Joana Bairos criou uma petição para haver mais tripulações da força aérea disponível para realizar o transporte de doentes das ilhas que não possuem hospital, isto depois de a sua mãe ter esperado 19 horas para ser transportada para o HDES após sofrer um enfarte. “Sei que a minha mãe não é primeiro caso em que isto acontece, mas espero que tenha sido o último”, assume a jovem natural de Santa Maria.
Correio dos Açores – Pode explicar o que aconteceu com a sua mãe?
Joana Bairos (Filha da utente que esperou 19 horas pelo sistema de evacuação e promotora da petição) – O primeiro enfarte da minha mãe aconteceu no dia 25 de Dezembro de 2023 e o segundo a 28 de Janeiro de 2024, com a agravante dela ter uma fibrilhação ventricular, ou seja, o coração estava num ritmo eléctrico completamente descontrolado com o risco de paragem cardíaca, o que se veio a verificar. Ela esteve cerca de 10 segundos em assistolia, depois levou um choque e recuperou a consciência. Isto aconteceu por volta das 22h20 do dia 28. A evacuação dela foi efectuada no dia 29 de Janeiro por volta das 17h20.
Alegadamente, a Unidade de Saúde da lha de Santa Maria contactou o Serviço Regional de Protecção Civil e Bombeiros dos Açores por volta das 22h40, ou seja, logo após a paragem cardíaca da minha mãe. A Protecção Civil respondeu-me através de email que só tinha sido activada por volta das 23h07 e que, imediatamente, tinha contactado a Força Aérea. Perguntei o que consideravam ser imediatamente ou a que horas tinham contactado a Força Aérea e até hoje não obtive resposta.
Às 22h40, quando falava com o médico regulador, informam que a Força Aérea teria que ir primeiro às Flores buscar um utente, reabastecer o helicóptero Merlin nas Lajes da Terceira e depois viriam a Santa Maria fazer a evacuação médica da minha mãe. Por volta das 3h25 da manhã do dia seguinte, informaram a minha família que a tripulação não viria buscar a minha mãe porque teria excedido as horas estipuladas de voo e teriam que cumprir com o tempo de descanso legal obrigatório.
Quando informaram que tinham que ir primeiro às Flores e depois a Santa Maria, não sabiam as horas de voo que a tripulação iria ter?
É esta a minha questão. Contactei, por email, a Base Aérea Número 4 e, por via telefónica, falei com o tenente coronel Nuno Gama. A minha questão é onde é que estava a segunda tripulação da Força Aérea, se eles têm duas aeronaves, o helicóptero Merlin e o avião C295? Se o Merlin foi para as Flores e iria exceder as horas de voo, porque não foi activada uma equipa de prevenção para pegar no avião e auxiliar minha mãe? Segunda questão, a partir das 10h da manhã, começaram a alegar que as condições meteorológicas não permitiam ir a Santa Maria. Ai coloco mais uma questão à Força Aérea. O avião mais pequeno da SATA, o Dash 200 foi às Lajes e conseguiu aterrar e descolar da ilha Terceira e o Dash 400 aterrou e descolou da ilha de Santa Maria, cujo aeroporto é o que possui a pista com melhores condições de todas as ilhas dos Açores. A minha questão é: Como é que um avião comercial consegue aterrar em Santa Maria nessa manhã, inclusive trouxe um utente que ia ser evacuada? Infelizmente não haviam condições para minha mãe vir na SATA. E uma aeronave militar não consegue aterrar nessas condições?
Outra questão que coloco é que, no dia 29, realizou-se uma cerimónia de louvores no salão nobre da base aérea. Eu coloquei a questão ao tenente-coronel se esta cerimónia tinha sido um impedimento para que se activasse uma segunda equipa para vir buscar a minha mãe, há qual não obtive resposta. Mais uma vez a falta de resposta foi a resposta.
