O semanário “Açoriano Oriental” de 6 de Junho de 1846 publica o seguinte texto relativo ao tema destes artigos:
“Por Portaria de 25 de Julho do anno passado, foi o Sr. Tenente Coronel d’Artilheria Antonio Homem da Costa Noronha encarregado pelo Governo de proceder á comparação dos pezos e medidas, actualmente em uzo neste Districto Oriental dos Açores. A maneira por que é feita esta nomeação, honra sobre maneira o digno, e illustre Official, pois que expressamente se faz menção da sua aptidão, e conhecimentos, dignos de o investirem nesta commissão verdadeiramente honrosa.
A assiduidade e louvavel empenho com que o illustre commissionado se houve n’esta empresa, é por certo digno do mais sincero louvor; e o resultado de seus valiosos trabalhos, é um documento vivo da sua pericia, é um facto glorioso que o digno e illustre militar deve inserir na chronica da sua brilhante carreira.
Fazer o devido elogio a um Oficial tão distincto, cujas virtudes civicas, todos conhecem, seria ocioso, e era emprego superior de nossas forças. Nas suas proprias obras, é que o devemos admirar: transcrevemos um trabalho que o honra: é um elemento precioso para a historia Açoriana, e como tal, de ser registado na Imprensa periódica.”
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Em 1848 e 1850 o semanário chama a atenção para os pesos falsificados, sob o título “Que remédio terá este mal?”
Muita gente se queixa da falsificação dos pesos em todos os géneros que por eles se vendem, mesmo nalguns estabelecimentos comerciais dos mais acreditados de Ponta Delgada, que têm dois ternos de pesos: um que só serve para mostrar em correição, com a competente certidão de aferição, e outro para vender ao público, com prejuízo deste. Algumas pesquisas têm sido infrutiferas, pois os pesos falsificados desaparecem logo que anda a correição.
A Câmara Municipal diligencia disciplinar a actividade comercial e proteger o bolso e a saúde dos munícipes, como se verifica na postura publicada em 14 de Agosto de 1852, que contém vários artigos sobre o uso de pesos e medidas e fixa as respectivas multas para os casos de incumprimento:
–Toda a pessoa que em estabelecimento fixo, em mercado ou mesmo ambulante, vender ao público quaisquer géneros que se meçam ou pesem, deve ter as balanças, pesos e medidas de que carecer para o seu comércio.
–É obrigatório ter os jogos de pesos e medidas completos, para que os géneros sejam comerciados nas quantidades pedidas pelos compradores.
–Todas as balanças, pesos e medidas de toda a qualidade devem ser aferidas pelos padrões do Concelho duas vezes em cada ano, em Janeiro e em Julho, sendo obrigatório apresentar a certidão de aferição nas correições.
– É proibido, para vender ao público, o uso de pesos com argolas soltas, cunhas ou acrescentamentos de ferro, chumbo ou outro metal que possa tirar-se facilmente.
–Nos granéis do mercado público ou em qualquer outra parte em que se meçam cereais, para consumo externo ou interno do Concelho, a medida, quer grande quer pequena, deve estar perfeitamente pousada sobre o pavimento sem cama ou calço.
– É proibido expor à venda peixe, carne ou outros comestíveis sólidos ou líquidos em estado de corrupção, alterados ou falsificados.
– É proibido em todo o Concelho transportar ou vender leite em odres.
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O projecto de lei “Systemametrico-decimal portuguez”, proposto pelo deputado João Baptista da Silva Lopes à Câmara dos Deputados do Reino e publicado no Diário do Governo de 12 de Março de 1849, esteve em discussão na generalidade até Fevereiro de 1850, mês em que entrou em discussão na especialidade, que terminou em Dezembro de 1852 com a adopção do sistema métrico francês.
Foram três anos de intensa e acalorada discussão, salientando-se nos debates o deputado Fontes Pereira de Melo, que discorda frontalmente da nomenclatura do sistema métrico-decimal “português”:
“A nomenclatura neste cazo não é cousa indiferente, e que até na sua opinião é uma das vantagens e bellezas do systema metrico [francês] . . . que se tinham, pois, escolhido termos gregos e latinos, para designar os multiplos e sub-multiplos do metro, como palavras de lingoas que já morreram, que nem podiam excitar ciumes, nem ficar sujeitas a modificação pelo tempo – tudo ficou immutavel e philosophico no systemametrico.”
Fontes Pereira de Melo acrescenta, entre outras considerações, que “não concebe que seja mais difficil a um portuguez pronunciar ‘metro’ do que a um francez dizer ‘metre’; assim como lhe parece que não é mais facil a um francez dizer ‘litre’, do que a um portuguez dizer ‘litro’; que, pelo contrario, é de opinião que tudo isto é mais simples do que ligar uma idéa nova a uma palavra velha.”
Pondera, todavia, que é preciso um largo espaço de tempo para realizar tal reforma. É necessário que o Governo mande ensinar o novo sistema nas escolas; que, após alguns anos, o mande pôr em execução nos arsenais e repartições públicas; que depois o observe nos contratos que fizer; e que, por último, só depois de muitos anos o faça converter em sistema de medidas único e legal para todas as transacções entre particulares.
Outro ponto largamente debatido prendeu-se com o facto de a medida do metro legal ter sido rectificada, e o projecto não designar qual deles– o legal ou o rectificado –serviria de base ao novo sistema, o que deixaria um vazio que não se podia admitir em objectos desta natureza. Se para os usos comuns era completamente indiferente que se adoptasse qualquer um deles, por a diferença ser irrelevante, já o mesmo não acontecia para os usos científicos.
Estava em causa uma grande questão económica— “estudos e trabalhos de 35 antros — 300 ricos jogos de padrões, que custaram grossas quantias, que nós agora não poderiamos dispender por certo, se tivessemos de começar de novo”.
A Câmara de Deputados do Reino concluiu que “a adopção do systema metrico francez é pois aconselhada como o unico meio de prescrever o nosso complicado e defeituoso systema, naturalizando em Portugal uma instituição que se não póde chamar imitada desta ou daquella nação, porque é hoje europea e cosmopolita nos usos scientificos e industriaes de todo o mundo”.
Ferreira Almeida