A empresa açoriana ‘A Branco Electrónica’, propriedade do empresário açoriano André Branco, vai receber hoje, em Madrid (Espanha), um prémio numa gala onde se juntam, anualmente, os melhores empresários de electrónica da Península Ibérica. Quem convidou André Branco deixou a mensagem: “Não falhes porque vai ser proveitoso”. O empresário começou a reparar material electrónico aos 12 anos, entrou na RTP/Açores sem cunhas e, ao longo da sua vida, foi uma das mãos invisíveis que manteve o sinal de televisão no ar. Isso sem nunca deixar de fazer reparações. Hoje tem centenas de representações e à volta de 27 mil clientes
Vamos começar pelo princípio. Fez o ensino primário onde?
O ensino primário foi em Vila Franca.
Em que freguesia?
Foi na freguesia de São Miguel. Desde a primeira classe até ao quinto ano no externato de Vila Franca. Depois vim para Ponta Delgada para o 10º e 11º ano de electrónica, isto na Escola Domingos Rebelo. Só havia duas ou três escolas no país que davam esse curso. Depois de acabar o 11º ano, fui para o 12º ano, mas houve um concurso para técnico de electrónica da RTP/Açores ao qual concorri.
Em que ano?
Foi em 1986. Fui passando as várias fases, entrevistas e provas, onde foram filtrando aquela quantidade toda de gente que concorreu e fiquei seleccionado. Fui para Lisboa, para a RTP-1. Fiquei lá 6 meses numa formação básica de técnico de electrónica (teoria, prática), um curso quase universitário com professores e engenheiros que davam aulas na Universidade, com várias cadeiras de electrónica, matemática, electrónica digital, vídeo-frequência que é o processamento da imagem nas câmaras na televisão, câmaras, áudio, mesas de mistura, tele-cinema (antigamente haviam umas máquinas de tele-cinema para poder apresentar na televisão os filmes de rolo. Eram as máquinas que convertiam o filme em vídeo), videotapes, estúdios, técnico de estúdios, aulas de estúdios também, exteriores: Nas férias de Natal e da Páscoa não vim para São Miguel porque estive sempre com aulas práticas nos carros de exteriores no Lumiar, nas gravações. Apanhei gravações da Lena de Água quando ela era nova, apanhei o ‘1,2,3’ no cinema Europa, apoio a técnico de electrónica nessas gravações como exteriores.
E como estava um miúdo da freguesia de São Miguel de Vila Franca no meio de toda essa confusão?
Achava estranho. Normalmente, para empregos destes e em empresas dessas há sempre muitas cunhas e achei estranho ter sido escolhido. Fui por aquilo que eu sabia nas provas que eu prestei. Quando acabei a formação em Lisboa, vim para São Miguel, deram-me um mês de férias e no mês a seguir entrei para o quadro da RTP/Açores.
Para fazer o quê?
Técnico de electrónica. Tinham saído dois ou três funcionários e houve vagas para os centros de emissor, de televisão, e eu fui trabalhar para a Barrosa que era o ponto principal de distribuição de televisão para os Açores. A partir da Barrosa é que se transmitia para todas as ilhas dos Açores. Os sinais de todos dos estúdios passavam pela Barrosa.
Quando havia falhas, era o culpado?…
Tantos serões que eu passei lá em cima na Barrosa. Às vezes aquilo falhava e eu tinha que estar lá a noite toda para manter a emissão no ar, com toda aquela pressão. Bastava-me puxar uma cavilha de um sinal e deixava de haver televisão para toda a gente. Foi um serviço com responsabilidade, passei bastantes anos lá em cima.
O que quer dizer com bastantes anos?
Há volta de 10 anos. O local de trabalho era mesmo na Barrosa. Saia todos os dias de casa, entrava na RTP que ficava na rua Ernesto do Canto, tínhamos uma viatura destacada para isso. Éramos obrigados a conduzir e já fui obrigado a conduzir porque, antes, os técnicos não conduziam e tinham alguém que os transportava. Pegávamos na carrinha e íamos para a Barrosa, chegava a hora de almoço e vinha almoçar e às 14h00 ia novamente para a Barrosa. Se houvesse uma varia no retransmissor para o lado do Nordeste, ou de Santa Maria, no Pico Alto, saia da Barrosa para ir reparar essas avarias, nesses e nos outros retransmissores todos.
