Stefan Zweig foi um filósofo, historiador literário e escritor nascido em 1881 em Viena, quando a cidade ainda era capital do império austro-húngaro. Fugindo aos nazis de Hitler, refugiou-se em Londres, viveu em Nova Iorque e daí foi para o Brasil, onde publicou o livro “Brasil -País do futuro”, ainda hoje uma obra atual. Publicou em 1922 “Amok”, um livro existente na biblioteca de meu pai que li na adolescência, enquanto estudante liceal em Ponta Delgada. Amok é uma palavra bahasa, a língua nacional da Indonésia, que significa descontrolo, obsessão ou loucura, devido a algo que temos dificuldade em dominar, conforme o autor descreve em conversas entre 2 passageiros, durante uma viagem de navio da Ásia para a Europa.
O Amok de Zweig veio-me à memória por homofonia, ao ler um artigo da revista Science Advances (vol.6,nº48/nov 2020) sobre o AMOC – Atlantic Meridional Overturning Circulation, matéria relacionada com as alterações climáticas. O que, neste caso da reversão (overturning) das correntes oceânicas do Atlântico, vem sendo estudado há 30 anos e explica muita da alteração climática ocorrida na zona subpolar do Atlântico Nordeste, enquanto permanece uma certa estabilidade na zona noroeste e na área subtropical, esta onde se situam os Açores. Porém, dada a velocidade com que estes fenómenos da ecologia e climatologia evoluem, pode acontecer que a mudança, a tal “overturning” do estudo, possa perturbar a estabilidade mais a sul, parecendo haver sinais que já está a acontecer. Se der um amok ao ramo ibérico da Gulf Stream, que suaviza o nosso clima açoriano, o sistema AMOC altera-se profundamente, sendo de prever consequências no regime de chuvas, que terão características extremadas, tanto em intensidade, como frequência e distribuição anual.
Acontecimentos igualmente sérios afectam o clima político dos dois lados do Atlântico, situação agravada por uma inépcia europeia, demasiado dependente do poder militar norte-americano. Os líderes europeus deviam seguir atentamente os sinais dados pelo historial americano na Indochina (onde substituíram os franceses) na crise do Suez de 1956 (onde recusaram auxiliar a intervenção militar anglo -francesa) e no Afeganistão, onde envolveram os aliados, para depois abandonar o país aos talibãs. O mesmo poderá suceder com a guerra da Ucrânia, a avaliar pelas declarações do ex -Presidente Donald Trump, caso vença as próximas eleições presidenciais. Mesmo antes das eleições, a oposição ao Presidente Biden, no que toca a ajuda à Ucrânia, só demonstra até que ponto o amok tomou conta da política externa norte-americana, indo ao extremo de se ouvir Trump declarar que deixaria Putin avançar pela Europa, caso os europeus não pagassem a parte que lhes cabe nas despesas. Obviamente que esta posição resulta da acomodada situação europeia e das respectivas divisões entre os vários países, sempre avessos a aumentar os orçamentos militares. Um dia, o circo iria pegar fogo, quando a loucura vigente viesse à tona.
Parece assim que um amok generalizado tomou conta do cenário europeu, começando pela União Europeia, onde Portugal se destaca na loucura. Qualquer observador externo dotado de algum bom senso, ficaria boquiaberto com a multiplicação dos actos eleitorais em curso, interrogando-se como é possível sair-se ileso de tamanha confusão paralisante. Portugal, nestes primeiros meses de 2024, acumula shows de circo eleitoral de mau gosto, agravando situações de risco na economia, na aplicação de fundos europeus disponíveis, na resolução de problemas sociais que irão comprometendo o futuro, principalmente nos sectores da habitação, saúde e educação, além de problemas como a droga e a emigração dos jovens. Tudo como se um amok se tivesse apossado dos governantes, mais preocupados com os resultados eleitorais do que com os efeitos da acção governativa. Repare-se num sintoma evidente, que é a constante contradição em que caem os principais atores dos debates televisivos, mais inclinados em atacar os adversários do que em defender programas de desenvolvimento. A acumulação de sucessivas eleições no primeiro semestre deste ano, iniciada com as legislativas regionais açorianas do passado dia 4, logo seguidas da campanha para as nacionais do próximo 10 de Março, por sua vez antevendo as regionais madeirenses que a queda do governo de Miguel Albuquerque certamente provocará, só deslustram a democracia e cansam o eleitorado. Que em Junho, ainda mal refeito do show circense português, irá novamente votar para o Parlamento Europeu, antes que dê um amok aos reguladores da fonte de euros de Bruxelas. Já esteve mais longe! O que está mais perto é a onda anti-globalização, resultado da série de erros crassos que a gula das corporações multinacionais causou, colocando a jeito uma União Europeia que se queria referência de valores mundiais. Hoje, dividida e contestada por aqueles que dela se serviram, o que resta do projecto europeu a que aderimos em 1986 é uma pálida sombra daquilo que pretendia ser. Monitorizada, submetida a BCEs de Lagardes & Cia, vê 6 países + Israel, alinharem num discurso favorável ao Make America Great Again de Donald Trump, como consta da capa do “Economist” desta semana. O amok chegou ao circo.
Vasco Garcia