Nesta entrevista, João Macedo fala sobre o panorama do cancro infantil no arquipélago e destaca que a incidência é baixa, próximo de 1% de casos, apenas. Os tipos de cancro mais comuns entre as crianças são leucemias, tumores do sistema nervoso central e linfomas.
Correio dos Açores – O Dia Internacional da Criança com Cancro foi instituído para sensibilizar a sociedade sobre esta doença. Na sua opinião, qual é a importância desta data?
João Macedo (Presidente do Centro de Oncologia dos Açores) – O Dia Internacional da Criança com Cancro é assinalado a 15 de Fevereiro e tem como objectivo ajudar todas as crianças vítimas de cancro a conseguirem acesso a melhores tratamentos e medicamentos, bem como dar apoio às suas famílias e amigos. É uma data importante para sensibilizar a população para esta temática e todas as suas envolventes, que afecta de forma muito significativa a dinâmica das famílias envolvidas em diversos níveis, bem como para dar visibilidade às organizações que trabalham na área e que fazem um trabalho extraordinário no apoio a doentes e suas famílias, potenciando também a angariação de fundos para que possam continuar e melhorar a sua actividade diária.
Qual é a incidência do cancro infantil na Região? Este número tem vindo a aumentar?
Quando se fala em incidência de cancro pediátrico, é necessário ter em conta que estamos a falar de números muito pequenos, pois existem muito poucos casos diagnosticados, felizmente. Apesar de se manter uma incidência genericamente estável, por essas razões, é difícil falar em tendências temporais, porque um caso apenas pode originar uma variação muito significativa de um ano para o outro. Em termos de incidência, a mesma é residual, próxima de 1% dos casos apenas. A nível nacional, existem menos de 400 casos anuais abaixo dos 19 anos e essa tendência mantém-se também nos Açores, onde existe uma média ligeiramente superior a 10 casos por ano nessas faixas etárias.
Quais são os tipos de cancro mais frequentes?
Nestas faixas etárias, a tendência é que os cancros mais frequentes sejam as leucemias, tumores do sistema nervoso central e linfomas, o que se confirma também na Região, onde essas patologias variam entre 15% e 20% dos casos totais, cada uma, sempre com a nota relativa ao facto de estarmos a falar de pequenos números, onde as variações estatísticas se sentem com mais intensidade.
Qual é a taxa de mortalidade na Região?
A mortalidade neste tipo de cancro, felizmente, é muito baixa, a taxa de cura supera os 80%. Nos últimos cinco anos registados, existiu uma média inferior a dois óbitos anuais por cancro em faixas etárias abaixo dos 19 anos, e esse número reduz ainda mais em faixas abaixo dos 15 anos.
Sabe-se que o diagnóstico precoce é fundamental para o tratamento eficaz do cancro infantil. Que medidas têm sido implementadas de forma a garantir que as crianças nos Açores tenham acesso a um diagnóstico rápido e adequado?
Nesta área existem circuitos de referenciação para centros de referência especializados que asseguram uma resposta pronta e eficaz, uma vez que se trata de uma área muito específica de diagnóstico e tratamento. Os doentes rapidamente são referenciados para entidades especializadas no continente, como os IPO`s e hospitais pediátricos, onde se procede a um diagnóstico mais definitivo e se iniciam os tratamentos. Posteriormente, e consoante os casos, poderão seguir uma parte dos restantes protocolos terapêuticos já nos hospitais de origem na Região.
Os dados mostram que as leucemias são as mais mortíferas entre os cancros pediátricos. Que desafios enfrentam os profissionais de saúde ao lidar com este tipo de cancro em crianças?
O cancro pediátrico tem muitas particularidades, pois tratar uma criança não é igual a tratar um adulto em ponto pequeno. Além do desafio em termos técnicos e clínicos, e da potencial agressividade dos tratamentos, que exige uma preparação diferenciada, existe uma carga emocional muito grande quando se lida com cancro em crianças o que, por um lado, torna os sucessos especialmente celebrados, e, por outro, os insucessos muito difíceis de lidar. Torna-se necessário ter uma preparação profissional bastante robusta e em constante actualização, mas também uma preparação emocional muito apurada.
Considerando o contexto dos Açores, quais são os principais obstáculos que enfrentam no tratamento as crianças com cancro e as suas famílias?
Eu diria que, em termos clínicos, os doentes têm acesso aos tratamentos mais actualizados e têm a acessibilidade adequada, tendo em conta as nossas particularidades. Além da dificuldade que é para qualquer família, em qualquer local, lidar com um caso de cancro pediátrico, o maior desafio da nossa realidade é, provavelmente, o facto de os doentes e as suas famílias muitas vezes terem de se ausentar do seu local de residência e conforto para poder prosseguir com o seu tratamento. Apesar de existirem apoios logísticos e financeiros em vigor para essas deslocações, para doentes e acompanhantes, como prevê o Regulamento de Deslocação de Doentes na Região e o Complemento Especial para Doente Oncológico, as mesmas acabam por causar algum desgaste físico, emocional e até profissional, mas que acaba por ser necessário para poder assegurar o acesso aos melhores tratamentos.
Que mensagem quer deixar aos nossos leitores neste dia?
Gostaria de deixar uma mensagem positiva, apesar de ser uma temática sensível. O cancro infantil tem, apesar de tudo, uma incidência baixa e uma taxa elevada de cura, a tecnologia médica está cada vez mais avançada na área da oncologia e existem diversas organizações vocacionadas para auxiliar e apoiar doentes e famílias que passem por essa situação, que podem e devem procurar esse apoio para ultrapassar da melhor forma a situação.
Carlota Pimentel