O “Guia Prático da Geodiversidade dos Açores” vai ser apresentado hoje, na sede da Associação Os Montanheiros, em Angra do Heroísmo, pelas 18h30. Com textos da autoria do vulcanólogo e professor João Carlos Nunes, o guia dá ênfase às estruturas e elementos presentes nos Açores, nomeadamente às relevantes geopaisagens e geossítios açorianos. Em entrevista, João Nunes explica o que podemos esperar deste novo volume, bilingue. De acordo com o investigador, os Açores são uma região grande em geodiversidade, tendo em conta o seu tamanho, quando comparamos com outras regiões da Macaronésia. João nunes defende ainda que se deve levar os turistas a visitarem outras ilhas, reduzindo, assim, a pegada do turismo nos geossítios de São Miguel, a ilha que sofre mais pressão.
Correio dos Açores- O que nos pode contar sobre o “O “Guia Prático da Geodiversidade dos Açores”, que contém textos da sua autoria?
João Carlos Nunes (Vulcanólogo)- Como o nome refere, o conteúdo do guia está direccionado para a componente da geodiversidade do património natural. Quando normalmente falamos do património natural, lembramo-nos logo da flora e da fauna, mas é bom lembrar que este património inclui o que chamamos de natureza abiótica, ou seja, a componente não-viva, a geodiversidade. Neste guia, são passados em revista os principais elementos de geodiversidade dos Açores, que, sendo uma região vulcânica, essencialmente o que temos neste guia são os principais elementos de geodiversidade de regiões vulcânicas, onde estão incluídas as caldeiras, as crateras, os cones, as disjunções prismáticas, como por exemplo a da Rocha dos Bordões, nas Flores, ou a da Ribeira do Maloás, em Santa Maria.
São descritos cerca de 70 elementos de geodiversidade, paisagens, que são típicas aqui dos Açores. Tivemos o cuidado de incluir exemplos de todas as nove ilhas. Desde o início tivemos a atenção de falar dos vários elementos apresentando exemplos que cobrissem todos os Açores. Outra preocupação foi que o guia fosse ilustrado com fotografias que fossem exemplificativas. Tivemos o apoio muito importante de Paulo Henrique Silva, que tem um espólio fotográfico magnífico de paisagens geológicas dos Açores, e que foi incorporado neste livro. Também tivemos a possibilidade de contar com a colaboração de ilustradores, pessoas especializadas no desenho de elementos de geologia, que permitiram fazer diagramas e ilustrações que estão contempladas neste livro, porque o objectivo é que a linguagem e o design do livro fossem suficientemente interessantes para abranger um público bastante diverso, desde alunos, professores, visitantes, residentes, turistas e todos aqueles que queiram perceber melhor a nossa natureza geológica, os nossos vulcões e paisagens.
Este foi um desafio importante, que me foi colocado pelo Instituto Açoriano de Cultura, juntamente com os colegas Paulo Borges e Rosalina Gabriel, que estão a coordenar a colecção “Guias Práticos do Património Natural dos Açores.” Já saíram dois guias anteriormente e colocaram-me o desafio de escrever um guia sobre a geodiversidade, para completar os anteriores, que abordam o tema da biodiversidade.
O guia é bilingue. Está escrito em Português e Inglês…
Alguém que nos visita, ao chegar, por exemplo, a um miradouro ou a uma paisagem e observar alguns elementos, como os cones, as depressões ou as lagoas, muitas vezes questiona-se sobre o que são esses vários elementos que está a ver. No livro procuramos, com as fotografias, os esquemas e textos, dar informação que ajude quem está nestes locais a interpretar a paisagem que está a observar. Dai que julgamos que o livro é útil também para quem nos visita. Será igualmente útil para quem trabalha nos Açores em empresas de animação turística, guias da natureza, que interagem directamente com os visitantes.
Os próprios açoreanos têm conhecimento da riqueza da geodiversidade da sua região?