No fundo, mantinha o sinal de televisão no ar…
Éramos uma equipa de técnicos. Não era só eu que trabalhava lá. Foram muitos serões, muitas avarias… Naquele tempo havia muito problema de fadding do sinal, muitas idas a Santa Maria. Às vezes ficava lá entre 15 a 18 dias para resolver problemas no Pico Alto. Depois, apanhei a Presidência Aberta do Presidente Mário Soares e andei, também, pelas ilhas nas transmissões directas dos fechos hertzianos para transmitir em directo os sinais. Até que numa sexta-feira estava na Terceira ainda na Presidência Aberta e eu casava (e casei) no Sábado a seguir (risos).
Mas é sempre um frenesim
Pois. Depois houve muitas formações e muitas acções de formação.
Entretanto a tecnologia vai evoluindo e tem de haver formação contínua
Sim, e é muita formação. Por exemplo, naquela altura a minha formação dava inclusivamente para construir um PC, saber como um teclado era construído e construir mesmo um teclado de um PC. Éramos muito bem instruídos tecnicamente. Tínhamos muita formação em informática. Já naquele tempo, quando veio o Windows, já dominávamos praticamente tudo aquilo enquanto muita gente não tinha PC nem sabia o que era. Foi um percurso de vida com muita formação. Fui, muitas vezes, a formações no continente, tive inclusive na Universidade, a convite da RTP, em sistema Unix, linguagem de programação. Estive lá uns 15 dias em formação.
Aprendia com facilidade…
Não é uma área para aprender logo. Tínhamos de lutar um bocadinho, não se pode é dizer que se vai para as formações na brincadeira, tem que se rever a matéria, tentar perceber. Por exemplo, quando foi a formação na RTP, havia um engenheiro ,Carlos Alberto, que, por acaso, tinha uma coisa boa: Todos os dias tínhamos a aula de vídeo – frequência sobre os sinais de televisão, desde o sinal de luz a entrar na câmara, passar pela lente, ser codificada no sensor, as linhas, preencher as linhas de maneira a dar sinal de vídeo. Tínhamos que saber linha a linha, (…) e o que é que acontecia nas 625 linhas da televisão. Era um curso muito puxado.
Era muito difícil…
Um bocado. E com este engenheiro, todos os dias de manhã, antes de começar a nova aula, tínhamos que fazer o exercício por escrito da aula anterior. Servia para ele perceber onde é que as pessoas tinham dúvidas. Eu tive técnica, foi uma acção de formação 965 L, não me esqueço, tinha técnicos de São Tomé e Príncipe, técnicos para os vários pontos do continente como Lisboa, Algarve e Porto…Foi uma turma muito grande de técnicos.
Era o único açoriano presente?
Não, havia um colega de Santa Maria, o Carlos Amaral. Fomos os dois seleccionados e fomos os dois para fora.
Passou pela televisão, e depois?
Depois da televisão foi criada a empresa Tele-Difusora de Portugal por causa da chegada da TVI e da SIC. E o Governo achou por bem criar, portanto, esta empresa para conseguir difundir o sinal de televisão desses canais de televisão numa antena. Foi criada a TDP, Tele-Difusora de Portugal, e então pegou nos 230 a 240 técnicos da rede de emissão, da área dos estúdios, da rede de emissão (emissores e retransmissores) da RTP e juntou-os na TDT para começar a difundir os sinais da RTP, da SIC, da TVI. Apesar da TVI ter as suas antenas porque era ligada à Renascença.
Estive ainda um ano ou dois no edifício da RTP mas já pertencendo à Tele-Difusora de Portugal. A TDP adquiriu um edifício na Fajã de Baixo e passamos para lá. Fiquei uns anos. Mais tarde o Governo quis juntar as empresas de comunicações numa só, juntou a TDP com a Telecom Portugal, com os TLP, com a Marconi numa empresa que passou a chamar-se Portugal Telecom. E eu passei para a Portugal Telecom, mas sempre ligado à parte da televisão. Em todas as empresas que estive foi sempre na retransmissão da televisão. Anos e anos nos emissores e retransmissores. E agora progredi para a rede móvel da TMN.
