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Jovens arquitectos denunciam numa exposição em Lisboa a urgência de proteger a lagoa das Sete Cidades da excessiva fertilização dos solos

Rita Sampaio e Afonso Botelho Santos, de 32 anos, são dois arquitectos, naturais de São Miguel e Lisboa. Juntos criaram o Ilhéu Atelier, o seu gabinete de arquitectura sedeado na maior ilha do arquipélago, onde vivem actualmente. O casal foi convidado a participar na exposição “Fertile Futures: um laboratório em itinerância”, com o objectivo de reflectir sobre a problemática da deterioração da lagoa das Sete Cidades. Os arquitectos alertam para o desmedido uso de fertilizantes para a produção de pastagens, que dá origem a processos de eutrofização. A proposta apresentada explora “a (re)imaginação utópica da Região, combatendo o principal foco de poluição das lagoas açorianas, ao reconsiderar criticamente o uso do solo.” “Fertile Futures: um laboratório em itinerância” é um espaço para a criação de conhecimento sobre a gestão, a reserva e a transformação da água doce. Com foco em sete hidro-geografias, é a representação oficial portuguesa na Bienal de Arquitectura de Veneza que apresenta no Palácio Sinel de Cordes, em Lisboa, os resultados desta investigação multidisciplinar, levada a cabo por sete zonas do país, nomeadamente Bacia do Tâmega; Douro Internacional; Médio Tejo; Albufeira do Alqueva; Perímetro de Rega do Rio Mira; Lagoa das Sete Cidades; e Ribeiras Madeirenses. A exposição estará patente até 27 de Abril.

Correio dos Açores – Qual foi a inspiração por trás da vossa proposta na exposição “Fertile Futures: um laboratório em itinerância”, no contexto da deterioração da Lagoa das Sete Cidades?
Rita Sampaio (Arquitecta) – Em 2022, fomos convidados pela arquitecta Andreia Garcia, a curadora principal desta exposição que foi feita para a Bienal de Arquitectura de Veneza, com os curadores adjuntos Diogo Aguiar e Ana Neiva, em conjunto com outros seis ateliês de arquitectura, cada um associado a uma região do país e a um problema da água da sua zona.
Fomos convocados como ateliê dos Açores, associados à lagoa das Sete Cidades, onde foi reconhecido o problema da eutrofização das águas das lagoas, para propor reflexões que pudessem contribuir para uma solução futura deste problema.

Afonso Botelho Santos (Arquitecto) – A exposição portuguesa vai responder a vários tópicos que a exposição geral em Veneza lançava, entre eles qual o futuro e qual a relação do homem com o seu habitat. Nesta vertente de respostas para o futuro, Andreia Garcia, nesta curadoria da exposição portuguesa, convocou arquitectos mais novos e, por isso, esta representação portuguesa é invulgar. Além de ser composta por jovens ateliês, mais desconhecidos e recentes, surgem de vários lugares do país, incluindo Açores e Madeira.
Rita Sampaio – Na exposição há a possibilidade de ver sete respostas diferentes, dos sete gabinetes de arquitectura convidados, a sete problemas igualmente muito distintos. O mote foi como se poderia resolver esta questão da gestão da qualidade e da quantidade de água doce no nosso país.
Afonso Botelho Santos – Curiosamente, há uma questão que é genérica a todos os gabinetes de arquitectura. É preciso reflectir sobre os actos humanos no nosso habitat. Vivemos neste planeta e temos que saber viver em harmonia com o nosso lugar, seja nas Sete Cidades, na Madeira, em Lisboa ou no Algarve.

E porquê a lagoa das Sete Cidades?
Rita Sampaio – A Lagoa das Sete Cidades é um dos ex-libris de turismo da Região e já há décadas foi identificado o problema de eutrofização desta lagoa. Embora esteja melhor do que nos anos 90 e no início do século, o problema continua e a lagoa continua a evidenciar sinais de poluição que se devem sobretudo a algo tão querido e tão próprio dos Açores, como a produção de leite e lacticínios, através do uso de fertilizantes colocados no solo dos pastos, os quais, com as chuvas, vão parar às lagoas. Estas, por sua vez, acabam por entrar num sistema de “auto-poluição”, criando sistemas alternativos ao mais natural.

De que forma a vossa proposta procura combater o principal foco de poluição da lagoa das Sete Cidades?
Afonso Botelho Santos – Primeiramente, foi feita uma investigação sobre este problema. Conversámos com pessoas de várias áreas e percebemos, desde logo, que a solução tem sempre de passar por uma reflexão conjunta entre pessoas de vários lugares, locais e não locais, professores, arquitectos, engenheiros, para que seja uma resposta completa e não apenas nossa.
Porém, como fomos convocados para dar uma resposta naquela exposição, fizemo-lo de forma irónica, com o objectivo de apenas colocar ênfase na questão: qual é a prioridade para um lugar tão sensível como a lagoa e a bacia das Sete Cidades, a qualidade da água ou a manutenção do uso de fertilizantes naquele território?
Rita Sampaio – No fundo, a nossa resposta é a vontade de questionar e desbloquear o que pode ser as Sete Cidades. No nosso entender, é fundamental compreender o território e a paisagem, não apenas como o são hoje, mas como um campo de possibilidades. Desbloquear o que poderia ser esse lugar que, actualmente, está muito condicionado pela prática da agro-pecuária dentro da bacia, que ocupa um terço desta área e condiciona a qualidade da água e dos solos. A nossa resposta acaba por ser, de certa forma, uma crítica à existência dessa prática no interior da bacia.