Diria que há maior consciencialização, neste momento, do que há 10 ou 20 anos, porque este é um assunto que tem vindo a ser abordado. Inclusive, há já várias áreas protegidas nos Açores em que o seu interesse tem a ver com a geodiversidade. O exemplo desta importância é a Ponta da Ferraria, por exemplo, onde a geologia do local e a geodiversidade são de tal modo importantes que levaram à sua classificação como área protegida. Simultaneamente, a Ponta da Ferraria é um geossítio do Geoparque Açores, é uma zona muito visitada e tudo isto conjugado faz com que os próprios residentes adquiram mais consciência, não só da beleza, mas também daquilo que tenha realmente valor nos Açores. Temos de continuamente manter esta formação e informação, até porque nunca conseguiremos chegar a todas as pessoas, mas com estas contínuas acções, livros, etc, podemos chegar a um público mais vasto. Esta é uma tarefa do dia-a-dia e apesar de termos realizado este guia, é preciso continuar a trabalhar nestes temas.
Considera este guia completo?
Ele terá seguramente lacunas e está longe de estar perfeito. Diria que é um primeiro contributo. Se conseguirmos reunir os necessários apoios, até já está previsto, num futuro próximo, fazer uma nova edição melhorada e aumentada. É algo que implica tempo e recursos. Também será importante perceber a reação e o modo como as pessoas avaliam o guia, até para que, em futuras edições, se possam fazer ajustes. Faz parte do crescimento que é preciso neste tipo de publicações e ir ajustando em função dos contributos e do retorno que as pessoas vão dando, relativamente não só aos textos, mas também às gravuras, ilustrações e fotografias.
Qual é a sua opinião sobre a geodiversi-dade dos Açores e como a compara a outras regiões da Macaronésia?
Nos Açores temos uma paisagem e uma geodiversidade essencialmente vulcânicas. Não é apenas vulcânica, porque há outros elementos de geodiversidade nos Açores que são importantes, por exemplo os fósseis de Santa Maria.
Se compararmos a nossa riqueza e o nosso património geológico aos outros territórios da Macaronésia, desde logo a Madeira, Canárias e Cabo Verde, os Açores não ficam atrás destas regiões. Apesar de termos um território mais pequeno do que por exemplo as Canárias ou Cabo Verde, em termos de dimensão das ilhas, os Açores têm uma característica que normalmente acentuo sempre que é: apesar de sermos um território pequeno em termos de área, temos uma grande geodiversidade, porque nas diferentes ilhas temos uma grande variedade de tipos de rochas, de vulcões e de estruturas. Só para termos uma ideia, o Corvo tem uma diversidade de rochas tão grande quanto São Miguel, desde pedras pomes, até basaltos, escórias, numa ilha que tem pouco mais de 17 km².
Isto torna a geodiversidade dos Açores, não só rica em termos de quantidade, mas até de relevância e de importância. Tudo isto está traduzido no facto de que nos Açores termos 121 geossítios, ou seja, lugares de relevância geológica. Este número de geossítios mostra a importância da geodiversidade aqui nos Açores.
A preservação desta geodiversidade está garantida?
Diria que nada está garantido, mas gosto de ver as coisas pelo lado positivo. Se recuarmos algumas décadas atrás, muito pouco era conhecido, valorizado e protegido em termos de geodiversidade. Através da intervenção de várias pessoas, entidades e grupos, isto tem vindo a melhorar ao longo do tempo. Acabei de dar o exemplo da Ponta da Ferraria, que foi classificada como área protegida devido à sua geologia e geodiversidade, em 2005. Antes disso, era conhecida pelas suas termas onde as pessoas iam tomar banho e passear. Quem diz a Ferraria, diz também estes outros 120 geossítios.
Está tudo feito? Não. Precisamos estar atentos. Sobretudo com, por exemplo, o desenvolvimento de algumas áreas em termos turísticos, às quais temos de estar ainda mais atentos para termos a certeza de que a sua visitação e capacidade de carga não sejam excedidas e não põem em causa a integridade e a existência destes locais. Isto implica que entidades governamentais, entidades públicas, autarquias e a própria população conheçam um pouco a geodiversidade (o que é um dos objectivos deste guia), aplicando-se aquela velha máxima de que “para proteger é preciso conhecer.” Uma população esclarecida e conhecedora da sua geodiversidade vai também estar mais atenta e vai seguramente contribuir para que se possa, cada vez mais, ter uma boa protecção dessa geodiversidade. Mais uma vez, esta é uma tarefa do dia-a-dia e constante sobretudo naqueles locais que estão sujeitos a maior pressão, designadamente, a turística.
