Rui Carvalho e Melo foi deputado, Presidente da Câmara de Vila Franca e é hoje Presidente da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários da Vila. Nasceu no seio de uma família da classe média e viveu os primeiros anos com sete irmãos. Na política, quase sempre, foi um crítico dentro do PPD/PSD/Açores falando, com todas as palavras, do que entendia que não estava bem no partido. Por isso, não era bem quisto por alguns. As suas vitórias eleitorais na Câmara de Vila Franca deram-lhe projecção no PPD/PSD e fora dele. Hoje, é, assumidamente, um apoiante do “Presidente Bolieiro”, da sua postura e da sua acção. Não gostou que o líder nacional Montenegro viesse na noite eleitoral aos Açores e afirma que no tempo de Mota Amaral, ele “ficava a tomar café no antigo Hotel Avenida”. Releva que a maioria relativa da coligação PSD/CDS/PPM corresponde a uma maioria absoluta em países europeus e mesmo em Portugal, mas que a situação política regional “é periclitante”. Reivindica uma Vice-presidência no futuro Governo “para São Miguel”. Aponta metas políticas que, no seu entender, deviam ser assumidas pelo XIV Governo dos Açores. Defende que, em próximas eleições, o PSD/A deve concorrer sozinho. Afirma que Francisco César, enquanto “líder em exercício” do PS/A, “tem sido um incansável ‘servidor’ do socialismo lisboeta”. Considera que os dirigentes do Chega “têm perfil e postura de Autarca de Freguesia.” Ou seja, para adaptar a expressão popular, pode dizer-se que Rui Melo dá ao Correio dos Açores uma entrevista que “enche a casa até à telha.”
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Rui Melo (Presidente da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Vila Franca do Campo) – Sou um homem activo, automotivado, que gosta de estar sempre ocupado, sobretudo no campo social. Preocupo-me sempre com o bem-estar de todos. A minha vida pública atesta-o bem!
Fale-nos do seu percurso de vida no campo académico, profissional e social?
Em termos académicos fui sempre um aluno a trabalhar para os “serviços mínimos”, era um “trabalhão” ter 9,5 valores para passar, porque não se passava com menos. Isto refletiu-se no meu perfil: nunca fui, nem sou, um homem de teorias, prefiro fazer obra, sou um programático acelerado.
No meu trajecto profissional, comecei como bancário na Caixa Agrícola. Seis meses depois estava no maior balcão dos Açores, que era do BCA, na Matriz de Ponta Delgada.
Foi aí que aprendi a lidar com as pessoas e a valorizar todos da mesma forma, foi uma grande escola para a política.
Tive uma participação forte no desporto. No futebol fui atleta, treinador e Presidente de clube. Foi no futebol que me tornei conhecido, na ilha de S. Miguel.
À época já participava nas romarias e também nas actividades da minha paróquia.
A aproximação aos mais desfavorecidos levou-me a Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Vila Franca.
Só depois apareceu a política, primeiro como deputado à Assembleia Regional e, depois, como Presidente da Câmara Municipal, que foram 20 anos de dedicação e empenho nas causas sociais.
Que influência tiveram os seus pais na sua formação académica?
Pouca, éramos muitos filhos: 4 rapazes e 4 raparigas, sendo o casal mais novo com diferença de idade de mais de 10 anos; sou o mais velho.
Durante muitos anos, a minha mãe foi professora primária nas Furnas e o meu pai foi funcionário público em Ponta Delgada e nós vivíamos em Vila Franca.
Essa situação dificultou muito o acompanhamento do meu crescimento.
Como se define a nível profissional?
Sou seguro no que faço, estudo profundamente os dossiês e sou um centralizador, porque acompanho tudo de perto.
Na minha passagem pela Câmara Municipal, sabem os empreiteiros e a fiscalização que eu ia semanalmente a todas as reuniões de obra, obrigando-me a trabalhar fora de horas, para acompanhar o resto da vida da autarquia.
Aliás, como gosto de começar o dia cedo, era habitual ser o primeiro a chegar e o último a sair. Ainda hoje costumo distribuir tarefas aos meus colaboradores durante a noite.
Quais as suas responsabilidades?
As minhas responsabilidades são sempre grandes, porque preocupo-me com tudo e com todos.
Acresce que invento coisas e trabalho para mim; estou sempre insatisfeito na acção, na procura do bem feito, não tenho horas para atingir objectivos e, muitas vezes, quero impor aos outros o meu ritmo, sendo exigente com todos, o que me torna incómodo para algumas pessoas.
