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“Quem diz que a agricultura biológica é miserável e que à conta dela vamos morrer de fome, está a mentir”, afirma Ana Henrique

A Quinta Das Flores, na Ribeira das Tainhas, promove vários cursos sobre Agricultura Regenerativa e Biológica para locais e a grupos internacionais que acampam no espaço, para estar a aprender como cultivar de forma diferente do tradicional. Ana Henrique, proprietária da Quinta, é uma resistente. Diz que tem das melhores laranjas dos Açores e quer ter outros frutos e hortícolas através de métodos inovadores.

Correio dos Açores – Pode falar da história da Quinta das Flores e como se tem desenvolvido ao longo do tempo?
Ana Henrique (Proprietária) – A Quinta das Flores é um pedaço de terra onde construí a minha casa. Era uma quinta de laranjas já muito antiga e mantivemos sempre a estrutura original.
Estamos em funcionamento há pelo menos 10 anos. Nos últimos seis anos comecei a organizar cursos de permacultura. O ano passado, por exemplo, também introduzimos um curso de cobbuilduing, construção com terra, para se fazer uma coisa na quinta.
A quinta produz excelentes citrinos, mesmo muito saborosos! Mas uma monocultura é um problema em termos de sanidade das plantas. Temos muitas pragas e doenças, como por exemplo, fungos e insectos que picam e estragam muita fruta. Então, como há mais de 10 anos que estou ligada a um movimento de permacultura resolvi fazer uma experimentação e introduzi alguma policultura sem perder o espírito e sem colocar em causa a manutenção daquilo que existia.
Nesse âmbito, e como a minha área base é o turismo, criei a empresa Highlands-Turismo Rural. Candidatamo-nos a um projecto-piloto para a agro-floresta sintrópica adaptada à Macaronésia, um sistema que foi desenvolvido pelo agricultor suíço Ernst Götsch. O projecto de agro-floresta teve em vista iniciar um processo de diversificação produtiva na quinta. Assim, não vamos cortar os citrinos, mas sim introduzir mais diversidade vegetal, mais espécies de frutas que não são cultivadas cá. Isso vai traduzir-se em zonas de compensação ecológica com outras plantas que não são propriamente produtivas, mas que auxiliam a produção. É uma experiência: Ainda estamos a aprender muito e é nesse âmbito que o Avelino surge para dar o curso de “Pequenas Hortas Ecológicas”. A primeira edição esgotou e, neste sentido, abrimos uma nova que irá decorrer de 15 a 20 de Abril. O Avelino faz consultoria e é uma pessoa que já é muito experiente na produção biológica.
Decidimos ter um consultor que vem cá todos os meses durante uma semana, o que também é uma forma de partilhar os conhecimentos com as pessoas que queiram aprender com eles e evoluir do ponto de vista da produção de alimentos.

Quando surge o gosto pela agricultura biológica?
Sempre estive ligada às plantas e aos animais. O meu pai era agricultor e lavrador e a minha mãe e a minha madrinha eram fanáticas por flores. Fui desenvolvendo o gosto com eles e, a dada altura, tinha a terra, mas não sabia bem o que fazer com ela. Assim, pensei que o melhor a fazer seria inscrever-me nas formações que os serviços de desenvolvimento agrário disponibilizam pois são formações focadas e muito bem organizadas. O gosto foi crescendo e passei das flores para a fruticultura.
Outro factor que contribui para a decisão de me dedicar à agricultura biológica foi quando tive cancro da mama, há cerca de 15 anos atrás, e percebi que a minha alimentação tinha de mudar. Não voltar ao processo de cancro foi uma motivação para me concentrar na produção de alimentos saudáveis.

Quais são os projectos que estão em andamento na Quinta das Flores?
De momento, temos o projecto da agro-floresta. Depois, também temos um projecto que envolve o Mário Roriz, da Earthship Academy, que nos vai ajudar a organizar o sistema de recolha da água da chuva e a mitigar os impactos dos esgotos. A intenção é ter um modo de produção biológico, um sistema de irrigação passivo sem grandes tubos e simples. Este sistema vai ser desenhado com o Mário Roriz e com o João Oliveira, o nosso consultor das agro-florestas. Também vamos ver a questão da energia solar.
A nossa intenção é ter uma quinta resiliente do ponto de vista energético e da produção. Não compramos adubos nem fertilizantes e o processo está desenhado para produzirmos sem ter uma quantidade de imputs externos que nos encarecem os processos e não dependemos do exterior. Estamos em fase de aprendizagem para ver se realmente funcionam, pois são projectos-piloto na agricultura e vamos começar com pequenos ensaios. Nós temos mais terra, se conseguirmos perceber que poções é que podemos fazer, que técnicas é que podemos aprender para melhorar o processo produtivo, mitigando as alterações climáticas e a produção ser boa. Vamos fazer isso.