O crescimento do turismo pode provocar uma pegada maior nestes geossítios?
O turismo aumentou, se compararmos com o que havia há 10 anos, mas também podemos comparar com outros territórios da Macaronésia. Se compararmos o turismo nos Açores com o turismo nas Canárias, encontramos diferenças grandes pela positiva. O número de turistas que temos nos Açores inteiros, nas Canárias existe numa única ilha do tamanho de São Miguel, que é a ilha de Lanzarote. Portanto, é a diferença entre um turismo de massas que existe em algumas ilhas das Canárias, e o turismo que temos nos Açores.
É por isso que nos últimos anos tem havido algum cuidado e algumas acções no sentido de controlar os acessos, diminuir a tal pegada turística. Estamos todos lembrados daquilo que foi feito na Lagoa do Fogo e as medidas que foram tomadas, por exemplo, com a implementação do sistema de mini-autocarros para se poder aliviar alguns problemas. Este é um bom exemplo de que, havendo uma pressão demasiada, não podemos ficar sentados à espera que o problema se resolva sozinho. Temos de agir e de tomar medidas. Se for possível tomar medidas antecipadamente, antes dos problemas acontecerem, tanto melhor.
Há algum geossítio a que se deve ter mais atenção, ou que esteja a sofrer muita pressão?
Aquilo que observamos é que essa pressão maior, em termos de visitação, ocorre em sítios particulares, em alturas do ano particulares. É fácil perceber que estes sítios são aqueles que são mais visitados, é na época do Verão e em algumas alturas do dia. O que é preciso fazer é arranjar mecanismos de dispersar as pessoas por vários sítios, e não as concentrar todas no mesmo local. Dar alternativas de visitação às pessoas. Este guia pode também contribuir para isto, chamando a atenção para outros elementos e outras paisagens que são igualmente importantes e, naqueles sítios que têm maior pressão, ter infraestruturas que possam dar resposta a essa pressão, sabendo nós que não devemos ter infraestruturas para dar resposta aos picos de visitação, porque aí iriamos descaracterizar os lugares. Volto a dizer que o que foi feito na Lagoa do Fogo é um bom exemplo. Não foram feitos 30 parques de estacionamento no miradouro da Lagoa do Fogo, foi criado um sistema de visitação, de modo a criar menos pressão no tal miradouro que estava a ser alvo de maior pressão. É este tipo de abordagem.
Esta pressão maior existe sobretudo em São Miguel, e os Açores são nove ilhas. Também temos de arranjar mecanismos para que as pessoas sejam “aliciadas” a visitarem outras ilhas e seguramente que não haverá esta pressão tão grande noutras ilhas como há em São Miguel. Se as dispersarmos por várias ilhas, não as concentrando todas no mesmo sítio, também contribuímos para diminuir esta pegada e pressão. Traria benefícios para toda a gente: para aqueles que têm uma pressão exagerada, e para aquelas ilhas que precisam de receber pessoas. É bom lembrar que o turismo promove o desenvolvimento dos territórios e é preciso ter isto em conta, até porque o turismo não é só o hotel ou o restaurante ou a rent-a-car, também é os produtos que as pessoas consomem, é os monumentos que visitam. portanto, tudo isso pode ser potenciado pela actividade turística.
Quer acrescentar mais algum ponto que não tenha sido abordado?
Quero acentuar que este guia faz parte de um conjunto de guias que são dedicados ao património natural dos Açores. Este é o terceiro guia. Esta colecção é coordenada por Paulo Borges e Rosalina Gabriel e é editada pelo Instituto Açoriano de Cultura. É graças a estas entidades e pessoas que o meu contributo surgiu e o guia da geodiversidade é agora lançado.
Mariana Rovoredo