Detesto críticas destrutivas e que se comente e cometa o mesmo erro muitas vezes. Errar é normal, o que não é normal é cometer o mesmo erro uma e outra vez. Isso é burrice.
Como descreve o sentido de família no tempo de seus pais. Qual o sentido que ela tem hoje e que espaço lhe reserva?
A nossa família era típica da classe média, com um chefe que só pelo olhar firme impunha respeito, que consentia que os professores nos batessem. Depois tudo se alterou com os mais novos.
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, contudo aprendi que não há lugar para faltas de carácter; quando se assumem ou se aceitam compromissos são para cumprir.
Hoje sou mais tolerante com alguns jovens que cometem este erro, quando acredito nas suas qualidades, mas não deixo de recomendar outra postura mais correta com os mais velhos. Procuro desviar-me de gente sem palavra.
Que importância têm os amigos na sua vida?
Uns amigos, poucos, são imprescindíveis para ter uma vida sã, com prazer, os outros são conhecidos, que se cruzam connosco pela vida fora.
Para além da profissão, que actividades gosta de desenvolver no seu dia-a-dia?
Adoro almoçar com um grupo de amigos, com comida caseira e vinho de cheiro ou tinto.
Gosto de ler e folhear livros antigos, de autores açorianos.
Que sonhos alimentou em criança?
Durante uma temporada, almejei trabalhar deslocado no estrangeiro.
Alimentei este sonho, porque a minha avó materna, que sempre me protegeu, emigrou para os Estados Unidos.
O que mais o incomoda nos outros?
A falta de carácter e da palavra dada.
Que características mais admira no sexo oposto?
Gosto de mulheres bem vestidas, com gosto, espertas, cultas, que saibam manter uma conversa para além de contar as suas doenças, que têm e vão ter.
Gosta de ler? Diga o nome de um livro de eleição?
Sim. O último que tenho relido: “500 Anos de História – Romeiros de São Miguel Arcanjo”, do Irmão Mestre Carlos Vieira, que este ano terá uma versão em inglês.
Como se relaciona com o manancial de informação, nomeadamente as notícias falsas, que inunda as redes sociais?
Com cuidado e critério. Nunca repito ou partilho notícias sem confirmar, a não ser que conheça bem o emissor.
Como lida com as novas tecnologias e que sectores devem a elas recorrer para melhorarem o respectivo rendimento?
Sou um empenhado curioso e dedicado impulsionador da sua implementação.
Nas instituições por onde passo, nada fica como estava, desejo sempre mais utilização e implemento novos equipamentos e formas de trabalho.
A inteligência artificial está no centro do debate e pode pôr em risco o ser humano. Até onde deve ir essa inovação?
Espero que o homem perceba que é insubstituível na sua acção.
Espero que a inteligência artificial seja colocada ao serviço da modernização da ciência no pleno respeito pela vida humana.
Costuma ler jornais?
Diariamente leio todos os jornais açorianos disponíveis e vejo, às 23 horas, a primeira página dos jornais no Sapo.
Gosta de viajar?
Gosto muito. Fiz no passado cruzeiros em família, com os meus filhos pequenos, a mostrar diversos países, povos e culturas, que registo com grande satisfação.
Quais são os seus gostos gastronómicos? E qual é o seu prato preferido?
Devido ao meu apetite, desde bébé, durante muitos anos apreciei mais a quantidade. Hoje, como sexagenário, gosto de mais da qualidade, de peixe fresco, caldeiradas e muita comida de panela.
Que notícia gostaria de encontrar amanhã no jornal?
São Miguel conseguiu o desenvolvimento harmónico, nos moldes das outras ilhas, nos valores da pobreza, dos sem abrigo, dos toxicodependentes e da delinquência.
O Governo Regional combate o actual modelo de desenvolvimento harmónico que nos leva a todos a sermos pobres.
Qual a máxima que o/a inspira?
Nunca desistir. Nunca desisto do que desejo atingir. Nem que seja a perda de uns óculos de sol. Levo dias a perguntar por eles a todos e em todo o lado onde estive.
Em que época histórica gostaria de ter vivido?
Sou um felizardo, cresci em democracia, numa família remediada, com dois ordenados, na década de sessenta e setenta do século passado.
A história em que gosto de ter vivido é naquela que ajudei a construir.
Foi Presidente da Câmara Municipal de Vila Franca do Campo. Que momentos guarda destes tempos. Pode apontar alguns sucessos e insucessos da sua administração autárquica?