E pensam expandir a vertente do turismo rural no futuro?
Sim, esta é a minha área de formação e temos um projecto para isso, mas primeiro vamos começar com a Quinta. Temos algumas coberturas que vamos reconverter, mas uma coisa muito simples e sem grandes investimentos. São coisas básicas porque o foco está na Quinta e na articulação da formação. O alojamento vai-nos servir, para além dos cursos que fazemos, para os cursos de permacultura com estudantes internacionais que vêm sempre em Outubro. A maior parte fica acampada e fazemos isso de uma forma informal. Preciso melhor as estruturas, porque temos clientes para fazer esse processo.
O alojamento será uma forma de rentabilizar a Quinta. No Verão, podemos ter turistas que podem estar neste espaço e que queiram saber mais sobre agricultura regenerativa, permacultura e sobre consumir sem grandes impactos no ecossistema. Para mim, é um facto de diferenciação em relação à oferta que há no mercado. E, através disso, também fazer transferência de conhecimentos, com os cursos para os agricultores locais. Essas formações não são fáceis de encontrar, mas há pessoas que vêm de outros países, de toda a Europa e tenho tido aqui na quinta imensos grupos ao longo desses anos todos.

Quais são os principais desafios para quem quer começar a implementar práticas de agricultura ecológica?
Primeiro, o fundamental é ter um espaço para cultivar e, depois, aprender sobre estes novos métodos por estamos a falar de uma mudança de paradigma e de sistema. Estamos habituados a mobilizar o solo e a semear, mas isso destrói toda a vida do solo e as bactérias, os microorganismos que disponibilizam a nutrição para as plantas. Eles vão morrendo, mas são esses organismos que trabalham a matéria orgânica para as plantas absorverem. Portanto, aprender como funciona a natureza e a sua eficiência é o maior desafio: aprender um sistema completamente diferente de produção de alimentos. E mudar a mentalidade!

Quer deixar uma mensagem aos nossos leitores?
Gostava de passar uma mensagem para as muitas pessoas que não sabem como começar e não sabem o que fazer, pois às vezes é um caminho difícil. No meu caso, tive, por exemplo, o meu pai e marido a dizer que não ia dar certo. Não desistam. Neste momento, a Quinta das Flores tem das melhores laranjas da ilha. As pessoas dizem mesmo que nunca comeram laranjas assim. As técnicas que estamos a aplicar ajudam a tudo isso.
Quem diz que a agricultura biológica não funciona, que é miserável e que à conta dela vamos morrer de fome, está a mentir. Já fiz muitos ensaios em pequena escala para perceber que não é assim, e vamos muito para além do biológico, vamos com a agricultura regenerativa, com um sistema de acumulação biológica que gera alimentos muito ricos do ponto de vista nutricional e fantasticamente saborosos!
Há um movimento gigante a nível da agricultura regenerativa que está a ganhar força. Aconselho a ver o documentário “Common Ground”. Um dos realizadores, John W. Roulac, já se disponibilizou a vir apresentar “Commun Ground” e “Kiss the Ground”. São dois filmes que dão alguma esperança em relação à agricultura. Globalmente, já existem agricultores que mudaram o chip, estão a fazer o seu trabalho e a ganhar o seu dinheiro com as técnicas da agricultura regenerativa.
Gostava de ter uma estreia do filme cá, pois estas coisas são importantes para dar esperança aos agricultores. O meu pai é agricultor e sei que há uma resistência enorme para adoptar novos métodos. Mas também sei que há agricultores que conseguem estar bem não por via da produção massiva, mas pela eficácia do pasto e daquilo que os animais comem. Não têm custos de fertilização do solo, não compram fertilizantes e conseguem, no final, ter um desenvolvimento razoável, mas isso só se consegue pela melhoria da qualidade da produção dos alimentos. Por exemplo, conheço um produtor de leite biológico na ilha Terceira, o senhor António Soares, que está feliz da vida com a abordagem biológica. E, inclusive, tem menos trabalho. A gestão adequada melhorou bastante a sua vida, não apenas a sua produção, mas também a sua vida pessoal.
As coisas podem ser feitas de outra forma. Há agricultores a fazê-lo e nós precisamos é de aprender com eles.

Daniela Canha

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