Sei que a minha mãe não é o primeiro caso em que isto acontece, mas espero que tenha sido o último. Tenho conhecimento que a Força Aérea ou está com falta de meios ou está com má gestão dos recursos existentes, algo que ainda não percebi porque não obtive respostas.
Daí que tenha feito uma petição com os lemas da Força Aérea: “Onde necessário, quando necessário” e “para que os outros vivam.”
Já ultrapassaram as 300 assinaturas que são necessárias para levara petição a plenário da Assembleia Legislativa Regional. Quando é que tenciona levar esta petição ao Parlamento?
Temos mais de 470 assinaturas já, o que me deixa muito feliz. Agora isto tem os seus timings. O meu objectivo é chegar à Assembleia Regional e, posteriormente, à Assembleia da República, uma vez que, como fui informada, isto tem a ver com o Ministério da Defesa. Não tem a ver só com o Governo Regional mas também com o Governo da República. Por isso, quanto mais assinaturas conseguir, melhor. Quanto mais gente participar, melhor.
O meu objectivo principal era chegar às 300 assinaturas e a partir daqui vou ver o que é possível fazer.
Actualmente, como é que está a tua mãe?
A minha mãe está estável. Esteve internada cerca de 13 dias na Cardiologia, equipa à qual agradeço imenso o trabalho extraordinário que fizeram com ela. Quero também agradecer a todos os profissionais da Unidade de Saúde de Ilha de Santa Maria que salvaram a vida da minha mãe, bem como de todos os profissionais que estiveram envolvidos na sua evacuação.
Ela teve que colocar um CDI, que é um dispositivo com que vai ter que viver o resto da vida. Tem as suas limitações normais de uma doente cardíaca e tem que aprender a viver com a sua nova condição.
O atraso no transporte provocou algum transtorno na sua mãe?
Nós, em saúde, sabemos que tempo é vida. Em cardiologia, os colegas usam a expressão que ‘tempo é músculo’. Quanto mais tempo o músculo cardíaco estiver em sofrimento, maiores serão as sequelas. Eu, como enfermeira, não posso afirmar que se ela tivesse sido evacuada mais cedo que o prognóstico e o tratamento não seriam os mesmos. O que posso afirmar é que, quanto mais tempo passou, mais risco de vida ela correu uma vez que esteve 10 segundos em paragem cardíaca e depois esteve 19 horas à espera de meios diferenciados e de uma equipa diferenciada para cuidar dela. Ela já tinha feito um primeiro cateterismo quando teve o primeiro enfarte no Natal e agora quanto mais rápido fizesse o segundo, melhor. Quanto mais rápido as coisas se desenvolverem, em saúde, melhor. Felizmente, o desfecho não foi o pior. Estou a dar a cara para que ela tenha sido a ultima pessoa a sofrer por causa desses atrasos.
Quer deixar algum apelo?
Quero apelar à Força Aérea e a quem tem poder para resolver essas situações, que o faça. Somos nove ilhas, onde seis não têm hospital e o Hospital do Divino Espírito Santo é a unidade de saúde de referência. Temos mais dois hospitais, na Terceira e no Faial, mas não têm os meios diferenciados que o HDES tem.
Todos nós temos família e amigos espalhados pelos Açores. O meu apelo vai no sentido de não acontecer em mais nenhum dia e em mais nenhuma hora, seis ilhas ficarem à mercê de uma única tripulação da Força Aérea, porque pode acontecer o que aconteceu desta vez, duas emergências em lados opostos do arquipélago, e alguém sofrer as consequências disso.
Não estou a querer dizer que a minha mãe teria que ser evacuada primeiro ou que o transporte do outro doente não fosse accionado primeiro. Não é esta a minha questão. O meu grande apelo é para que não volte a acontecer e para se perceber porque é que aconteceu.
Não é a primeira vez que está só uma tripulação de serviço e isto, para mim, é assustador. O apelo é para as entidades competentes melhorem e corrigem esta situação para que não torne a acontecer e para que mais ninguém sofra com as consequências disto.
Frederico Figueiredo