Talvez devido à instabilidade política dos últimos meses, poucas pessoas estejam atentas à evolução da transição energética. Mas apesar de tudo, convém mantermo-nos atentos à concretização e gestão dos nossos projectos, que hão de sobreviver a esta crise política e irão influenciar a qualidade de vida dos açorianos no longo -prazo. Neste sentido, é de chamar a atenção para a decisão de investimento do (último) governo regional de 131,9 milhões de euros, até 2027, em projectos de energia fotovoltaica e eólica em 8 ilhas do arquipélago. Investimentos estes que, segundo a secretária regional do Turismo, Mobilidade e Infra-estruturas, serão feitos com recurso a verbas do PRR e serão executados pela EDA Renováveis.
Este deve ser um dos maiores investimentos canalizados pelos fundos europeus para a infra-estrutura verde açoriana, e apesar de ser um esforço louvável na transição energética, creio que levanta outras questões logísticas e de manutenção deste sistema, que são igualmente essenciais para garantir que os Açores se tornam uma região mais sustentável. De onde virá o financiamento da infra-estrutura, quando os fundos do PRR terminarem? A quem será concedida a sua gestão? Reflectir sobre estas questões é um exercício crucial para nos assegurarmos que a nova infra-estrutura energética dos Açores não se torna também ela um peso para os açorianos.
E podemos começar por olhar para todos os projectos já em implementação activa no Portal da Energia, da Direcção Regional da Energia. Sendo o braço executivo da Secretaria Regional do Turismo, Mobilidade e Infra-estruturas, os propósitos e objectivos da Direcção são vários, mas é de notar o seu objectivo de implementar a transição energética, através da alocação dos fundos do PRR nestes projectos de infra-estrutura verde. Berta Cabral disse que a execução destes fundos seria feita pela empresa EDA Renováveis. Mas manter esta nova infra-estrutura irá requerer fundos e recursos que terão de vir de algum lado, algo que o governo regional terá de ter em conta. Nesse sentido, urge desenvolver uma nova estratégia orientada para o desenvolvimento do sector privado na região e com este, de novos fundos e perícias que poderão contribuir para a gestão e manutenção da nova infra-estrutura, contribuindo também, e ao contrário do que muitos poderão pensar, para a resiliência e coesão da região, ao diversificar as fontes de investimento destas infra-estruturas e incentivar também à fixação de mais jovens e população na região, por meio de criação de novas oportunidades de emprego.
Esta é uma perspectiva que os Açores devem adoptar em vários sectores económicos e sociais e não apenas no mercado energético, a fim de deixarmos de ser uma região isolada do resto do mundo, e passarmos a ser um ponto nevrálgico essencial na economia nacional e internacional. Mas no que concerne o mercado energético açoriano, o monopólio detido pela EDA Renováveis é um dos principais factores que nos impede de atingir este potencial. Isto fica demonstrado pelos fundos exigidos aos açorianos e portugueses em geral pela manutenção dos seus serviços na produção e distribuição de energia (117 milhões de todos os consumidores de energia do mercado regulado fornecidos pela ERSE, mais 6 milhões para tarifa social), e por práticas que o seu monopólio lhe permite, como a aquisição do excedente de energia de todos os produtores autónomos da região, que procuram desenvolver a sua própria energia por meio de programas como o da Solenerge, e que não têm outra opção senão aceitar os preços exorbitantes da EDA para injectarem o excedente na rede pública, em virtude de esta ser a única entidade disponível para a compra e estar encarregue também da rede de distribuição.
Deste modo, este monopólio da EDA constitui não apenas um peso nos rendimentos da generalidade dos portugueses, mas também desincentiva á fixação de novas iniciativas na região, o que por sua vez se traduz também em menos oportunidades de emprego no sector e menos recursos. Assim, o novo Governo Regional deve repensar a sua abordagem ao mercado energético e torná-lo um factor de atractividade que traga mais recursos para a região. Neste sentido, deve proceder para separar a produção e a distribuição de energia nos Açores. No que concerne à distribuição, deve ser estabelecido um preço competitivo para a injecção de energia na rede pública. Deste modo, os produtores, incluindo pessoas singulares que produzem a sua própria energia, teriam um incentivo para se estabelecerem cá. E para reforçar a atractividade do mercado energético, o governo pode e deve proceder à criação CER’s, CCE’s e ZLT’s que numa primeira lógica poderiam levar ao desenvolvimento de mais iniciativas e ao reforço do tecido empresarial açoriano em geral.
Por outro lado, os consumidores do mercado regulado do país certamente que agradeceriam por não terem de pagar custos extra pelo seu consumo de energia, e os próprios açorianos teriam menos impostos a serem-lhes cobrados, visto que o financiamento da rede distribuição teria fontes diversificadas de investimento e não dependeria tanto dos impostos e apoios do Governo Regional. Já no que concerne à EDA, esta poderá permanecer no mercado, mas terá que ser privatizada e concorrer em pé de igualdade, eliminando-se o factor de concorrência desleal derivado do dinheiro da República que a EDA recebe de forma regular para financiar as suas actividades. Deste modo, formar-se-ia os contornos de um mercado mais liberalizado nos Açores.
Para concluir, uma reformulação da nossa estratégia energética com base nestes princípios tornaria a nossa infra-estrutura mais eficaz e sustentável, além de libertar mais recursos do governo para a gestão e manutenção de projectos onde estas estratégias sejam mais difíceis de implementar, como na ilha do Corvo. Mas o derradeiro benefício para a generalidade dos açorianos será uma menor carga de impostos num dos principais sectores da sociedade. E se o objectivo deste novo governo for realmente facilitar a vida aos açorianos, uma mudança de estratégia neste sentido é necessariamente do seu interesse.
José Couto