O tempo e os drones com imagens têm sido meus amigos. Têm mostrado sem facciosismo e partidarite, que nos meus mandatos a Vila viveu um desenvolvimento, em todos os sectores, como nunca. O endividamento para investimento permitiu antecipar o acesso a equipamentos, estradas, habitações, marina, etc., antecipando aos vilafranquenses o acesso mais rápido a uma melhor qualidade de vida.
Muitos dos investimentos, que têm sido anunciados e realizados, foram concretizados em terrenos adquiridos pelo malogrado endividamento.
Brevemente haverá mais habitação. Se não tivessem sido adquiridos os terrenos, há mais de 15 anos, com endividamento, gostava de saber onde existiriam agora terrenos, dentro da vila, aos preços a que foram adquiridos. Nem caros existem terrenos disponíveis.
Está a desempenhar o cargo de Presidente da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Vila Franca do Campo, que hoje assinala o 36º aniversário. Que mensagem transmite neste dia?
Alegria. Acredito num futuro melhor para as Associações e para os Corpos de Bombeiros.
Quais são as principais dificuldades dos Bombeiros Voluntários de Vila Franca do Campo?
A mesmas de todas as Associações, que irei elencar hoje de manhã na minha intervenção de aniversário.
Gostamos de dificuldades porque transformamos dificuldades em oportunidades.
Se desempenhasse um cargo governativo descreva uma das medidas que tomaria?
Combatia a ideia de ter governos pequenos. Os açorianos querem governos eficazes na resolução dos seus problemas, seja qual for a sua dimensão. Um bom Governo faz esquecer o seu tamanho.
Combater o “enxame” de técnicos em funções políticas sem sensibilidade, frios no atendimento, para servir e compreender os problemas que asfixiam os açorianos.
Bons técnicos são imprescindíveis para o acompanhamento técnico dos políticos.
As oposições querem governos pequenos para dificultar o sucesso da sua acção. Os super-homens continuam a ser ficção. Secretarias que acumulam diversos sectores são um passo para algum sector ficar para trás.
Na economia, continuava a acarinhar a agricultura mas transformava o turismo no sector de eleição, com todas as suas componentes. Promovendo e apoiando empresas de serviços, que giram à sua volta. O turismo gera e disponibiliza receitas mais rápidas do que qualquer outro sector e cria muito emprego.
No sector social, faria uma aposta fortíssima na Habitação. Não com medidas que já há 30 anos ouvia do antigo Secretário Regional de Habitação, Américo Natalino Viveiros, que são apresentadas no presente como grandes ideias. No passado, as medidas da habitação nos Açores eram fonte de inspiração para os Governos da República, hoje nem copiamos o que de bom se faça na República.
Impõe-se, rapidamente, a criação do Instituto de Habitação dos Açores, com autonomia administrativa e financeira, como há muito existe no continente e na Madeira.
É preciso assumir, como prioridade política, o fomento de habitação para arrendamento.
Nesta legislatura, o grande objectivo deveria ser aumentar para o dobro o número de casas para arrendamento da responsabilidade da Região. Só assim se poderia apoiar a classe média. Habitação condigna faz famílias e pessoas felizes.
Na estrutura orgânica do Governo Regional criava mais uma Vice-presidência para o PSD/São Miguel.
Os Vice-presidentes devem ser titulares com sectores “grandes”, para lhes ocupar a função a tempo inteiro, não deixando espaço no dia-a-dia para se imiscuírem nas competências e no trabalho dos seus colegas.
Que análise faz à situação política?
Periclitante… pouco segura… a caminho de eleições antecipadas.
O PSD e o PS nos Açores deviam, de imediato, alterar o sistema eleitoral, repondo a transparência e a tradução real dos resultados eleitorais. O Círculo de Compensação deturpa a tradução de votos em mandatos.
Defendo há muitos anos a criação de Círculos Eleitorais Concelhios Uninominais. Os eleitores devem saber quem são e conhecer profundamente o trabalho dos seus eleitos. É a aproximação clara e eficaz de eleitores e eleitos. Credibilizava os políticos.
Qual é a leitura que faz dos resultados das últimas eleições legislativas regionais? É correta a interpretação que a Coligação faz dos resultados eleitorais?
O resultado da Coligação são números que, num sistema eleitoral puro, davam uma maioria absoluta, como acontece por este mundo fora. Mesmo para as eleições para Assembleia da República.
Acredita em entendimentos sucessivos de legislatura entre o Governo de maioria relativa da Coligação e a oposição. De entre os partidos de oposição, qual o que vai criar mais problemas àColigação? Porquê?
O Presidente José Manuel Bolieiro é, nesta matéria, sempre uma surpresa, porque tem uma capacidade de tolerância e paciência inigualável para aturar a falta de bom senso e a arrogância daqueles que pensam que valem mais dos que os outros, que foram eleitos com mais votos do que eles.
