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Consolidação – VI

Por mais paradoxal que possa parecer, foi durante e no rescaldo da crise do COVID-19, que a equipa de António Benjamim consolidou a AASB.1 Conheciam-se das praias. Apenas dois praticavam surf, mas todos tinham filhos no surf. Ainda que a direcção da AASB continuasse a não integrar representantes da Ribeira Grande (cidade), Benjamim (excelente diplomata) cultivou uma relação (de interesse e respeito mútuos) com a autarquia (e os privados) da Ribeira Grande.2 Apesar da sua vocação formadora, José Seabra abrira a sua escola de surf num espaço da sua loja, havia participado no projecto (de surf social) de Luís Melo em Rabo de Peixe, em vez de ‘hostilizar’ os clubes/empresas (associados à AASB) por não dedicarem mais tempo à formação, escolhe conceder-lhes (de forma condicional) o benefício da dúvida. Em São Miguel, eram (quase) só eles a formar, treinar e a orientar os atletas nas competições.3 Todavia, como aumentasse (a olhos vistos) o crescimento turístico, já em 2021/21, a balança pendia (muito) em desfavor dos clubes.4 Sérgio Aparício (um dos três empresários) disse-me ‘O maior número de alunos vem do turismo. É o que nos dá dinheiro. E de cá, a maioria vem de Ponta Delgada. Não tenho ninguém da Ribeira Grande.’5 Em 2022, no que diz respeito à formação, sobretudo ao nível dos primeiros escalões, em evidente contraste com a realidade de São Miguel, os clubes da Terceira e da Graciosa (já) ultrapassavam (percentualmente e em número) os federados dos clubes/empresas micaelenses.6 Sabendo de antemão (que mais dia menos dia) isso iria acontecer, a AASB, em parceria com a Câmara Municipal de Ponta Delgada (a financiadora), planeara uma campanha de promoção do surfing nas três escolas secundárias da cidade de Ponta Delgada.7 Por que razão (não resisto a indagar) terá a Ribeira Grande ficado de fora? ‘Havia na Ribeira Grande um certo medo ainda do mar, por isso, decidimos não apostar lá.’8 A opção, justamente por isso, deveria (a meu ver) ter sido (exactamente) a contrária: ir à Secundária da Ribeira Grande (que reúne alunos de todo o Concelho) e (tentar) desmontar o (motivo do) medo. Pensando melhor, talvez os seus responsáveis tenham julgado desnecessário entrar naquele projecto, já que haviam (não há muito) celebrado um protocolo (nesse sentido) com o clube/escola de Ricardo Ribeiro Xolim.
A Direcção de António Benjamim enfrentou/contornou (inteligentemente) as consequências da Pandemia Mundial do COVID-19. Entre Março de 2020 e 7 de Maio de 2021, parara tudo.9 Em 2019, primeiro ano dos quatro de mandato, o programa havia sido (palavras do relatório) satisfatoriamente cumprido. No segundo, em 2020, fora o descalabro: ‘Não foram atingidos em virtude das imposições e restrições colocadas pela Pandemia de COVID-19, que obrigaram ao cancelamento das atividades desportivas de lazer e competição durante a primeira vaga, entre Março e final de Agosto, e a partir de final de Novembro, estando também limitadas as atividades que implicassem o ajuntamento de pessoas e as viagens. Apesar de entre Agosto e novembro existir uma relativa normalidade, continuou a haver receios para (a) plena prática desportiva.’10 Em 2021, a situação andava ainda (muito) longe da normalidade: ‘os objetivos (…) foram parcialmente atingidos em virtude das imposições e restrições colocadas pela Pandemia de COVID-19, impedindo a realização de várias atividades e provas planeadas. A primeira atividade só se realizou a 11 e 12 de Setembro, após se verificarem 7 (sete) adiamentos devido a falta de licenciamento das autoridades.’11 Finalmente, em 2022, último ano do quadriénio, um motivo para celebração: ‘os objetivos (…) foram maioritariamente atingidos.’12
Já de saída, em Novembro fora eleita uma nova Direcção, António Benjamim (fazendo eco ao sentimento da Direcção) aproveita uma entrevista que concede à Surf Total para fazer o balanço do mandato: ‘[Razão do êxito?] Julgo que tem a ver com a estratégia que definimos há 4 anos, tornar o surf numa modalidade organizada e credível, para o efeito estabelecemos parcerias com entidades públicas e privadas, empresas, autarquias e governo regional. Depois descentralizámos o campeonato regional, para além de S. Miguel, levando à Terceira e Graciosa [em boa verdade, a direcção anterior já o havia feito], e por último promovendo o Surf na RTP, onde pela primeira vez tivemos a cobertura de todo o campeonato, com um programa de 30 minutos para cada etapa, nunca um circuito regional teve esta cobertura, disponível na RTP Play, dando o retorno desejado a todos os patrocinadores [Isso, sim, foi inovador. Facilitou o facto de Benjamim e Sérgio Sampaio serem funcionários da RTP/A]. O surf foi a modalidade que mais cresceu nos Açores, de tal forma que passou a ser reconhecida como modalidade estruturada, aumentando assim o apoio por parte do desporto da região, passou, também a estar presente no CADAR (Conselho Açoriano para o Desporto de Alto Rendimento).’13 Nessa entrevista, Benjamim ainda destacaria o contributo do surf para o desenvolvimento da capital do Surf: ‘(…) a autarquia, na pessoa do seu presidente Alexandre Gaudêncio, tem tido a sensibilidade