lo, já que, havia trilhos, praias, museus, a feira quinhentista, o Festival Monte Verde, no entanto, era inegável que o surfing (também) contribuía (e bem). Em Fevereiro de 2017, abria portas na rua El-Rei D. Carlos I, no centro da Cidade, a North Surge – Surf House, de Luís Sousa. Um nordestense (da Vila de Nordeste) que apostava na Ribeira Grande. Loja que comercializa (entre outras ofertas) equipamentos de Surf.19 Em Março, o Mundial de Surf juntamente, com o Monte Verde Festival, o Wine in Azores, o Ecologic Trail Run e a Feira Quinhentista são (amplamente) divulgados na Bolsa de Turismo de Lisboa. Naquele ano, a autarquia resolvera reforçar a sua presença naquele tão importante certame.20 Que deu frutos. Ainda nesse mês de Março, chegavam mais (excelentes) notícias: ‘(o) Alojamento local quadruplica(va) em três anos.’21 De acordo com as estatísticas, a Ribeira Grande estaria na vanguarda daquele movimento. Em Setembro, a poucos dias das eleições, uma (muito) inteligente jogada com implicações futuras: o registo da Marca Ribeira Grande Capital do Surf. Alexandre Gaudêncio explicava (na ocasião) a um jornal (local) a razão do registo: ‘Como julgamos que o surf é uma questão fundamental – e por isso reservamos a marca de Ribeira Grande Capital do Surf.’22 Porque (continua) ‘podemos [assim] captar mais investimento e de uma forma descentralizada.’ Em Setembro, ainda a tempo das autárquicas, era assinado um contrato de comodato, ‘pelo prazo de nove meses,’ entre a Câmara Municipal da Ribeira Grande e a AASB. Era presidente da AASB, Francisco Paulo Vieira Cabral de Melo (então) residente na Ribeira Grande. Além de ser (a) capital do Surf, a Ribeira Grande seria ainda o local da sede da associação dos clubes de surfing dos Açores.23 Há (a propósito da construção de uma sede construída de raiz em Santa Bárbara) um esboceto datado de Outubro de 2019. Não vem assinado, mas é da autoria do arquitecto Francisco Cabral de Melo – que havia cedido o lugar a António Benjamim na presidência da AASB.24 Aliás, fora Benjamim a pedir-lhe o esboço. Na Ribeira Grande (ainda) estavam (além do mais) sediados dois dos três clubes/empresas (aderentes à AASB). Não esquecendo que, era nos seus areais (de Santa Bárbara e do Monte Verde) que a AASB e os seus clubes realizavam o maior número de provas Regionais. Doze das dezasseis etapas de 2015-2018, do Circuito Regional de Surf e Bodyboard tiveram por palco a praia de Santa Bárbara.25 A Taça Açores (2015, 2016) também.26 Isso sem fazer conta às provas internacionais (organizadas por Rodrigo Herédia e a AAS). Em Setembro do ano seguinte (2018), era inaugurado o Centro (Municipal) de Surf na Ribeira Grande: ‘local de informação para os surfistas.’27 Bem vistas as coisas, o surfing dera uma mãozinha à economia local e (por certo) não teria desajudado na reeleição da Câmara. Ganhas as eleições, por uma confortável margem, a Câmara tentou resolver ‘uma gritante contradição.’28 Era capital de Surf (agora sede da AASB e de dois clubes/empresas) todavia quase ninguém da Ribeira Grande (poder-se-ia à vontade contar pelos dedos de uma só mão) aprendia a modalidade.29 Em Dezembro, como uma das contrapartidas pelo uso do espaço, Ricardo Ribeiro, Presidente do Azores Surf Clube (repare-se, ficava de fora a empresa Azores Surf Center) obrigava-se a dar ‘aulas de Surf gratuitas a jovens do Concelho da Ribeira Grande e identificados por esta edilidade.’30 Ficaria a questão resolvida?
Snack Bar O Jardim (de João Correia, surfista da 1.ª leva) – Cidade da Ribeira Grande
(continua)
Mário Moura