A relação intrínseca que as comunidades costeiras Açoreanas mantêm com o mar molda as tradições, crenças e práticas da cultura marítima que, por influenciarem positivamente a economia, a sociabilidade e a organização produtiva, são um fator diferenciador da identidade e da vida nos Açores.
Neste artigo abordamos a diversidade e riqueza dessa cultura marítima, através da breve caraterização de alguns dos seus principais elementos e impactos, tendo em vista evidenciar a valia da sua proteção e fomento para benefício das gerações presentes e futuras.
Entre as principais tradições da cultura marítima dos Açores destacamos a pesca artesanal, que cumpre uma função central nestes usos, porque transmite conhecimentos e técnicas únicas, de geração em geração. A baleação (pesca ou caça à baleia), embora atualmente em desuso, tem as suas memórias exemplarmente preservadas em vários espaços museológicos da Região, e alguns dos seus hábitos são hoje vivenciados, por exemplo, na observação de cetáceos no mar. A religiosidade ligada ao mar, com a devoção a santos padroeiros dos navegantes,e os rituais de proteção realizados antes da pesca, são outros costumes marítimos muito marcantes das ilhas. Por fim, as festividades marítimas celebram a profunda ligação das populações com o mar, que se estende e pereniza na diáspora nos EUA.
As crenças da cultura marítima dos Açores são muito diversificadas. Das fundamentais, fazem parte o profundo respeito dos pescadores pelos elementos naturais, como o mar e o vento, o que reflete a sua compreensão sobre a natureza imprevisível e potencialmente perigosa do ambiente marinho, de que se tentam proteger com elementos religiosos. Nestes, a devoção aos santos padroeiros, como é o caso de N. Senhora dos Navegantes e, em especial, São Pedro, que foi pescador antes de se tornar apóstolo de Jesus, desempenha a função central nas crenças marítimas. O ritual da bênção das embarcações destina-se a garantir a proteção divina quando navegam, enquanto o hábito da oferta de flores ao maré um gesto de fé, dos pescadores, na sua relação harmoniosa com o oceano. No campo das superstições pagãs, a Maruxa é uma espécie de sereia ou criatura mágica que vive nas profundezas do oceano, e que personifica a complexa e, muitas vezes, ambígua relação entre os habitantes das ilhas e o vasto oceano que os cerca. As embarcações de pesca ostentam, em especial, a cruz de Cristo e a imagem de São Pedro, símbolos da crença dos pescadores na esperança, no conforto espiritual e na solidariedade comunitária numa profissão que é intrinsecamente ligada às forças imprevisíveis do mar.
Algumas das práticas mais relevantes da cultura marítima dos Açores podem ser facilmente percebidas a partir das referências feitas anteriormente às tradições e às crenças. Porém, existem outras, que incluem a construção e a reparação de embarcações, atividades realizadas por carpinteiros tradicionais especializados, que usam madeiras de cedro, pinho e azinheira. O turismo marítimo, a gestão de resíduos marítimos, a conservação de espécies ameaçadas, a investigação científica e o ordenamento do espaço marítimo, garantem a sustentabilidade económica, social e ambiental das ilhas, e desempenham a função central nas práticas marítimas. Nestas, também se incluem as formas de comunicação entre os pescadores, que são particularmente importantes no desenvolvimento de relações comunitárias fortes e na transmissão da tradição oral de conhecimentos e competências, de geração em geração.
As tradições, crenças e práticas marítimas que acabámos de caracterizar brevemente, influenciam positivamente a economia, a sociabilidade e a organização produtiva dos Açores, em especial nos setores da pesca artesanal, do turismo e da preservação do património cultural marítimo. Na economia, a pesca artesanal fornece a subsistência e o rendimento de muitas famílias. No turismo, a baleação dinamiza a a tratividade dos espaços museológicos e a observação de cetáceos, bem como passeios de barco, mergulho e visitas a portos pesqueiros. As festividades marítimas e a religiosidade associadas ao mar diversificam as opções turísticas, atraindo mais visitantes. A preservação do património cultural marítimo inclui a manutenção de portos históricos, de faróis, de embarcações tradicionais, de museus e a realização de festivais culturais relacionados com o mar, que ampliam a oferta turística da Região. Na sociabilidade, a pesca artesanal envolve as pequenas comunidades, onde os seus membros dependem uns dos outros, compartilham conhecimentos e experiências, e manifestam apoio em tempos difíceis. No turismo, as festividades marítimas e a religiosidade associada ao mar reúnem os Açoreanos em torno de tradições compartilhadas e proporcionam um sentido de identidade coletiva e solidariedade, que levam à criação de grupos de crentes e de associações, onde há uma ativa transmissão de valores e normas sociais. A preservação do património cultural marítimo, através de festivais de música tradicional, danças folclóricas e feiras de artesanato, proporciona oportunidades para os residentes locais se reunirem, compartilharem as suas tradições e fortalecerem os laços comunitários.
Na organização produtiva, a pesca artesanal é uma atividade onde são determinantes a divisão do trabalho, a hierarquia e a disciplina entre os membros da tripulação. Para além disso, também requer a transmissão de conhecimentos e competências entre profissionais de diferentes idades e num ciclo geracional. No setor do turismo, a organização produtiva é influenciada pela preservação e promoção das tradições marítimas, com empresas turísticas e autoridades locais colaborando para oferecer produtos e serviços autênticos, que diferenciam a Região. A preservação do património cultural marítimo é efetuada por entidades públicas e privadas, tendo em vista garantir que a rica herança marítima, material e imaterial dos Açores, seja protegida, celebrada e transmitida às gerações futuras em condições de continuar a ser explorada economicamente com sustentabilidade.
Em suma, a relação intrínseca que as comunidades costeiras Açoreanas mantêm com o mar, emerge como um elemento vital e distintivo da cultura marítima, porque molda as tradições, crenças e práticas que influenciam positivamente aspetos fundamentais da economia, da sociabilidade e da organização produtiva. A pesca artesanal, o turismo e a preservação do património cultural marítimo, são atividades promotoras de uma identidade e vida únicas nos Açores, que importa proteger e fomentar para benefício das gerações presentes e futuras.
Almirante António Silva Ribeiro