para perceber que o Surf é um fator de desenvolvimento nos locais onde há boas ondas. A Ribeira Grande tem isso tudo, possui praias magníficas com ondas de classe mundial, e está a aproveitar isso da melhor forma, transformando toda a sua frente de mar e criando um destino turístico jovem, criativo, moderno e sustentável, captando um novo mercado e dinamizando a economia.’14 Que impacto terá tido (de facto) o Surf (nesse período de 2019-2022) na Ribeira Grande? Para o conhecer, há (já) duas teses (pioneiras) de mestrado, no entanto, não abordam (especificamente) a relação entre o surf e a Ribeira Grande.15 Estamos (pois) limitados a (razoáveis) indícios (não a indicadores seguros). Uma coisa é (porém) segura: a influência desportiva (ou seja, a atracção de gente da Ribeira Grande para a prática do Surf) é praticamente nula.16 E na sociedade e na cultura?17 É (notório) o vaivém (diário, não quantificado) de surfistas de fora (da Ilha e de fora dela) às suas praias. Como (ainda) é notório a afluência de visitantes à Ribeira Grande (cidade e Concelho) (não só atraídos pelo surf) fazendo disparar (como nunca) a oferta no alojamento local.18 Dois exemplos. Para 2019: inauguração do Hotel Verde-Mar e da Volcanic House. Por força dessa (mesma) proximidade às praias, haverá (há?) ainda (também não há dados concretos) mais gente de fora a escolher a Ribeira Grande (cidade e Concelho) como residência.19 A vinda de gente com poder de compra, já não só de passagem, levou a uma (maior) diversificação na oferta da restauração.20 Um exemplo: remodelação (de alto a baixo) do TUKA TU LÁ. Ou da criação de negócios ligados ao mar. No interior do (requalificado) Mercado Municipal (oitocentista) é inaugurada a Loja ‘Queimado’ de Roberto Borges (um amante do Surf da Ribeira Grande). Primeiro construtor de pranchas de surf (em madeira) da Ribeira Grande.21 Alexandre Gaudêncio, na ocasião referiu que ‘mais do que criar marcas, importa gerar uma nova dinâmica na economia local e a Ribeira Grande – Capital do Surf tem merecido especial atenção de um novo público que nos procura para ter uma experiência diferente.’22 O Surf interessa ao comércio e à indústria local? Os relatórios anuais da AASB, mostram-nos que, além do apoio da autarquia, a maioria dos patrocinadores privados (da AASB) são empresas do Concelho.
E a autarquia?23 Apoia os atletas do Concelho que mais se destacam.24 Levando muito a sério a promoção da marca Ribeira Grande Capital de Surf, a autarquia celebra ‘pela primeira vez’ um protocolo com a AASB.25 Em Setembro de 2019, sendo capital de Surf e o Surf já sendo uma modalidade olímpica, candidata-se a ‘uma etapa do campeonato nacional de surf.’ A razão, segundo o Presidente, continua a ser (sobretudo) económica: ‘poderá refletir-se em mais-valias para a Ribeira Grande.’26 Sem perder de vista a economia, pretende-se rendibilizar o potencial das ondas do Concelho. Como? De duas formas: proteger as ondas (no seu todo) e aproveitar (ainda) as gigantes. Em Fevereiro de 2021, surfistas de fora reconfirmam ‘dois locais propícios no concelho para a prática de surf em ondas grandes, nomeadamente ao largo da praia de Santa Bárbara, na zona poente, e na praia da Viola, na Lomba da Maia.’27 Mais um (forte) motivo para potenciar a economia local.28 ‘Os surfistas consideraram existir potencial na Ribeira Grande para se organizar uma competição internacional de ondas grandes, à semelhança do que já se verifica noutros locais do país, como na cidade da Nazaré.’29 A matéria-prima do surfing (as ondas) tem de ser (no entanto) protegida. Eis (então) que há uma intenção de candidatura a Reserva Mundial do Surf. Em Abril de 2022, Alexandre Gaudêncio anuncia pretender-se ‘(…) candidatar a cidade da Ribeira Grande a Reserva Mundial de Surf, de modo a preservar as ondas da cidade.’30 Interessada em aprofundar o conhecimento da relação entre surf e economia, a autarquia dispõe-se a ouvir ‘o professor Jess Point, da Universidade de San Diego,’ um ‘especialista no estudo de retorno económico das comunidades que apostam no surf.’31 E onde entram os nómadas digitais? 32A autarquia – interligando o nomadismo digital ao surf (outra mais-valia económica) – lança uma plataforma digital, divulga um vídeo e melhora a rede de cobertura digital.33 Capital do Surf? Ondas gigantes? Faltava um símbolo. Um ponto de referência orientador. Em Maio de 2021, é inaugurado ‘o monumento de homenagem ao surfista (…).’34 Nesse entretanto, é eleita (após várias tentativas) a nova direcção da AASB (para 2023-27).35 Estaria a AASB consolidada? Ao que parece, sim. Sobreviveu à (inesperada) demissão da nova direcção sete meses após ter tomado posse.36 Como foi possível? Apresentando contas certas e ‘saudáveis’ (não esquecer o motivo do encerramento da USBA), sendo credível perante patrocinadores e apoiantes e havendo adquirido visibilidade. E da sombra protectora de Benjamim, da sua equipa e dos amigos do Surfing. E agora? Mais formação (investindo-se, porém, mais na vertente social). É esse o sentimento unânime (pelo menos aqui na Ribeira Grande).37
Porto de Santa Iria, Ribeirinha, Cidade da Ribeira Grande (continua)

Mário Moura

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