Como sabe, a Altice comprou a Portugal Telecom e eu passei para a Altice, mas sempre com o mesmo serviço.
Com toda esta evolução, sempre tive uma oficina de reparação de equipamentos por minha conta. Tinha esta oficina para além do meu emprego e ainda tenho, actualmente, e sempre na área da electrónica.
É a empresa A Branco Electrónica que foi criada em 2005. Até então, era empresário em nome individual e trabalhador por conta de outrem, pois prestava serviços a marcas e a clientes finais. Como o trabalho cresceu, em 2005, criei A Branco Electrónica. Adquiri um espaço próprio e, actualmente, estou mais dedicado à minha empresa.
A sua empresa está a atingir que dimensão?
É uma empresa de reparações, não é uma empresa de vendas.
A empresa repara o quê?
Nós reparamos equipamentos de electrónica, quer da linha doméstica, quer da linha profissional, inclusive as máquinas da Gráfica Açoreana. Eu é que venho cá repará-las. Somos assistência oficial de 34 marcas nesse momento. A Sony, Panasonic, a LG, LD System…
Quantos clientes tem?
São 26 ou 27 mil clientes. Porque damos assistência a algumas marcas e a instrumentos musicais também. A Yamaha, Rolland. Equipamentos profissionais dos DJ’s da Pioneer. A essas três marcas de instrumentos musicais, damos assistência nos Açores e na Madeira. Vem os equipamentos da Madeira para repararmos cá e depois enviamos, de regresso, já operacionais.
E como é que foi conciliando a sua vida profissional com a sua vida familiar?
Eu trabalho muito e dedico-me muito profissionalmente. Inicialmente, a minha esposa chateava-se, mas depois começou a habituar-se. Ela ficava aborrecida, inicialmente, e eu compreendo, mas sempre fui muito dedicado à minha profissão, ao que faço. Gosto muito e sempre tive muito respeito pelos clientes e pelos equipamentos dos clientes. É a minha forma de ser, já há muitos anos. Comecei a fazer reparações com 12 anos.
Aos 12 anos?
Em Vila Franca, recebi rádios antigos para reparar. Antes de ir para o 10º e 11º ano, meu pai comprou-me um curso de formação, por correspondência, de electrónica. Sempre fiz aquele curso, sempre segui com muito entusiasmo e interesse. Fazia as minhas montagens, o primeiro rádio Galena, fiz o curso e depois tive o aproveitamento.
O que é que lhe diz a inteligência artificial?
A inteligência artificial para mim, diz-me, que as informações estão cada vez mais certas. O processamento das informações é cada vez maior, mais informações e cada vez mais concisas. Mas não pode ser a inteligência de um humano. Embora trate as informações com muita rapidez e com sugestões cada vez mais certas.
As máquinas algum dia vão mandar?
Mandar, não sei. Agora que cada vez mais as pessoas vão ter menos privacidade, vão. Vamos a uma página de internet e temos que autorizar para ver. Aquele rasto que deixa lá, toda a gente sabe o que andou a fazer ou não andou a fazer. Se quiserem, por exemplo, atribuir-lhe uma identificação digital, em qualquer parte do Mundo sabem onde é que está.
Hoje em dia as informações são muito precisas, as localizações, os telemóveis, tudo isso fica registado por triangulação nas antenas por onde as pessoas passam e ficam lá os registos de com quem se fala, quando se falou e por onde andamos. Cada vez mais as pessoas vão ter menos privacidade.
Se as maquinas vão substituir as pessoas? Acho que não. Agora, em vez de termos uma pessoa sempre a fazer a mesma coisa, temos lá uma máquina. Mas acho que vai ser sempre preciso um humano. Nem que seja para desenvolver as máquinas.
João Paz/Frederico Figueiredo