A vossa resposta para as Sete Cidades também serve para outras lagoas da Região, como as Furnas por exemplo?
Rita Sampaio – O problema da eutrofização também foi identificado na lagoa das Furnas, mas nessa lagoa a resolução foi menos complexa, por não ser uma bacia habitada, como a das Sete Cidades. No caso das Furnas, o Governo Regional conseguiu fazer acordos com os proprietários dos terrenos adjacentes à lagoa, evitando a utilização do território para uso agrícola. No caso das Sete Cidades, por questões sociais e financeiras, a prática mantém-se e corresponde, na maior parte dos casos, ao sustento da população residente.
A nossa resposta defende que a sociedade deve ser convidada a estudar alternativas de ocupação do solo mais sustentáveis para o ambiente sem comprometer a sustentabilidade financeira dos próprios habitantes. É uma resolução difícil e complexa, mas necessária.

Podem explicar como é que o granel, elemento da arquitectura vernacular das Sete Cidades, foi descontextualizado para albergar o símbolo da indústria agro-pecuária, a vaca, na vossa proposta?
Afonso Botelho Santos – Na nossa resposta irónica, reinterpretámos um arquétipo, um edifício comum nas Sete Cidades, o granel, que até hoje é utilizado como armazém de bens agrícolas pelas pessoas em contextos mais rurais.
Adulterámos o granel, subvertemo-lo e colocámos lá dentro a vaca. Isto é, desenhámos um novo granel para o futuro, onde o problema é colocado sobre este granel para evitar o contacto com o chão. Obviamente, é uma resposta irónica, mas indica o caminho a seguir, que é a necessidade de reflectirmos sobre a pertinência da vaca e do uso de fertilizantes nas Sete Cidades, um território extremamente protegido, sensível, equivalente a uma reserva natural. Até hoje, estas duas existências, a natureza e a indústria agro-pecuária, têm convivido e é natural que assim seja, pois fazem parte da riqueza da Região, mas em lugares tão sensíveis como as Sete Cidades, há que reflectir um pouco melhor sobre esta convivência para a posteridade.

Qual é a importância da (re)imaginação utópica da Região no contexto da protecção da Lagoa das Sete Cidades e na reconsideração crítica do uso do solo?
Afonso Botelho Santos – A Região tem sido, desde o seu povoamento, um território utilizado em ciclos de monocultura. A mais conhecida é a da laranja, mas existiu também o chá, o pastel, o tabaco, o trigo e, desde o século passado até hoje, vivemos a monocultura da vaca. A agro-pecuária associou-se como uma identidade absoluta do território açoriano. Faz parte da história dos Açores, mas não fez sempre parte dela e provavelmente não fará parte do futuro. Actualmente, já se fala que a monocultura seguinte será a do turismo.
Hoje, também sabemos que um planeta mais sustentável passa não apenas por uma cultura, mas sim por uma pluricultura, ou seja, uma diversidade maior de produções, culturas, plantações e outros.
Rita Sampaio – Pretendemos desblo-quear a ideia de que só a vaca pertence e prevalece como identidade açoriana. Apresentámos em Veneza e em Lisboa um conjunto de imagens fotorrealistas, nas quais colocamos cenários alternativos vaca ao da actividade agro-pecuária. O que poderiam ser as Sete Cidades se fossem plantações de árvores? Se aquela área fosse uma floresta? Ou, o que seria se, em vez de vacas, fosse ocupada por outros animais autóctones? O arquitecto pode não ser capaz de solucionar o problema mas, pelo menos, pode ajudar a imaginar cenários alternativos.

Como é que se pode criar uma arquitectura contemporânea sem pôr em causa a memória e a identidade de um lugar como as Sete Cidades?
Afonso Botelho Santos – Esta é uma questão, com a qual nos deparamos várias vezes nos Açores. Sou do continente e tenho sempre receio de estragar um território tão bonito como este.
Creio que a resposta passa por fazer com os materiais de hoje e recorrer a tecnologias actualizadas, mas com memória do passado. Conhecer o que é a arquitectura vernacular açoriana, o território, como se fez e se tem feito, para que se possa, com as capacidades de hoje, construir uma arquitectura nova com história. Ou seja, interessa-nos referenciar a arquitectura contemporânea à arquitectura vernacular açoriana.
Creio que, se olharmos para os modelos da arquitectura vernacular, podemos encontrar soluções para questões actuais. Tem sido um exercício recorrente no nosso trabalho.

Carlota Pimentel 
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