Quem conhece o Presidente do Governo sabe que ele será o último “a rebentar a corda”, em linguagem popular. Fará tudo ao seu alcance para combater a instabilidade, que irá trazer prejuízos incalculáveis às Instituições, à economia e aos sectores sociais que precisam de muito dinheiro para funcionarem.
O Presidente Bolieiro, nestas matérias, tem um grande problema, porque mantém a sua palavra, mesmo com aqueles que não cumprem com ele.
E continua a dar oportunidade àqueles que, no passado recente, lhe faltaram aos compromissos e vieram dizer publicamente que ele é que faltou aos compromissos. É um bom cristão. Tudo pelos Açores.
O Representante da República, ao indigitar José Manuel Bolieiro para Presidente do Governo, alertou os partidos políticos para as “consequências negativas de uma nova crise política”. Pedro Catarino estava a referir-se apenas ás graves dificuldades económicas e financeiras que a instabilidade política irá criar na Região ou vai mais longe dando a entender que a ingovernabilidade dos Açores põe em causa a Autonomia?
Concordo. Esvazia a capacidade funcional da Autonomia.
Os açorianos acreditam na Autonomia Política Administrativa como uma discriminação positiva, não como factor de desestabilização e de empobrecimento.
Se o programa de Governo e/ou o Plano e Orçamento não passarem na Assembleia Legislativa e o líder da Coligação não quiser apresentar uma segunda solução de Governo de maioria absoluta com o Chega, em novas eleições, os eleitores vão penalizar quem?
Considero o Chega nos Açores um fenómeno nacional, fomentado pelos dos canais de televisão nacionais, que são muito vistos nos Açores.
Na recente campanha eleitoral para as regionais, ouvíamos muitas vezes “Ventura para dentro”, nunca ouvi “Pacheco para dentro”.
Logo, em normal Eleições Regionais, com sistema eleitoral puro, sem a exposição nacional, o Chega ficará reduzido à sua dimensão nos Açores, uma representação parlamentar.
Também para o PSD/Açores se abre uma nova janela, porque se esgotam os compromissos, bem assumidos, de concorrer em coligação, conforme acordado.
Para novas eleições o PSD/Açores deve concorrer sozinho, privilegiando sempre, com clareza, quem são as suas primeiras opções de coligação após o acto eleitoral.
Impõe-se reavaliar a dimensão e o peso real do PSD/Açores e dos restantes partidos. Os resultados facilitam os acordos futuros, compatíveis com a dimensão de cada um, promovendo a unidade interna.
Em caso de nova crise política e novas eleições, os eleitores vão dar maioria absoluta à coligação PSD/CDS/PPM ou vão reforçar ainda mais a votação no Chega?
Em próximos actos eleitorais o PSD/Açores sairá sempre reforçado, pois contabiliza a postura construtiva do seu Presidente e de uma governação recente globalmente muito positiva.
O Chega não é um problema para o PSD/Açores, respeitamos como aos outros partidos.
O Chega é que tem um problema, que são os seus dirigentes regionais, que têm perfil e postura de ‘Autarca de Freguesia’, esquecendo o todo Regional.
Quer acrescentar algo mais que considera importante no âmbito desta entrevista?
Sim. Estamos em plena campanha para eleições nacionais. Olho com preocupação para o futuro da Autonomia, muitos dos seus agentes têm uma ligação umbilical aos aparelhos dos partidos nacionais, que os obrigam a “vassalagem” a Lisboa.
A presença de Dr. Montenegro, no dia das eleições, foi um atrevimento inadmissível, que teve na prática, um efeito de esvaziamento da vitória do PSD/Açores e do seu Presidente, Dr. José Manuel Bolieiro. Foi um atropelo à Autonomia e ao PSD/Açores, que ficou espelhado nas declarações longas e abusivas do dia da vitória.
Com o Dr. Mota Amaral não vinha e se viesse ficava a tomar café sozinho no antigo Hotel Avenida.
No PS/Açores não estamos melhor, o líder em exercício Francisco César, “proprietário” de acções no aparelho nacional do PS, vive a apanhar os “cacos” dos prejuízos e a diminuir os estragos, que a política do Governo de Costa e do candidato a Primeiro-mninistro, fazem na Região.
Tem sido um incansável “servidor” do socialismo lisboeta.
A Autonomia Política Administrativa dinâmica e do interesse dos açorianos é sempre reivindicativa, senão ninguém nos respeita.
João Paz